A propósito das dificuldades que a minha filha apresenta a matemática, dei comigo a questionar os meus botões cerebrais: porque é que há tantos alunos do ensino básico (2º e 3º ciclo) e do ensino secundário a recorrerem a apoios suplementares à disciplina de Matemática? Esta foi a questão inicial que me levou a uma reflexão e, depois, à procura de respostas. Se partilharmos com alguém esta questão, a resposta mais imediata é que na Matemática precisa-se ter bem consolidadas as bases e se estas falham então nunca mais se consegue acompanhar a construção do edifício. Pois bem, posso até concordar com essa premissa, mas parece-me bastante simplista ou redutora. Face à dimensão do problema, parece-me que existirão outras causas ou razões.
Num primeiro momento, o raciocínio foi o seguinte: Muitos professores de Matemática dão apoio ou explicações a outros alunos fora da sua escola; muitos alunos procuram apoio de outros professores que não os seus na escola; logo, existe um mercado de serviços prestados em rede, ou talvez melhor, uma troca de serviços entre professores... - ora dá cá os teus alunos, toma lá os meus...
Se acreditássemos em teorias da conspiração poderíamos logo denunciar: - pois claro, a classe profissional funciona em lobby e protege-se, estabelecendo um nivelamento por baixo da qualidade do ensino, incentivando assim a existência e manutenção de um mercado paralelo de ensino privado e isento de qualquer controlo.
Outro raciocínio, decorrente em parte desta conspirativa teoria, é que os professores de Matemática têm consciência das dificuldades sentidas e acreditam na perspectiva da falta de fundamentos para a construção do edifício, logo estão a admitir que, para além da aptidão natural dos alunos, eles não ensinam bem e com qualidade. Falta sempre alguma coisa no passado para justificar as presentes dificuldades e a recorrência ao mercado dos explicadeiros.
Procurámos algumas respostas para percebermos este cenário nacional actual e, também, passado.
Jorge Buescu, no seu ensaio "Matemática em Portugal - uma questão de Educação" (27), editado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, numa perspectiva diacrónica e histórica, adianta algumas hipóteses:
A debilidade do sistema de ensino é particularmente visível e aguda na disciplina de Matemática. Um aluno não pode ter uma preparação universitária excelente em Matemática se não teve uma preparação pré-universitária excelente; e não pode ter uma preparação excelente, no final de cada ciclo de ensino pré-universitário, se no anterior não teve também uma preparação excelente.
Como já se afirmou diversas vezes, o ensino da Matemática é implacavelmente cumulativo e não permite que se saltem degraus. Esta razão, e a universalidade do seu ensino, fazem com que a Matemática possa funcionar como uma espécie de "termómetro de qualidade" de uma escola. (...) Uma escola em que o ensino da Matemática é medíocre não pode ser uma boa escola.
Sendo o nosso ensino das ciências, em particular da Matemática, muito pobre, seria surpreendente que alguma vez tivesse emergido um líder científico ou matemático de nível mundial em Portugal. (...) Não é por acaso que a esmagadora maioria dos matemáticos activos em Portugal trabalham no ensino superior.
(...) No caso específico da Matemática, há outras circunstâncias agravantes. O sistema educativo português parece ter horror à ideia de controlo de qualidade e do reconhecimento da diferença e do mérito. Isto é fatal para a Matemática. A inteligência matemática parece ser bastante democrática, caracterizando-se por uma distribuição razoavelmente uniforme na população. Os factores que depois farão a diferença no seu aproveitamento são, por um lado, a qualidade do sistema de ensino e, por outro, a detecção precoce do talento.
Claro que existirão outras opiniões e outras razões, neste caso parece-me pertinente a tónica na qualidade do ensino, que entre outras consequências, reforça a ideia que os professores dos ensinos pré-universitários carecem de qualidade e exigência. Esta poderá ser a razão seminal de todo o problema e não a imputação exclusiva aos alunos que têm ou não têm aptidão, ou que se esforçam ou não. Quero com isto tudo, terminar afirmando que estou convencido que não é culpa exclusiva dos alunos, por falta de atenção, gosto ou dedicação, mas sim algo mais estrutural e estruturante que tem, provavelmente desde sempre, norteado o ensino da Matemática em Portugal.