28 fevereiro 2019

mediascape: canalha

O ex-administrador da Jerónimo Martins (Pingo Doce e afins), Alexandre Soares dos Santos, numa entrevista ao Jornal Observador, disse acreditar que "os pobres fizeram-se para a gente os transformar em classe média". Reflexo dos tempos que experimentamos, a descontração com que "a gente" afirma publicamente aquilo que sempre sentiu e acreditou. Este racismo de classe por parte do capital esteve sempre latente nas posições, nas opiniões e nas acções dessa pequena casta de privilegiados. Depois não querem ser (e admiram-se) pelo odioso que os outros, que não pertencem à estirpe "a gente", nutrem por eles. Este canalha, a quem Portugal e os portugueses nada devem, muito pelo contrário, só me merece desprezo e nenhuma consideração ou respeito.

26 fevereiro 2019

evolução humana


É uma das leituras que faço neste momento. Ian Morris propõe-nos uma viagem diacrónica pela filogénese da espécie humana, encontrando uma relação directa entre as fontes de energia disponíveis em cada período e os valores que essas comunidades privilegiavam. Assim, o autor encontra na evolução da nossa espécie três grandes momentos: 1º) os recolectores, 2º) os camponeses, 3º) combustíveis fósseis e estabelece para cada um destes momentos e sua revolução, a apropriação de valores humanos que também sofreram uma evolução. Tentando responder a questões fundamentais, tais como: porque mudam os sistemas de captação de energia?, ou, se essas mudanças foram/são inevitáveis?, ou ainda, o que implicam essas respostas para o futuro dos valores humanos?, Ian Morris apresenta o seguinte esquema desses sistemas de valores:

(fotografia tirada por mim do próprio livro)

Interessante perspectiva e com a qual poderemos concordar, na medida em que reconhecemos, por tudo o que aprendemos nas escolas, a História das nossas civilizações, Estados e comunidades. Contudo, a leitura deste livro tem sido acompanhada de um certo desconforto com a ligeireza com que cristaliza determinadas afirmações, como por exemplo:

Os próximos cem anos assistirão a mais mudanças na natureza humana, e nos valores humanos, do que os anteriores cem mil. Se isto lhe parece um exagero, lembre-se de que os últimos cem anos assistiram possivelmente a mais alterações nos nossos corpos do que os anteriores cem mil.(página 228)

Face àquilo que é o raciocínio da teoria explicita neste livro, estranho também - e registo isto como uma hipótese provável - como é que o autor não definiu um quarto momento nesta longa viagem da espécie humana? Estaremos ainda no momento "combustíveis fósseis", ou poderemos estar já num outro estágio do nosso desenvolvimento, proporcionado pela revolução informática e digital que temos experimentado nestas duas últimas décadas?
Para reflexão...

mediascape: anacrónico

A notícia de que o governo brasileiro "pediu" para que as crianças cantem o hino nacional nas salas de aulas e que esse momento deverá ser filmado, é tão, mas tão, ridícula e, ao mesmo tempo, tão significativa do retrocesso civilizacional que a sociedade brasileira está a viver, que a minha única reacção foi esboçar uma sorriso ao olhar para a cara do Bolsonaro, na fotografia que acompanha a notícia. Figura triste, infeliz e anacrónica, que já ganhou o seu lugar na história. Já não lamento.

20 fevereiro 2019

por companhia nestas horas...

uma boa notícia


Bernie Sanders, senador independente de Vermont, anunciou, ontem, que será candidato nas presidenciais de 2020, contra o actual presidente. Sobre este afirmou que é "um embaraço para o país" e que Trump é "um mentiroso patológico. Também é racista, existe, homofónico, xenófobo, alguém que está a ganhar pontos políticos ao atacar as minorias, muitas vezes imigrantes ilegais".
Está dito e bem dito. O anúncio da sua candidatura, apesar da sua idade (77 anos) é, e será sempre, uma boa notícia para a democracia americana e para as democracias de todo o mundo. Já nas eleições anteriores, nas quais perdeu a corrida no partido democrata para Hillary Clinton, eu escrevi aqui que teria sido melhor escolha para enfrentar e derrotar Donald Trump. Claro que agora outros candidatos a candidatos aparecerão e não faltarão escolhas absurdas, mas este senhor merece-me todo o respeito e credibilidade.

