30 julho 2019

sapatilhas: um paradigma dominante

Hoje em dia toda a gente anda com sapatilhas nos pés. Olhemos à nossa volta e só vemos pés calçados com sapatilhas, de todas as cores, feitios e materiais. Sapatilhas a rodos. Sapatilhas, sapatilhas e mais sapatilhas. É impressionante! Quer dizer, para mim é impressionante a forma como esses sapatos inventados para praticar desporto, migraram para um uso indiscriminado, extensivo e, também, intensivo, no caminhar ordinário de todos os dias e horas. A nossa sociedade desfez-se de todas as outras alternativas e adoptou-as, definitivamente, como parte imprescindível do seu “dress-code”. Não importa se estamos a passear à beira-mar, se vamos às compras, ou se vamos trabalhar. Neste último caso, importa também fazer nota da indiferença perceptível e a falta de noção (eu diria, do ridículo…) ao se apresentarem nos seus postos de trabalho assim calçados. Dou alguns exemplos: parece-me bem que a minha fisioterapeuta use sapatilhas no seu trabalho, tal como um professor de educação física, ou um empregado de mesa numa esplanada, ou ainda um atleta ou treinador de um qualquer desporto; mas já me parece mal, até desrespeitoso, que um professor, um médico, um advogado, um juíz, um vendedor, um bancário, entre tantos outros, se apresente nesses preparos. Hoje, nos mais variados ramos, aceita-se esse calçado. Não entendo, nem aceito. Aliás, eu jamais o permitiria.
Para além desse desajuste, há que referir outros dois aspectos relacionados com este novo paradigma - o da sapatilha calçada - que tem dominado a nossa sociedade, digamos, nas duas últimas décadas. O primeiro está relacionado com o preço, pois já não basta estarem em todo o lado, como também são caras e, numa sociedade consumista e possidónia, é ver o sucesso comercial das marcas de prestígio e tradição, com modelos a custar nunca menos de uma centena de euros; o segundo aspecto, sem querer ser ofensivo, é a questão estética, pois a variedade da oferta inclui modelos e, principalmente, cores e padrões inimagináveis para o bom-senso e perigosos para a saúde pública. Quero eu dizer, posso até comprar sapatilhas de cores florescentes, rendilhadas, com purpurinas, laços e luzes para crianças e, quando muito, adolescentes, mas ver passar adultos, alguns já maduros, com esses enfeites decorativos nos pés, é, será sempre, aos meus olhos, apenas ridículo.
Se eu fosse parte interessada no sector do calçado estaria muito preocupado, pois ao olhar para os pés das nossas crianças e jovens, só posso antever a extinção de todo um sector de mercado (calçado de peles e couros). Até quando?
Atenção: Eu também tenho um par de sapatilhas, quase sempre tive sapatilhas, e sempre brancas. Apesar de raramente as usar, farão sempre jeito para as poucas vezes em que me decido fazer caminhadas, andar de bicicleta, ou acompanhar a minha criança numa qualquer aventura.
Enfim. Parabéns às sapatilhas e às respectivas marcas, que não só se conseguiram impor, como conseguiram, sem lógica ou razão, valorizar-se exponencialmente e monopolizar o mercado.
Viva a sapatilha.

