Se há assunto que me tem remexido as entranhas é este putativo acordo ortográfico que a comunidade de países que se expressam através da língua portuguesa se preparam para ratificar. Nos últimos dias, a comunicação social e a blogosfera têm relançado este problema (de identidade) o que demonstra, para além das diferentes sensibilidades, diversas indisposições acerca do mesmo. Por aqui, eu, já dei alguns sinais dessa indisposição, mas consciente das minhas limitações para abordar o assunto, dado o meu desconhecimento técnico, não terei sido muito afirmativo.
Contudo, a entrevista dada por Vasco Graça Moura no Programa "Diga Lá Excelência" do último fim-de-semana, deu-me alento para retornar a esta discussão, uma vez que, de uma forma simples mas fundamentada, diz aquilo que eu considero serem as verdadeiras razões para esta pantomina, ou seja, os interesses da actividade livreira e editorial brasileira, que acabam por ser os grandes beneficiados com a introdução deste acordo e a sua não existência é um travão à penetração do livro brasileiro. Mas isso é ou não do interesse geoestratégico português? Vasco Graça Moura põe a hipótese de requerer a inconstitucionalidade desta proposta de acordo, na medida em que a a grafia transporta consigo uma carga de informação histórica, cultural e etimológica.
Mesmo leigo e desconhecedor do texto deste acordo, importa fazer algumas considerações, para as quais me socorri do artigo na wikipédia, indicado no blog Causa Nossa por Vital Moreira, diga-se, apoiante do acordo em apreço.
Apesar de ser publicitado como um acordo de toda a CPLP, toda as questões conhecidas, se resumem aos caracteres diferentes entre Portugal e Brasil. Para além disto, a verdade é que até à data só o Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe ratificaram o acordo.
Depois, o Vocabulário Ortográfico Comum, objecto e objectivo último deste acordo, pretendia-se o tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que se refere às terminologias científicas e técnicas. Só que ainda pouco está feito neste sentido e, por isso, sem vocabulário comum é impossível haver uma língua em comum.
São vários os argumentos a favor deste acordo:
- As ortografias oficiais diferentes levam a grandes custos de produção e edição de livros e dicionários e, consequentemente, a uma maior demora de edição, o que contribui para a fraca difusão da lingua portuguesa, apesar de ser uma das mais faladas do mundo;
- O esforço de cooperação de Portugal e Brasil com os restantes PALOP em acções de difusão e fortelecimento da língua;
- Condição essencial para a definição de uma política linguística de bases comuns na CPLP;
Como críticas ao mesmo acordo são enumerados os seguintes argumentos:
- Alguns linguístas defendem a ortografia etimológica em detrimento da ortografia puramente fonética das palavras. Como as reformas ortográficas tendem a suprimir consoantes mudas e a padronizar a correspondência entre grafemas e fonemas, esses linguístas opõem-se a ela;
- Portugal tem hesitado na introdução do Acordo, nomeadamente, alguns editores têm alertado para os elevados custos para a adaptação de dicionários e outros livros às novas regras. O Acordo mexe muito na maneira de escrever, mas também nos interesses nacionais da cultura, literatura e educação.
- É, de facto, uma facilidade para as editoras brasileiras conquistarem novos mercados, nomeadamente em países africanos;
- Alguns linguistas portugueses têm afirmado que a adopção deste acordo seria uma "abrasileiração" da escrita e que a variante lusitana da língua saíria afectada;
Independentemente dos argumentos esgrimados, não percebo a necessidade, a oportunidade, a validade e o interesse desta intenção dos nossos governos. O que é que Portugal e, principalmente, a língua portuguesa beneficiará com este acordo!?... Digo mais, não entendo como mais valia para a língua portuguesa o facto de os brasileiros se exprimirem naquilo que dizem ser português... se é que é português!? Chamem-lhe o que quiserem. Assim, o movimento deveria ser o inverso e o Brasil deveria impor e instituir uma língua independente, o brasileiro. Aliás, o argumento da normalização não colhe, pois a compreensão da oralidade e da escrita nunca esteve em dúvida. Particularmente, por motivações académicas, já contactei com inúmeros textos e documentos traduzidos em português do Brasil e nunca isso foi impeditivo da compreensão desses mesmos textos. Querer impor normas e formas de expressão a realidades tão distintas é um erro e a gramática do português não o merece. Sem fundamentalismos ou puritarismos exarcebados, gostaria de sentir mais inconformismo e mais discussão pública sobre esta importante questão. Declaro-me contra esta intenção e, por isso, militantemente assinei a petição online e convido a todos a repetir o gesto. Basta seguir a etiqueta desta mensagem.
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