voyeurismo involuntário

Sala de espera de um consultório médico, nomeadamente, de uma dentista. Foram as dores insuportáveis que aí me levaram. Apesar da hora marcada para a minha vez, espero sozinho nessa sala durante largos minutos. No entretanto, chegam duas senhoras (aparentando cerca de 50 anos) que, ignorando a minha presença, mantêm a conversa que já traziam da rua. Mesmo sem querer, pelo tom, pelo volume e pela descontração do diálogo, sou obrigado a ouvir a conversa e nem mesmo as dores que trago e que me fazem deambular pelo espaço e me impedem de concentrar no que for, me conseguem abstrair da amena e peculiar conversa.
Falam entusiasmadas e com expressividade dos seus períodos menstruais. É tal o detalhe técnico e fisiológico: desde tipologias de fluídos e suas características, aos absorventes e suas qualidades, às alergias internas e externas, aos efeitos secundários desses dias complicados - os humores, as dores e os amores - à fisionomia dos peitos e até aos apetites sexuais de cada uma dessas senhoras. Lindo. E nem o meu olhar furtivo sobre elas as demove.
Estou cada mais certo de que estarei sempre a aprender. Ainda bem.

mediascape: retrógados?

"Escolas francesas querem acabar com termos 'Mãe' e 'Pai'
A ideia é tratar as famílias tradicionais e os casais do mesmo sexo de forma igual."


Não sei se é verdade, ou uma fake new. Para bem de todos nós, espero que seja mais uma mentira deste novo e estranho mundo. A ser verdade, é a loucura total de um mundo perdido na hiper-sensibilidade comportamental e, acima de tudo, linguística. A República francesa, com o propósito de melhorar o sistema educacional nacional e prevenir a discriminação, pretende adoptar novas designações para substituir as palavras "Pai" e "Mãe", sendo as palavras escolhidas "progenitor 1" e "progenitor 2"... esta nova nomenclatura servirá, segundo a ilustre deputada Valérie Petit (LaREM), para que "ninguém se sentir excluído pelos pensamentos retrógrados da sociedade". Por amor da santa, então ser Pai ou Mãe, ou melhor, ser denominado por "Pai" ou Mãe" é sintoma de anacronismo social?!
Òh senhoras e senhores, atinem!
Vamos alegremente coleccionando degenerescências que, sei, um dia serão estudadas e, sem hesitação, consideradas absurdas e ridículas.

matemática, sempre a matemática

14 fevereiro 2019

gosto


Alexandria Ocasio-Cortez, jovem, bonita e com carisma, esta nova-iorquina de trinta anos é a mais recente estrela do partido democrata no congresso norte-americano. Não sei qual o seu futuro político, mas a julgar pelas intervenções que tem realizado, é, sem dúvida, uma lufada de ar fresco na, habitualmente, cinzenta e amorfa vida política dos EUA. A sua inteligência, perspicácia e coragem tem surpreendido e, com certeza, incomodado muita gente, mesmo no establishment democrata. Gosto, gosto muito.