29 julho 2019

das coisas da Loisa

Carlos Alberto d’Abreu, num artigo de 2011, escreve sobre a nomeada colectiva dos naturais da sua aldeia, a Loisa, no concelho de Torre de Moncorvo, tentando esclarecer a origem e motivação para esse epíteto que, apesar de não ofender, pelo menos incomoda os seus habitantes...
Nós somos os labregos. Alcunho que assumimos com a maior das naturalidades, porquanto labrego significa rural, campesino, rústico, lavrador. O que ama o agros e dele retira o sustento, com muito esforço e dedicação, acrescente-se.
Para além de labregos, os da Loisa tinham, e têm, má fama. O autor tenta perceber de onde poderá provir esse sentimento de terceiros sobre os loiseiros e encontra a seguinte história:
Ainda há poucos anos, com relativa frequência, encontrávamos gente pela região, mesmo noutros distritos, que quando dizíamos que éramos loiseiros, vinham com a história da (má) fama de que os da Loisa puseram a Guarda a lavrar. (…) Alguns, e essa era/é a versão mais vulgar, verdadeira ou construída (como meio de defesa), diziam que não era verdade. Que chegaram a ir buscar a canga (e o arado) mas que não lha puseram ao cachaço. Dois guardas - já republicanos, pois pelas nossas contas o episódio terá ocorrido por finais da década de 1920, nos primeiros da Ditadura Nacional -, em patrulha pela Loisa, entraram à taberna do Varela, existente na Carreira, para matarem a sede, ou talvez até a fome, e repararam num labrego com dois coelhos à cintura, isto no tempo do defeso. O que não era de estranhar, pois os loiseiros, mercê talvez da distância (distância física e distância-tempo) que os separava da vila (de Moncorvo) - terra onde se concentravam todas as (in)justiças-, sempre abusaram neste aspecto, diga-se em abono da verdade. Os homens fardados intervieram, por obrigação profissional. Mas os loiseiros, que na sua terra se sentiam livres e donos dos seus recursos (incluindo os cinegéticos, está bom de ver), não podiam submeter-se a tal vexame. Poderiam lá consentir que um dos seus fosse preso por dois bichos-caretos, apenas por haver caçado uns laparotos como complemento à pobre dieta, láparos esses nados e criados no seu país? Ora essa… Vai daí, arma-se um tumulto que desarmou os guardas. E o pior vexame veio da mulher do Carocha, qual Brites de Almeida. Quitou os coelhos ao caçador e com eles esbofeteou a autoridade, que já o não era. Foram buscar a dita canga e o arado e apenas os ameaçaram que os poriam a lavrar. E com isto os deixaram ir em paz. Desarmados, claro está. As autoridades administrativo-judiciais é que não estiveram pelos ajustes. Apresentaram-se na aldeia com uma aparatosa força militar, não sabendo nós se no dia seguinte, se nos dias subsequentes, pois os caminhos eram ruins. Entrou a força a cavalo e, no meio do povo, encontraram uma barreira humana, constituída por mulheres e raparigos. Umas prinhadas, outras paridas. O comandante da força, questionou-as sobre o paradeiro dos homens. E elas responderam que não tinham homem. O que levou o servidor da ordem a voltar a perguntar: se não tendes homem, quem vos emprenhou? (…) Ora os homens, andavam a monte, acaçapados nas lorgas dos bichos, porque baterem-se com uma força daquelas, já não estava ao seu alcance. A verdade, ou pelo menos aquela que ouvimos contar, é que da dita “brincadeira”, vários foram os degradados para o Ultramar. E pelos vistos alguns, sem culpa nenhuma.
(Abreu, Carlos Alberto, 2011)

25 julho 2019

cerveja: do macaco à civilização


Foi um prazer ler este pequeno ensaio de Afonso Cruz sobre a importância histórica da cerveja. Divertido, descontraído e descomprometido, o autor coloca o álcool, em geral, e a cerveja, em particular, como principal catalisador de toda a evolução da nossa espécie. Existem muitas teorias e perspectivas sobre essa grande aventura filogenética humana, mas nunca tinha encontrado esta da relevância da fermentação etílica. Em jeito de aperitivo, deixo-vos um resumo do autor.

livros e escola, escola e livros

Ontem, no jornal Público, António Carlos Cortez, reflecte sobre essa coisa estranha que é, hoje em dia, e nas escolas, a capacidade de ler, de escrever e de raciocinar. Questiona a desvalorização do objecto livro, assim como questiona o paradigma vigente na Educação nacional. Rejeita os modelos actuais - de facilitismo, de desresponsabilização, de desconhecimento - que estruturam a Escola em Portugal. De tão óbvio, não entendo como pode alguém não concordar com o que o autor escreve. Pena é que o Ministério da Educação não esteja povoado por estas ideias e estes ideais. Talvez um dia.
Porque teria que citar quase o artigo todo, deixo-o na íntegra para quem interessar. Considero que deveria ser do interesse (leitura obrigatória) de todo e qualquer pai e/ou mãe.

saber fazer

No reduzido número das coisas que me agradaram, e que soube fazer bem, aquilo que por certo fiz melhor foi beber. Embora tenha lido muito, bebi mais. Escrevi muito menos do que a maior parte das pessoas que escrevem; mas bebi muito mais que a maioria das pessoas que bebem.
Guy Debord, in Panegírico.

23 julho 2019

devoção


Este foi o serão em que li o mais recente livro de Patti Smith. Continuo a gostar da sua escrita, biográfica e até confessional, que nos leva por viagens, lugares e pessoas que habitam a nossa memória colectiva. Continuarei atento ao que for escrevendo, pois é ela quem, retórica, questiona e, de imediato, responde: - Porque escrevemos? - Porque não nos podemos limitar a viver.

what the fuck is this Patti Smith?

Enquanto vagueio por ali, sou dominada por uma tontura inesperada, ainda que familiar, na qual uma intensificação do abstrato se conjuga com a refração da disposição mental.
Patti Smith, in Devoção, 2019:32

22 julho 2019

ainda as raças humanas...

