25 fevereiro 2022

enquanto esperava

Hoje, à hora de almoço, enquanto esperava pelo meu filho à porta da escola, ouvia a conversa de um pequeno grupo de miúdos, que não teriam mais de 12 ou 13 anos, sobre a guerra na Ucrânia. Ainda que num tom jocoso e brincalhão, demonstrativo da distância que os separa do palco da guerra e da mais que aparente sensação de segurança, o diálogo era animado e participado, percebendo-se a preocupação e a assertividade de alguns dos comentários e afirmações. Fiquei ali preso a ouvi-los, agradado por perceber a preocupação e consciência da gravidade da situação, até que eles substituíram o debate por uma qualquer brincadeira mais ou menos parva.

21 fevereiro 2022

coitados dos turistas

(na capa do Jornal de Notícias de 20/02/2022)

Foi notícia no Jornal de Notícias deste Domingo (20/02/2022), com chamada na capa da edição - Drama dos sem-abrigo choca turistas (pp. 18 e 19). De facto, a situação é muito preocupante, é dramática e é triste, mas não é uma situação nova, pois quem deambule pela baixa da cidade do Porto, já há muito tempo que convive com esses inquilinos do espaço público que, durante todo o ano, ocupam recantos dos edifícios públicos e privados e se fazem notar não só pela sua presença, como pela parafernália que arrastam consigo ou deixam como reserva do espaço que habitam. A crer na notícia agora publicada serão cerca de 500 pessoas nesta condição. 500 pessoas!
A notícia, para além do mais que necessário alarme para a dramática situação, está, no meu entendimento, toda ela escrita sob um prisma errado, enfatizando a perspectiva de todos os implicados - comerciantes, turistas, ONG's e autarquia - menos a daqueles que sofrem nas suas vidas essa condição de sem-abrigo, ainda que sejam referidos dois ou três destes casos.
Claro que o impacto desta situação prejudica não só a imagem da cidade, como algumas das actividades económicas que aí se desenvolvem, mas não é apresentada qualquer solução para este problema, que é muito mais do que uma situação de saúde pública, é uma questão de civilidade e dignidade da própria comunidade. Sinceramente, afirmá-lo como um problema para o turismo e para os turistas que nos visitam?! Que raio. Por outro lado, este texto também não consegue ultrapassar a visão de uma sociedade caritativa, que depende da boa vontade e voluntarismo de um conjunto de cidadãos e de algumas organizações não-governamentais, como sendo essa a solução para o problema. Não é. A responsabilidade para resolver, ou pelo menos, minorar este cenário é do Estado e das suas instituições, nomeadamente da Segurança Social e, depois, das autarquias que têm, pelo conhecimento do terreno e proximidade com estas populações, a obrigação de criar as condições mínimas e capazes de retirar esta gente da rua e da indigência.
Bem sei que não é fácil e é complexo, que cada um deste indivíduos tem as suas idiossincrasias (doenças, traumas, violências e dependências) naquilo que é a sua história de vida e, portanto, o esforço terá que ser assíduo, persistente e duradouro. Não é admissível que a autarquia do Porto, na pessoa da Vereadora da Acção Social, Cristina Pimentel, ao ser questionada pelo J.N., responda: ao contrário da percepção que existe em quem circula pelas ruas, a população sem-abrigo não aumentou. Senhora vereadora, essa afirmação soa a satisfação por o número não ter aumentado, como se cerca de 500 pessoas a dormir nas ruas da cidade não fosse já uma enormidade, uma tragédia. Mais, está equivocada, porque para quem gere ou administra a coisa pública e a polis, a percepção, ou melhor, as percepções daqueles que vivem e fazem ser a cidade são importantes e a razão da existência do seu lugar na administração pública local.
Mas é também, uma peça jornalística que reforça uma visão da cidade que se impôs nas últimas décadas, na qual o espaço e os lugares só existem, só fazem sentido, se estiverem ao serviço da especulação imobiliária (gentrificação), ao dispor dos fluxos e preferências/modas sazonais e consumos do turismo (turistificação) e a vida dos habitantes é preterida para a insignificância ou expulsa para a periferia (reificação). Era este o Porto de Rui Rio e é este o Porto de Rui Moreira. É tempo de alterar o paradigma, de dignificar a vida destes (e de todos os) cidadãos e de redireccionar a cidade para servir quem nela vive, trabalha, ou tenta sobreviver.
Enfim, não me interessa, não quero saber do incómodo dos turistas que nos visitam, quero é solução para cada uma destas quinhentas vidas que, voluntária ou involuntariamente, permanecem num estado de indignidade humana.

a quem interessar...


Eu gostava muito de lá estar. Não vai ser fácil, mas ainda vou tentar ir.

17 fevereiro 2022

práticas culturais


Tive conhecimento deste estudo através da comunicação social e logo tratei de o procurar. Encontrei-o no sítio da Fundação Gulbenkian e disponível para download gratuito (aqui). Muito interessante e pertinente, principalmente no contexto actual de pandemia ou pós-pandemia. Vou ler com atenção, pois parece-me que faz um retrato pormenorizado daquilo que temos sido e daquilo que temos feito com o nosso tempo disponível. Para uma leitura sucinta ou apressada bastará ler a "síntese dos resultados" (páginas 6 a 10).

