Quando Portugal celebra, uma vez mais, o 25 de Abril, aquilo que me apetece dizer é que não há mais nada a dizer, a não ser repetir aquilo que tem vindo a ser dito e redito ao longo destes últimos mais de trinta anos, numa espécie de perpétuo retorno, qual Primavera que nos visita ano após ano sem qualquer alteração substancial e digna de registo. Este é, tem sido, um registo monocórdico e apático, comatoso e sem sabor, no qual já poucos acreditam. É que ano após ano as referências, os valores, os ideais, as promessas de um amanhã sempre melhor e maior são reproduzidas sem haver, no entanto e na vida real dos portugueses, daqueles que não comemoram coisíssima nenhuma, uma correspondência entre a doutrina e a práxis, ou como se costuma dizer, sem bater a cara com a careta, ou ainda, se preferirem, a bota com a perdigota.
Por outro lado, toda a teoria elaborada e produzida em torno desses tais valores, não encontra na sociedade do hoje uma consequência ou um resultado directo e lógico desse acto primeiro e refundador de uma sociedade, mas sim algo de estranho, desvitalizado e degenerado de uma coisa qualquer.
Aquilo que deveríamos todos fazer era reflectir verdadeiramente sobre a tradução cultural e social que foi e é o facto de 1974, ocorrido num dia 25 de Abril. Oportunidade de transformação, de rejuvenescimento, de inovação e de valorização da sociedade, da economia, da cultura, dos indivíduos e da civilização. Passados todos estes dias, teremos conseguido!?... Terão as elites políticas e sociais conseguido transformar o nosso país!?... Uns dirão que sim, outros que não, outros ainda dirão que vamos indo… Pois vamos, mas esse é o nosso grande problema… vamos por onde e para onde!?... Que perspectivas poderemos ter quando toda a nossa experiência sensorial nos alerta:
- Enquanto o comum dos portugueses se reduz à sua insignificância económica, a banca, esse Olimpo dos lucros divinos, dá-se ao luxo de doar empréstimos a uns poucos…
- Governos que alteram sem roque a lei penal e passado não muito tempo as ruas do dia-a-dia ressentem-se… não adianta virem aos holofotes da comunicação social com a verborreia das estatísticas oficiais, pois a rua que esses mesmos não frequentam, vive sobressaltada com a extrema violência de uma criminalidade crescente…
- O estado investe incontáveis milhões em paraísos fiscais e depois, não sabendo o que fazer com os lucros de tais operações secretas, garante financeiramente a participação de um tal piloto português, importará aqui repetir português, no circo da fórmula 1…
- Dia após dia, somos obrigados a saber que os despedimentos são às centenas de cada vez… tantas e muitas são as vezes. Talvez aqui também se possa aplicar o termo que alguns tanto gostam: escala. De facto o desemprego em Portugal adquiriu escala e assim podemos afirmar com verdade que o desemprego é hoje um sucesso nacional…
- Governos que liberalizam os preços finais dos combustíveis, em actos muito reflectidos e ponderados, com a segurança e certeza de reais descidas dos preços da venda ao consumidor, só que, e desde então, essa liberalização só resultou na mais desenfreada das libertinagens…
- Governos cujos ministros dizem e depois desdizem sem qualquer reserva de pudor ou de respeito pela inteligência dos demais, ou então, ministros que passam a ex-ministros e logo depois ingressam numa promissora e ambiciosa carreira de administradores públicos e/ou privados…
- Governos cuja estratégia para a saúde nacional é trocar médicos e hospitais por helicópteros, mas que deixa morrer cidadãos contribuintes que moram a poucos metros de um hospital… cuja estratégia para a educação é o facilitismo que leva directa e rapidamente à iliteracia e à incompetência, mas permite esse objectivo supremo que é alinhar as estatísticas nacionais da educação com as congéneres europeias… cuja estratégia é a aposta nos serviços públicos mínimos…cuja estratégia nacional é, enfim, um fado!...
Estes são apenas alguns exemplos, que sei consideram demagógicos, mas há mais e mais e vocês todos sabem-no. Tenho para mim que para alguns, a culpa de tudo isto é dos órgãos de comunicação social que teimam em impor à sociedade esse incómodo que é a informação e o conhecimento. Uma sociedade constituída por indivíduos que, passiva e acriticamente, aceitam estas circunstâncias não fez, não faz e não fará um 25 de Abril.
Bem gostaria de poder estar aqui a projectar um futuro novo traduzido de um presente ambicioso, mas não estou e, aproveitando as palavras de Ervin Goffman, eu diria para terminar, que os momentos são dos seus homens, mas estes homens permitiram que o momento, este momento, se transformasse num não-momento.