Hoje, no P2 do jornal Público, David Marçal explica porque é errado falar em raças humanas...

O conceito de raça foi desacreditado ao longo do século XX, primeiro pela antropologia e logo depois pela biologia. No século XXI, a genética entrou em campo a sério e não só triturou qualquer vestígio do conceito de raça, como trouxe uma perspectiva muito mais rica acerca da história das populações humanas. (…) Uma palavra para a cor da pele: é um caso invulgar, pois as diferenças médias entre populações noutras características são tipicamente muito mais pequenas. (…) Todas as actuais populações são o resultado de misturas de populações altamente divergentes (muito diferentes entre si) e que já não existem na forma não misturada. (…) A história das populações é de grandes misturas e migrações de longa distância — a maioria das populações actuais não descende exclusivamente das pessoas que viviam nos mesmos locais há 10.000 anos. Somos todos o resultado de misturas, em grande parte ocorridas nos últimos 5000 anos. O conceito de raça tem subjacente a ideia de uma homogeneidade de longo prazo, populações relativamente uniformes que viveram no mesmo local durante muito tempo. E isso sabemos que não é verdade. Num passado relativamente recente, as populações humanas eram tão diferentes entre si como são hoje, mas as linhas de separação entre elas seriam para nós irreconhecíveis. As actuais populações são misturas de populações do passado, que eram misturas elas mesmas. Os agrupamentos que hoje podemos reconhecer são um retrato instantâneo de misturas em curso. E isso arrasa os mitos nacionalistas apoiados em preconceitos raciais. (…) Mas estudar diferenças genéticas entre agrupamentos populacionais é um assunto delicado. Uma das vozes críticas é a antropóloga Duana Fullwiley, da Universidade de Stanford (EUA), para quem estes estudos de genética médica reabilitam a ideia da raça, sob a capa de uma suposta neutralidade do ADN. Mas o investigador em genética David Reich, no seu livro Who We Are and How We Got Here (Quem Somos e como Chegámos Aqui), argumenta: “Como sociedade, deveríamos comprometer-nos com a igualdade de direitos para todos, apesar das diferenças que possam existir entre indivíduos. Se aspiramos a tratar todos os indivíduos com respeito, independentemente das diferenças extraordinárias que existem entre indivíduos dentro de uma população, não deve ser muito mais difícil acomodar as diferenças médias mais pequenas, mas ainda significativas, entre populações.” Não se pode assim abrir espaço para que os avanços da genética sejam distorcidos de modo a reabilitar ideias racistas (há quem procure fazê-lo, é certo) e para isso é necessário discuti-los. Até porque possivelmente os argumentos que demonstram a não existência de raças humanas não têm sido suficientemente difundidos. Afinal, várias décadas depois, a ideia de uma classificação racial ainda parece fazer sentido para muitas pessoas.

19 julho 2019

determinismo


Assustadora, de tão realista, que é esta perspectiva da vida. Ainda assim, aceitando certo determinismo, o chão que vou pisando nem sempre corresponde à conformidade deste percurso vital. Feliz por isso.

16 julho 2019

ao espelho (futuro)


Anda toda a gente (leia-se, meio mundo...) excitadíssima com esta aplicação que projecta o que será a nossa aparência quando mais velhos. Não há quem ainda não tenha experimentado e publicado nas redes sociais a sua experiência...
Através da recolha de uma fotografia do rosto, a aplicação retribui com aquilo que será esse rosto mais envelhecido, faltando saber qual é critério temporal (intervalo de tempo/idade) dessa projecção. Mas isso serão minudências que, pelos vistos, não importam ao comum dos mortais. Por outro lado, não deixa de ser paradoxal, num tempo em que as sociedades exacerbam a juventude e sua beleza, este epifenómeno da curiosidade pela aparência futura, transformada em moda.
Enfim, a mim, e ao contrário do que também tenho lido, não são as questões de segurança ou a mais que provável recolha massiva de dados biométricos que esta aplicação permite, que me levam a nem sequer a experimentar. Na verdade, nem curiosidade por me ver ao espelho futuro. É que não preciso dela, pois a minha aparência desde muito novo sempre foi de alguém mais velho. Portanto, a minha actual aparência corresponde a essa idade maior. Estarei com bom aspecto para alguém dessa (qualquer) idade. Pronto.

exasperante

Pode-se dormir com as janelas abertas sem medo de ser picado. O maior luxo é almoçar bem e prolongar a tarde, primeiro com conhaques, depois com gins-tónicos, antes de jantar cedo e levemente — com um ou dois pregos, por exemplo.
Miguel Esteves Cardoso, in jornal Público, 15/07/2019

alteridade

Esta não é uma observação necessariamente religiosa; é política também. Creio sinceramente que nós, portugueses, nos orgulhamos de aceitar as diferenças sobretudo porque as diferenças nunca exigiram muito da nossa aceitação.
Tiago Cavaco, in LER nº 153

09 julho 2019

a besta

«Era uma pessoa conhecida. Nossos sentimentos à família, tá ok?»