13 fevereiro 2019

serviço nacional de saúde sitiado

Face àquilo que tem acontecido nas últimas semanas, só podemos concluir que está em marcha um ataque concertado ao Serviço Nacional de Saúde (SNS). Primeiro foi a greve, para uns cirúrgica, para outros selvagem, dos enfermeiros, que só terminou com a, mais que discutível, requisição civil por parte do governo e que, por mais estranho que pareça, mereceu uma estrondosa indiferença dos partidos à esquerda do PS. Não sei, mas com esta atitude, assistimos ao princípio do fim da lei da greve, tal qual a conhecemos. Vão, a breve trecho, alterá-la. Eu quase aposto...
Segundo, o tremendo ruído em torno da ADSE e das ameaças dos prestadores privados de saúde em romperem os acordos com esse subsistema de saúde. Vamos lá ver, a ADSE, suportada por um parecer da Procuradoria Geral da República que lhe deu razão, exigiu aos prestadores privados de saúde o pagamento de cerca de 38 milhões de euros que estes cobraram a mais indevidamente. Aliás, é de conhecimento generalizado que esses privados usam e abusam, há décadas, do Estado através deste seu subsistema. Agora, como reacção a essa exigência e para não pagarem o que devem, alguns privados ameaçam acabar com os protocolos estabelecidos com a ADSE.
Perante tal cenário, não deixa de ser curiosa e impressionante a rapidez com que alguns querem responsabilizar o governo pela destruição da ADSE e, pior, acreditam que o SNS deveria ser privatizado e entregue à especulação dos "mercados". A maioria das pessoas não sabe, outros nem querem saber e, outros ainda, fingem não saber, que a ADSE é exclusivamente paga pelos seus utentes e não é suportada pelo orçamento de Estado, ou seja, por todos os portugueses. Portanto, e ao contrário daquilo que os seus detractores afirmam, a ADSE não é um privilégio de alguns. Se qualquer cidadão português pode adquirir sistema complementar de saúde, ou subscrever um seguro de saúde, porque é que os funcionários públicos não hão-de poder ter, pagando do seu bolso, o seu sistema complementar de saúde?
Aquilo que estes prestadores privados agora estão a fazer não tem outra qualificação que não seja chantagem negocial, ameaçando privar os utentes da ADSE e com isso empurrá-los para o SNS, sabendo que este não tem capacidade para absorver e dar resposta a tal solicitação. Com esta atitude esses privados demonstram, igualmente, que o lucro, o seu lucro, é o fim que justificará sempre qualquer procedimento ou acção e que "vender" saúde não é diferente de "vender" qualquer outro bem ou serviço.
É, pois, em momentos como este que rejubilo, apesar de todas as suas carências e defeitos, pela existência de um Serviço Nacional de Saúde em Portugal, de acesso universal e, preferencialmente, gratuito. O que aconteceria se não existisse um SNS, ou se este fosse privatizado e ficasse nas mãos destes especuladores privados?... Bem podemos imaginar.
Não quero saber de ideologias ou de partidos, aqui como noutras dimensões sociais, quero é uma sociedade mais justa e civilizada, na qual a saúde não pode ser um negócio e na qual os utentes, pacientes ou doentes não sejam convertidos em clientes.

solilóquio

As salas de espera dos dentistas (esses sacerdotes da sádica arte de tortura humana) são verdadeiros cadafalsos e onde as dores que nos mortificam, fazem-nos desejar que a morte chegue breve.

insegurança existência

Apareceu na minha timeline do Twitter, o seguinte texto de alguém que não conheço, nem sigo nessa rede:

Vocês também olham para outras pessoas da vossa idade e acham que parecem todos bué mais adultos e maturos que vocês?

Num impulso, respondi-lhe à dúvida existência...

Isso acontece-me desde puto. Os outros é que sabem, é que são bons e superiores. Insegurança talvez?! Não sei, mas desconfio que assim será até ao fim.

Mas fiquei a reflectir sobre o assunto e a verdade é que recordo ser miúdo e admirar a capacidade de afirmação, de personalidade, que alguns e algumas, entre pares, evidenciavam. De igual forma, em relação aos adultos, condição que entendia como longínqua e quase incansável para mim. Depois, já mais crescido, enquanto estudante e até enquanto jovem adulto, trabalhador e emancipado (ou quase), senti sempre alguma insegurança naquilo que eram as minhas convicções, as minhas opiniões e até as minhas capacidades. O sentimento permanente de alguma inferioridade acompanhou-me até hoje. Claro que, no entretanto, fui aprendendo a lidar e a gerir esses sentimentos. A própria vida se encarrega de nos contrariar e de nos presentear com momentos que vão reforçando a auto-estima e a confiança.
Contudo, ainda hoje, em plena segunda idade, reconheço em mim, e em determinados momentos, essa pueril insegurança. Por outro lado, e chegados aqui, também considero que esse facto é indissociável de uma dada humildade que, em mim e para mim, será sempre uma qualidade existêncial.

a sério?

A aproximação da falência traz aos grupos financeiros uma consciência intensa da nação a que pertencem.
(André Malraux, 1933)

01 fevereiro 2019

cultura

É muito difícil, senão impossível, explicar a um néscio a importância da cultura, pois ele não tem cultura para perceber a falta dela.
(Afonso Cruz, in Jornal de Letras nº 1261)