Na apresentação do estudo, pode-se ler:

Este inquérito oferece um retrato inédito da diversidade das práticas culturais em Portugal.
Encomendado pela Fundação Gulbenkian ao Instituto de Ciências Sociais (ICS), o estudo fornece às instituições culturais uma grelha de leitura sobre os seus públicos, atuais e futuros, e quer contribuir para a produção de políticas públicas inovadoras. O estudo foi coordenado por José Machado Pais, Miguel Lobo Antunes e Pedro Magalhães.
O inquérito reúne informação socialmente relevante e estatisticamente representativa da população residente em Portugal, regiões autónomas incluídas, com 15 ou mais anos de idade. A amostra tem uma dimensão de 2000 inquiridos e o trabalho de campo foi realizado entre os dias 12 de setembro e 28 de dezembro de 2020. A informação foi recolhida através de entrevista direta e pessoal na residência dos inquiridos, em sistema CAPI (Computer Assisted Personal Interview).
Os domínios pesquisados abrangem consumos culturais através da Internet, da televisão e da rádio; práticas de leitura em formato impresso e digital; frequência de bibliotecas, museus, monumentos históricos, sítios arqueológicos e galerias de arte; idas ao cinema, concertos e espetáculos ao vivo, incluindo festivais e festas locais; participação artística e capitais culturais.
Disponibilizam-se também indicadores de participação cultural mais interventiva ou comprometida, como o exercício de práticas artísticas amadoras, a partilha de conteúdos culturais de autoria própria, a interação online em temas relacionados com a cultura, a participação em blogues, o voluntariado e a participação em associações culturais.
Propõe-se ainda uma importante bateria de indicadores sobre as motivações e os obstáculos que mobilizam ou não os portugueses para o exercício de práticas culturais nucleares, indicadores que permitirão ajustar estratégias de captação e fidelização dos públicos da cultura.

10 fevereiro 2022

é cego

Oito e trinta da manhã, avenida da república em Vila Nova de Gaia, entro num estabelecimento comercial para registar o Euromilhões. Ao sair, dou passagem a uma funcionária que carregava um balde e respectiva esfregona. Sem se aperceber que eu vou atrás dela, larga a porta de vidro. Quando se apercebe:
- Ai desculpe, não reparei que estava atrás de mim.
- Não faz mal. Obrigado. Digo-lhe eu.
- Sabe, é que o de trás não vê!
Ok, pensei eu, enquanto fazia um esforço por afastar do pensamento o referido cego da senhora.

diz-se por aí


É este o resultado de andarmos a brincar às privatizações de sectores estruturais e estratégicos do nosso país. A gestão privada é que é boa, muito melhor do que a pública, diz-se por aí e sem pudor. Como pode a água, que é um bem essencial e um direito fundamental que cada cidadão tem, ser privatizada e a sua gestão ser objecto de especulação, cujo único propósito é a obtenção de lucro?! Como pode haver gente - e aqui falo de presidentes de Câmaras Municipais e demais organismos municipais, partidos políticos e agentes sociais - que decida que a água deve ser explorada por uma empresa privada, cuja finalidade é a obtenção de lucro? Esse executivo camarário que assinou, em 2004, o contrato de concessão deveria ser criminalmente responsabilizado. Foi um crime! É um crime! Não podemos aceitar esta lógica liberalizadora na nossa sociedade, pois se assim for, quando dermos conta estaremos a pagar o ar que respiramos.

08 fevereiro 2022

sem ilusão, apenas desilusão

Passam os dias e eu cada vez sinto mais a falta dos óculos, para ouvir e perceber o mundo que me rodeia. E não é ilusão, é desilusão de óptica.

06 fevereiro 2022

não fazia ideia

A versão fotogénica de Susan Sontag estaria sempre em desacordo com a Miss Bibliotecária. Nunca, talvez, uma grande beldade se esforçou tão pouco para ser bonita. Ao deparar-se com a mulher glamorosa nas fotografias, expressou frequentemente, o seu espanto. No final da vida, vendo um retrato de si mais jovem, suspirou: "Eu era tão bonita!" disse. "E não fazia ideia".
(Benjamim Moser, in revista LER nº 161 - Inverno 2021)

(imagem retirada de https://vogue.globo.com)

04 fevereiro 2022

maioria absoluta

Não foi preciso esperar muitos dias depois das eleições e delas ter resultado uma maioria absoluta, para o PS começar a governar o Estado a seu bel-prazer, sem se preocupar com o que seja, sem olhar para o lado e sem, reparem bem no preciosismo, se preocupar com aquilo que estava anteriormente negociado com o PC e o BE.


De acordo com o jornal Expresso as linhas gerais mantêm-se, mas com alguns retoques como a criação de dois novos escalões no IRS, com um pequeno desagravamento do imposto ou aumento mínimo de 10 euros nas pensões. Mas o que chama à atenção são sobretudo as ausências, exemplo disso é o englobamento das mais-valias mobiliárias no IRS. Aplicava-se aos portugueses que fazem parte do último escalão de IRS, ou seja, com um rendimento coletável acima dos 75 mil euros e que nos últimos 12 meses tenham obtido rendimentos com bens móveis, tais como ações ou obrigações. O partido socialista justifica-se e diz que a aplicação da proposta depois da aprovação do novo orçamento ia criar problemas legais, dado que seria obrigatório cobrar o imposto com retroativos a janeiro. A medida foi exigida pelos parceiros da antiga geringonça, especialmente o PCP, mas nunca reuniu consenso entre os socialistas.
(in https://expresso.pt/expresso)


Aqui está um caso paradigmático daquilo que será a governação do todo-poderoso António Costa, perante a total incapacidade dos demais partidos beliscarem a sua vontade. Sim senhor. Maiorias absolutas é para isto que servem e foram, são e serão sempre, mais prejudiciais às democracias do que aquilo o próprio Primeiro Ministro diz querer normalizar. Não me restam dúvidas de que este governo vai-se deslocar para a direita e, sem os partidos da sua esquerda a pressionar, obedecerá à agenda dos interesses corporativos e patronais, em detrimento da agenda de maior justiça social e laboral. Cá estaremos para ir registando e denunciando as clivagens à direita e ao neo-liberalismo que se vão operar nos próximos tempos.