Porque vem referido neste documento e porque foi algo que aconteceu há poucos dias, gostaria vos trazer uma pequena reflexão acerca da Bienal da Máscara, dos caretos e das diferentes iniciativas organizadas pela autarquia sobre esta temática, isto é, sobre a Máscara. Isto porque, sendo uma iniciativa da Câmara Municipal será uma opção política e por isso mesmo considero importante partilhar convosco o seguinte:
Começo com uma afirmação pela qual assumo total responsabilidade: NUNCA COMO HOJE, EM BRAGANÇA E SUA REGIÃO, A MÁSCARA TEVE TANTA IMPORTÂNCIA, TANTO PROTAGONISMO, TANTA CENTRALIDADE.
Bem sei e, concerteza, saberão os demais aqui presentes que nos últimos tempos e por esse mundo fora, assim como em Portugal, temos assistido a uma forte tematização como forma de estruturar e gerir os territórios (patrimónios mundiais ou reservas naturais são alguns exemplos que todos conhecem). Um bom exemplo, concreto e bem próximo, será o do município de Sabrosa, que não satisfeito com a sua inclusão num território protegido pela UNESCO, não satisfeito pela produção de vinhos de qualidade, adoptou uma personagem - Fernão de Magalhães, cuja origem, envolta em polémica, alguns afirmam ser em Sabrosa, como ponto de partida para uma circum-navegação de imaginários globalizantes, ou seja, a associação global de um personagem ao seu ponto de origem, que por acaso é em Sabrosa, que por acaso é em Portugal. A isto se dá o nome de tematização.
Aquilo que o município de Bragança faz com a Máscara poderia muito bem ser também uma tematização, mas pelo que me é dado a perceber pelas narrativas, pelos discursos e pelas actividades não é isso que se trata. E também importa salientar que aquilo que está em questão, no meu entender, não é a realização da Bienal da Máscara ou o Museu da Máscara (que considero um excelente equipamento) nem os inputs de outras geografias. Aquilo que me preocupa são as narrativas, os discursos repletos de lugares comuns produzidos pelos mesmos de sempre e que, ano após ano, vão-se repetindo na elegia ao objecto como o sacrossanto da região, numa folclorização exacerbada que até poderá levar as pessoas para as ruas e que reunirá os grupos de máscaras ou de caretos, consoante a sua origem (e vejam como a própria designação do grupo já nos remete para algo folclórico…), e que mais não fazem do que uma actuação para os outros verem e que alguém paga. Aliás, mesmo na nossa região assistimos ao aparecimento e à organização de muitos desses grupos no lugar dos velhos rituais que em muitos lugares e aldeias há muito tinham desaparecido.
Não me parece que a folclorização revivalista seja a melhor forma de dignificar a Máscara, nem me parece que a médio ou longo prazo possa ser uma mais-valia para a região e para o município de Bragança. Importante era estudar, recolher e perceber junto daqueles que têm essa memória.
Agora para finalizar, regresso à minha afirmação inicial, para vos dizer que ela tanto mais me parece verdade, que a Máscara nos seus ambientes originais, rurais, nunca teve tantas honras e tanta serventia. A sua utilização era sempre ritual, com data e hora marcada, num tempo de excepção, num tempo dentro do tempo, devidamente enquadrado pelo ciclo anual agrícola e pelo ciclo anual litúrgico. Tempo oportuno para alguma redistribuição (géneros alimentares, adereços, etc) dentro das comunidades, como a antropóloga Paula Godinho defende, e tempo de uma maior tolerância social que poderia funcionar como descompressor das tensões existentes nas comunidades. Tudo isto, durante meia dúzia de dias em cada ano. É por isto e mais, que me desagrada ver toda esta parafernália discursiva e de legitimação forçada de algo que querem que seja aquilo que nunca foi. Mas há muito para fazer e esta é só uma opinião.
(intervenção na Assembleia Municipal de Bragança, em 18/12/2009, a propósito da IV Bienal da Máscara)
Começo com uma afirmação pela qual assumo total responsabilidade: NUNCA COMO HOJE, EM BRAGANÇA E SUA REGIÃO, A MÁSCARA TEVE TANTA IMPORTÂNCIA, TANTO PROTAGONISMO, TANTA CENTRALIDADE.
Bem sei e, concerteza, saberão os demais aqui presentes que nos últimos tempos e por esse mundo fora, assim como em Portugal, temos assistido a uma forte tematização como forma de estruturar e gerir os territórios (patrimónios mundiais ou reservas naturais são alguns exemplos que todos conhecem). Um bom exemplo, concreto e bem próximo, será o do município de Sabrosa, que não satisfeito com a sua inclusão num território protegido pela UNESCO, não satisfeito pela produção de vinhos de qualidade, adoptou uma personagem - Fernão de Magalhães, cuja origem, envolta em polémica, alguns afirmam ser em Sabrosa, como ponto de partida para uma circum-navegação de imaginários globalizantes, ou seja, a associação global de um personagem ao seu ponto de origem, que por acaso é em Sabrosa, que por acaso é em Portugal. A isto se dá o nome de tematização.
Aquilo que o município de Bragança faz com a Máscara poderia muito bem ser também uma tematização, mas pelo que me é dado a perceber pelas narrativas, pelos discursos e pelas actividades não é isso que se trata. E também importa salientar que aquilo que está em questão, no meu entender, não é a realização da Bienal da Máscara ou o Museu da Máscara (que considero um excelente equipamento) nem os inputs de outras geografias. Aquilo que me preocupa são as narrativas, os discursos repletos de lugares comuns produzidos pelos mesmos de sempre e que, ano após ano, vão-se repetindo na elegia ao objecto como o sacrossanto da região, numa folclorização exacerbada que até poderá levar as pessoas para as ruas e que reunirá os grupos de máscaras ou de caretos, consoante a sua origem (e vejam como a própria designação do grupo já nos remete para algo folclórico…), e que mais não fazem do que uma actuação para os outros verem e que alguém paga. Aliás, mesmo na nossa região assistimos ao aparecimento e à organização de muitos desses grupos no lugar dos velhos rituais que em muitos lugares e aldeias há muito tinham desaparecido.
Não me parece que a folclorização revivalista seja a melhor forma de dignificar a Máscara, nem me parece que a médio ou longo prazo possa ser uma mais-valia para a região e para o município de Bragança. Importante era estudar, recolher e perceber junto daqueles que têm essa memória.
Agora para finalizar, regresso à minha afirmação inicial, para vos dizer que ela tanto mais me parece verdade, que a Máscara nos seus ambientes originais, rurais, nunca teve tantas honras e tanta serventia. A sua utilização era sempre ritual, com data e hora marcada, num tempo de excepção, num tempo dentro do tempo, devidamente enquadrado pelo ciclo anual agrícola e pelo ciclo anual litúrgico. Tempo oportuno para alguma redistribuição (géneros alimentares, adereços, etc) dentro das comunidades, como a antropóloga Paula Godinho defende, e tempo de uma maior tolerância social que poderia funcionar como descompressor das tensões existentes nas comunidades. Tudo isto, durante meia dúzia de dias em cada ano. É por isto e mais, que me desagrada ver toda esta parafernália discursiva e de legitimação forçada de algo que querem que seja aquilo que nunca foi. Mas há muito para fazer e esta é só uma opinião.
(intervenção na Assembleia Municipal de Bragança, em 18/12/2009, a propósito da IV Bienal da Máscara)
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