Hoje, no P2 do jornal Público, David Marçal explica porque é errado falar em raças humanas...
O conceito de raça foi desacreditado ao longo do século XX, primeiro pela antropologia e logo depois pela biologia. No século XXI, a genética entrou em campo a sério e não só triturou qualquer vestígio do conceito de raça, como trouxe uma perspectiva muito mais rica acerca da história das populações humanas. (…) Uma palavra para a cor da pele: é um caso invulgar, pois as diferenças médias entre populações noutras características são tipicamente muito mais pequenas. (…) Todas as actuais populações são o resultado de misturas de populações altamente divergentes (muito diferentes entre si) e que já não existem na forma não misturada. (…) A história das populações é de grandes misturas e migrações de longa distância — a maioria das populações actuais não descende exclusivamente das pessoas que viviam nos mesmos locais há 10.000 anos. Somos todos o resultado de misturas, em grande parte ocorridas nos últimos 5000 anos. O conceito de raça tem subjacente a ideia de uma homogeneidade de longo prazo, populações relativamente uniformes que viveram no mesmo local durante muito tempo. E isso sabemos que não é verdade. Num passado relativamente recente, as populações humanas eram tão diferentes entre si como são hoje, mas as linhas de separação entre elas seriam para nós irreconhecíveis. As actuais populações são misturas de populações do passado, que eram misturas elas mesmas. Os agrupamentos que hoje podemos reconhecer são um retrato instantâneo de misturas em curso. E isso arrasa os mitos nacionalistas apoiados em preconceitos raciais. (…) Mas estudar diferenças genéticas entre agrupamentos populacionais é um assunto delicado. Uma das vozes críticas é a antropóloga Duana Fullwiley, da Universidade de Stanford (EUA), para quem estes estudos de genética médica reabilitam a ideia da raça, sob a capa de uma suposta neutralidade do ADN. Mas o investigador em genética David Reich, no seu livro Who We Are and How We Got Here (Quem Somos e como Chegámos Aqui), argumenta: “Como sociedade, deveríamos comprometer-nos com a igualdade de direitos para todos, apesar das diferenças que possam existir entre indivíduos. Se aspiramos a tratar todos os indivíduos com respeito, independentemente das diferenças extraordinárias que existem entre indivíduos dentro de uma população, não deve ser muito mais difícil acomodar as diferenças médias mais pequenas, mas ainda significativas, entre populações.” Não se pode assim abrir espaço para que os avanços da genética sejam distorcidos de modo a reabilitar ideias racistas (há quem procure fazê-lo, é certo) e para isso é necessário discuti-los. Até porque possivelmente os argumentos que demonstram a não existência de raças humanas não têm sido suficientemente difundidos. Afinal, várias décadas depois, a ideia de uma classificação racial ainda parece fazer sentido para muitas pessoas.
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