29 agosto 2025

espantado

Quando nos preparamos para regressar à Invicta e a casa, é tempo de reunir (adquirir) o que de novidade local/regional se encontra em escaparate. Aproveito uma ida a Vila Boa, para dar um salto a Vinhais, à Vila e ao seu Posto de Turismo, em busca das últimas edições da Câmara Municipal e de outras publicações sobre a região. Em todo o concelho de Vinhais não existe uma única livraria e, por isso, apenas neste Posto de Turismo ou no Centro Cultural é possível, ainda que à míngua, encontrar algo...
Entrei no Posto de Turismo, por volta das 15 horas, vazio e apenas as duas funcionárias, caras que de longe recordo e reconheço, que com simpatia e atenção me atendem. Digo-lhes ao que vou e sou logo direccionado por uma delas para as estantes onde se encontro todos os livros disponíveis. Aí chegados, essa mesma funcionária, sem aviso prévio ou sem que eu estivesse à espera, pergunta-me: - Então como está a correr o seu podcast? Surpreso e sem saber como lhe responder, agradeci e disse-lhe que sim, estava a correr bem. Mas também reconheci a surpresa da abordagem, pois na verdade não faço a mais mínima ideia do alcance e abrangência desta minha iniciativa.
Escolhi os livros que quis, paguei e despedi-me, agradecendo as suas atenções. Na volta, a mesma funcionária ainda me disse: - Boa sorte para o seu podcast.

25 agosto 2025

recorrência: livros e espaço

"Comprei uma data de livros do Torga, que é um tipo que eu, antigamente, não almoçava para comprar e mandei o Paulocas* ler todos. Nem sequer os abriu. No quarto já não tenho espaço. Não posso ter uma biblioteca no guarda-fato ou numa daquelas arcas ou baús que levam muita coisa, como a do Pessoa. Ou se tem uma biblioteca, em estantes, lombadas bem visíveis ou não se tem. Assim, metidos na arca é uma maçada. Às vezes quero um livro para consultar qualquer coisa e está sempre no fundo da arca, de maneira que quando encontro o raio do livro, já estou tão chateado que já não quero ver nada [...]. A minha biblioteca muda todos os dias: todos os dias vendo, todos os dias compro. Vendo Camilo, compro coboiada. Vocês pensam que leio tudo, que vou a todo o lado? É falso! Não faço vida de Lisboa. Hiberno, faço como o morcego. No Verão, nestes dois meses, vou até à Caparica apanhar um bocado de ar, escrevo um bocado à máquina, porque tenho a janela aberta e não vem frio da rua. Como posso escrever à máquina a abanar-me, a aquecer-me? [...] No Verão passado, cheguei a ter de dia e de noite a ventoinha ligada, a um metro do meu nariz." Luiz Pacheco, "O Uivo do Coiote" (1996)
In "O Prato do Diabo - um Dicionário Pachecal", org. João Pedro George, Língua Morta, 2025, página 45 e 46.

* Paulocas é um dos oito filhos de Luiz Pacheco.

anacronismos

Um destes dias participei, como convidado, numa boda peculiar. A sensação foi ter viajado no tempo e ter regressado a um pretérito conhecido. Num pequeno povo da Sanábria, fim de tarde, encontro marcado na casa da família. Grupo de vinte a trinta convidados, caminhámos com os noivos até pequena capela num ermo afastado da povoação, onde nos aguardava à porta o sacerdote. Cerimónia religiosa simples e rápida. Descontraídos e depois de esperarmos que o padre fechasse a capela e nos acompanhasse, regressámos à mesma casa... durante este percurso, os noivos que seguiam na frente foram brindados e felicitados pelos habitantes daquela pequena localidade. O copo de água foi servido na rua, numa espécie de cortinha abrigada, anexa à casa. Ementa farta e variada, confeccionada por mãos amigas. Ambiente tranquilo, acolhedor e muito bem disposto, acompanhado por momentos musicais que alguns dos convivas foram protagonizando e que se estenderam pela noite dentro. Vim de lá, altas horas da noite, feliz e com a sensação de ter vivenciado um momento único, replecto de anacronismos difíceis de encontrar em pleno século XXI.

08 agosto 2025

preparativos

É sempre com alguma ansiedade e considerável expectativa que organizo a minha "tralha" e me preparo para sair de casa durante períodos longos, como acontece quase sempre no mês de Agosto. Pelo menos três semanas sem vir a casa é tempo considerável e, por isso, tenho sempre que me precaver para não vir a sentir falta de alguma coisa importante. Entre praia e campo ou montanha, as próximas semanas servirão, espero eu, para apenas viver e, sem qualquer constrangimento, fazer aquilo que bem me apetecer. Os bens essenciais estão já acondicionados e a selecção de leituras que pretendo realizar está quase fechada. Nas imagens, aquilo que vou levar comigo para ler, faltando um ou outro item que irei ainda adquirir, aproveitando um pedido da minha filha: "- Pai, preciso que vás à FNAC comprar-me três livros..." Claro, como bom pai que sou, irei com todo o gosto e aproveitarei para saciar também lacunas de última hora. Enfim, resta dizer que a ansiedade e expectativa que inicialmente referi resultarão, com grande probabilidade, em relativa frustração, mas não faz mal. Boas férias.


03 agosto 2025

acontece

"Há um ritual airaniano de escrita?
Não diria que se trata de um ritual. Em todo o caso, é um ritual negativo, que consiste numa resistência quase invencível a começar a escrever todos os dias. Não sou só eu, porque ouvi Manuel Puig dizer que, ao sentar-se à secretária, com a obrigação vocacional e profissional de escrever, começava a organizar papéis, consultar a agenda, afiar o lápis, qualquer tarefa inventada para adiar o momento de escrever. Acontece ao outros, a mim também, mas pior. Posso passar o dia inteiro a hesitar. Depois, uma vez ultrapassado o limiar, tudo é fácil. O difícil foi antes, no vazio. Não é fácil compreender, já que escrever é o que mais gosto no mundo. [...] O curioso é que essa resistência é tanto mais forte quanto mais claro tenho o que quero escrever, quando sei o que vou pôr e as frases já estão a formar-se na minha cabeça... Nesses casos, torna-se mais difícil do que nunca começar, sinto-me inútil, a escrita material torna-se redundante porque o mental é igualmente real. [...]
Quanto aos cafés... têm uma função nessas neuroses divertidas. Se vou a um, com o meu caderno e a caneta, inevitavelmente faço alguma coisa. E eles servem mais do que o isolamento e o hábito. [...] A minha biografia como escritor poderia ser resumida num lento e seguro processo de correcções. Quando era jovem, aparentemente tinha total confiança no meu talento, escrevia depressa e deixava tudo como estava. Depois comecei a duvidar, a corrigir e a corrigir novamente o que tinha corrigido. Agora passei para um estágio superior, já não me basta corrigir: reescrevo. [...]
A leitura tem sido a minha actividade mais constante. Poderia ter sio a única, se eu nunca tivesse resistido ao prazer de escrever. [...] São esse tipo de escritores que, quando os leio, sinto que estou a escrever."

César Aira, escritor argentino, em entrevista a Isabel Lucas, in Ipsilon, Jornal Público, 1 Agosto 2025.