Foi com estas palavras que o Presidente Brasileiro reagiu, se não estou em erro, através do Twitter, à morte de João Gilberto, uma das maiores figuras da história musical do Brasil. Não conheço a sua música, nem sou apreciador daquilo que nos chega do lado de lá do Atlântico, mas isso não me impede de saber quem importa e reconhecer a relevância do legado de João Gilberto no panorama da música brasileira contemporânea. O Brasil nas mãos de uma besta, sem mundo e sem samba.

06 julho 2019

o algoritmo

O algoritmo é a ditadura do futuro, a nova tecnocracia. Por isso desconfiamos sempre destes delírios tecnológicos - para quem será esse futuro? Desde Saint-Simon (1760-1825), os profetas da tecnocracia que trazia a justiça ao mundo já estão todos mortos.
Álvaro Domingues, in Granta 3, Maio de 2019.

A ficção científica está a tornar-se, em parte, realidade. Por isso precisamos das humanidades para questionar à medida que se faz esse percurso. Não é depois de termos descoberto um Frankenstein que vamos questionar o que fazer com o monstro.
Isabel Capeloa Gil, citada por Helder Martins, in jornal Expresso, 6 Julho 2019.

Foi a recente leitura de dois textos, um de cada um dos autores acima mencionados, que me trouxe até esta pequena reflexão. 
Dizem-nos, e nós, ignorantes, acreditamos, que vivemos rodeados de algoritmos, que são eles quem comandam e sincronizam o ritmo da vida dos seres humanos e que, sem qualquer dúvida, serão eles quem determinarão a evolução das nossas sociedades, naquilo que poderão ser as tendências culturais, económicas, políticas e, acima de tudo, ideológicas.
Se tenho grande dificuldade em acreditar na existência de uma entidade superiora, omnipresente e omnipotente, enquanto criadora, gestora e juíza de toda a existência, maiores e acrescidas reservas morais e, até, éticas me assaltam, ao perspectivar a nossa existência subjugada pelos humores de um qualquer código, estúpido e insensível, desprovido de qualquer réstia emocional, que se baseia exclusivamente na contabilidade da imensidão de dados, de padrões e de correspondências. Talvez porque sou um humanista e acredito no valor intrínseco, se preferirem, ontogénico do Homem, prefiro a adopção de um pragmatismo utilitário desses "códigos mágicos", ou seja, utilizar as novas tecnologias e ferramentas, na medida em que nos são úteis e simplificam as tarefas e os acessos a determinadas fontes e informações.
Contudo, uma certeza tenho, não me sinto condicionado nas minhas escolhas, nos meus gostos e preferências, nas minhas convicções, nem tão pouco nos meus consumos, por nenhum algoritmo. Não sei, ao contrário das certezas dos inúmeros arautos dos amanhãs tecnológicos que por aí pululam, o que nos aguarda o futuro - certamente será um mundo magnífico e surpreendente. Acredito na ciência, na razão, na arte e engenho do ser humano. Procuro manter-me actualizado e informado, ainda que sempre da margem e numa atitude contemplativa.

04 julho 2019

estados de alma


a) Aqueles que me rodeiam e me conhecem sabem do meu desconforto estival, da minha má vontade para com o Sol e da neurastenia da minha tiróide com o calor. É, por isso, com satisfação e alguma tranquilidade que, tendo regressado de Trás-os-Montes há dias, onde experimentei temperaturas infernais, vim encontrar a Invicta e arredores debaixo de neblinas e ambientes amenos e aprazíveis. Assim, sim, é bom viver aqui;
b) Julgo ser conhecimento público eu considerar-me um transmontano de Massarelos. Pertenço, assim, a duas cidades - Porto e Bragança - onde me sinto em casa e me identifico. Cidades que me têm orientado a existência e às quais jamais deixarei de ser leal e amante. Não creio que algum dia o meu percurso se desvie deste eixo existêncial e sentimental;

compras matutinas


Chegar ao quiosque e encontrar, não uma, mas duas boas surpresas. O dia só poderá correr-me bem.

03 julho 2019

irritação


Só hoje li o capítulo "Malfadado Acordo" do livro Por Amor à Língua, de Manuel Monteiro e fiquei mal disposto. Como é possível alguém ter construído tamanha monstruosidade para a nossa língua?! Para além dos inúmeros exemplos de palavras desacordadas pelo Acordo, deixa-me irritado perceber que entendidos e políticos deram o seu aval a este escarro. Mais ainda, fico desatinado por saber que os meus dois filhos aprenderam, na escola pública, a escrever mal a Língua Portuguesa. Ignorantes por culpa alheia serão e eu não posso responsabilizar ninguém por esse crime.

da resistência à uniformização

" A segunda pessoa do plural foi vassourada - aspecto gravíssimo - até de certos livros e fontes com conjugações verbais. Já vi um livro escolar com todas as pessoas conjugadas, excepto a segunda do plural. Já vi um programa de televisão sobre língua afirmar que "fizestes" não existe! Sírio Possenti, em Malcomportadas Línguas, defende que o pronome vós (o "dinossauro") seja banido de uma "gramática normativa". Eu encontro o putativo dinossauro amiúde. Não podemos rasurar Padre António Vieira, Camões, as traduções da Bíblia e milhentas outras coisas. Não podemos ignorar comunidades linguísticas de Portugal (ainda hoje), mormente nortenhas, que usam com naturalidade a segunda pessoa do plural. Curiosíssimo que pessoas analfabetas dessas comunidades linguísticas sempre conjugaram com muito mais facilidade e rigor a segunda pessoa do plural do que os moderníssimos doutores lisboetas (e não só) atafulhados de plumas académicas. (...) Demais, não devemos alterar frases ou expressões que fazem parte da memória de muitos. "
Manuel Monteiro, in Por Amor à Língua.

aos interessados...

o fim da história?

Quis comprar o último livro de Francis Fukuyama, Identidades, publicado em Portugal no final de 2018. Sabia que o autor, neste seu novo trabalho, se dedica às questões de identidade enquanto fundamento e origem de tudo o que vai acontecendo na política mundial actual. Só que Fukuyama, tem toda uma vida e obra dedicada ao estudo da história da humanidade ao longo dos séculos, nomeadamente dos enormes contrastes entre as diferentes tipologias de organizações políticas e soberanias. Ele é o autor do famoso livro, já um clássico, O Fim da História e o Último Homem, escrito e publicado no final da década de 80 do século XX, período especialmente conturbado na geo-política mundial, nos sistemas políticos e na reorganização dos paradigmas dominantes nas diferentes geografias do planeta. Não me pareceu producente ler Identidades antes de conhecer O Fim da História e o Último Homem e por isso, comprei os dois livros e comecei de imediato a ler este último.  Aqui o autor parte de um conjunto de questões, também partilhada por vários filósofos do passado: a história da humanidade segue uma direcção?... se sim, qual será o seu fim?... e em que ponto nos encontramos em relação ao "fim da história"?
Procurando dar respostas a estas questões, são apresentados elementos que indicam a presença de duas forças imensas na história humana: a lógica da ciência moderna, que tem na sua génese o processo económico racional; e a luta pelo reconhecimento, que é entendido por Fukuyama, mas também por Hegel, como o próprio catalisador da história. Estas duas forças conduziram, ao longo do tempo, ao colapso de ditaduras de direita e de esquerda, impelindo as sociedades, mesmo culturalmente distintas, para a democracia capitalista liberal, entendida como estádio final do processo histórico.
Excelente reflexão sobre a questão suprema do sentido e do destino das sociedades humanas e do próprio Homem. Curiosidade: ler este livro passados cerca de trinta anos depois de ter sido escrito, permite-nos perceber onde o autor acertou e onde falhou, nas suas análises prospectivas sobre o que seria o futuro. Futuro, agora presente. Em breve, lerei então e com atenção o Identidades.

01 julho 2019

diário de campo

Novo mês, novo projecto. Durante os próximos vinte e dois meses, parte do meu tempo - pesquisa, leitura e escrita - será dedicado à Vila de Vinhais. É sempre um prazer olhar, com detalhe, para o retrovisor colectivo que é a nossa história. Lugares, pessoas e momentos que se destacaram e contribuíram decididamente para a construção da História da comunidade. Vamos lá.

a nossa língua







José Pacheco Pereira, in Jornal Público (29/06/2019)

Sem meios técnicos para reproduzir da melhor forma o texto, ainda assim, aquilo que aqui, uma vez mais, é afirmado é por demais importante para todos nós, portugueses, e para todos os utilizadores da nossa língua, a portuguesa. Tal como o meu irmão mais novo diz: - o Pacheco Pereira é o maior!