20 janeiro 2025

estertor, sempre e mais



Mais e mais centralismo. A sangria não estanca e isto só terminará quando já não houver vivalma nestas paisagens rurais e interiores do país. Triste, muito triste.

eu vou lá estar


Vou participar com uma comunicação em co-autoria com os meus irmãos, Daniel e Ricardo. Pela primeira vez e porque estamos atentos e preocupados com determinada realidade, decidimos participar num evento académico para partilhar e denunciar aquilo que está, neste momento, a acontecer e que não é mais do que o anúncio de um desastre ecológico e ambiental em potência. A nossa comunicação tem por título: "Extrativismo e resistências, imaginários e memória: estudo de caso de um desastre anunciado". Deixo o link para a página da Conferência: https://antropologiadoambiente.com/

humanidades canceladas

Neste último Sábado, Carlos Ceia, Professor Catedrático da FCSH da Universidade Nova de Lisboa, escreveu no jornal Público um texto importante sobre aquilo que ele considera ser a crescente perseguição e cancelamento institucional e político ao ensino das humanidades em Portugal. O paradigma vigente impõe e privilegia as áreas científicas ligadas ou relacionadas com o crescimento económico e isso traduz-se num reforço orçamental dessas áreas em detrimento das áreas das humanidades, deixando perceber que estas contam muito pouco nas urnas e que os "saberes" humanistas, naquilo que a "ciência pode trazer à formação cultural de cada cidadão" é cada vez mais negligenciado. Na verdade, esta situação não é propriamente uma novidade, pois ao longo das últimas décadas, ao olharmos para os currículos do ensinos secundários e superiores, temos vindo a verificar um desaparecimento dos conteúdos e das disciplinas das humanidades e das ciências sociais.
Na impossibilidade de transcrever para aqui todo o artigo, deixo dois parágrafos que, de alguma forma, traduzem a opinião do seu autor...

"A marginalização das humanidades comprometerá sempre as oportunidades trabalho interdisciplinar, que é essencial para enfrentar desafios sociais complexos. Não é possível compreender esses desafios sem as humanidades. Não será nunca possível compreender a raiz da maior parte dos problemas que tanto preocupam os políticos sem uma forte formação humanista. E nem sequer é possível compreender a importância de todas as ciências sem o pensamento humanista que as fundou.
Se querem mais pensamento crítico nas ciências, devem apostar numa maior consciência cultural e numa melhor capacidade para compreender aquilo que conseguimos fazer enquanto pensadores. Esta é a base de todas as ciências e as humanidades permitem que essa base comece a ser construída. Se as cancelarmos, se as asfixiarmos nas suas oportunidades de financiamento para que também possam produzir conhecimento novo, são todas as ciências que perdem e jamais poderemos ser o país desenvolvido que ambicionamos ser."

17 janeiro 2025

desagregação

Até que enfim!
A conhecida por "Lei Relvas" de 2013, vai ser hoje derrubada, exterminada, caducada, com a votação na Assembleia da República da desagregação de 135 uniões de freguesia, que resultarão em 302 novas (velhas) freguesias. Já nesse tempo, 2013, a percepção foi de que a maioria das populações não queria essa união e ela foi imposta por um poder, no mínimo, sem legitimidade para o fazer. Agora, e passados cerca de doze anos, finalmente, vai ser reposta uma realidade territorial que jamais deveria ter sido alterada. Dos 188 processos de pedido de desagregação, foram aceites 135 e serão estes os votados hoje - também aqui, pela expressividade do número de processos pedidos, se percebe a vontade popular e a impopularidade da referida lei de 2013. Claro que depois de hoje, a reversão da "Lei Relvas" continuará e nada impedirá essa pretensão das freguesias. Ainda que esta desagregação traga alguns problemas financeiros e, principalmente, logísticos, hoje será sempre um dia bom para a organização e estruturação do nosso território.

há muito desaparecido das livrarias


Leio no jornal Público de hoje, num texto assinado por Gonçalo Frota, que vai a (sub)-palco no Teatro São Luiz, o monólogo "Libertino", interpretado por André Louro e dirigido por António Olaio. Leitura do texto "O Libertino Passeia por Braga, a Idolátrica, o seu Esplendor", escrito em 1961 por Luiz Pacheco. Nesta peça jornalística, para além da notícia deste monólogo, importa-me a constatação da relevância da escrita de Luiz Pacheco, "uma figura à margem", do seu "radical apego à verdade" e que, incompreensivelmente, está há muito desaparecido das livrarias, a não ser a preços especulativos em alfarrabistas, apesar da sua obra "perdurar e daqui a 200 anos será ainda actual".
Não posso ir ao São Luiz assistir, por isso espero e desejo que este monólogo possa viajar pelo país, pelo menos venha à Invicta, pois sou um admirador confesso do grande, do enorme Luiz Pacheco.

o melhor de? não me parece


Sou um leitor e admirador de Philip Roth e foi com surpresa que, em Dezembro, dei de caras com este livro à venda. Trouxe-o comigo e ontem foi o dia em que, num fôlego só, o li. O psicanalista paranóico da condição norte-americana e, principalmente, do devir judaico, mantém o seu registo e essência no universo e ambientes das suas ficções. Em todo o caso, agora que já o li, não percebo porque foi apresentado como "Escabroso, ousado e mordaz" (The Times) e "obscenamente chocante" (Harold Bloom, in The New York Times Book Review), quando na realidade nada de extraordinário é contado ou descrito e de orgias, pouco ou nada. Enfim, marketing editorial.

16 janeiro 2025

percepções

"Quando não há factos, o radicalismo populista encontra sempre forma alternativa de os substituir. Foi assim que entrámos no domínio da percepção, uma forma ardilosa de se alterar os mecanismos da discussão civilizada e construtiva, baseados na inteligência e da lucidez aplicada aos factos, para os enterrar nas meras indignações do dia tão típicas das redes sociais. Se não há um aumento de crimes provocados pelos imigrantes, pouco interessa, porque há sim, dizem os arautos da extrema-direita, a sensação de que eles existem."
Manuel Carvalho, in Jornal Público, 16 Janeiro 2025.

15 janeiro 2025

o que se quer é digitalizados

Mais do mesmo.
Até a Caixa Geral de Depósitos abandona o território nacional, nomeadamente as zonas interiores e as ilhas. Contudo, podemos ficar tranquilos porque o seu presidente, Paulo Macedo, garantiu que as seis dezenas de agências que deixarão de possibilitar depositar ou levantar dinheiro aos balcões, terão um funcionário que apoiará os clientes a lidar com as máquinas. Diz que não está a desistir dos territórios, mas sim, na sua missão pedagógica, "dar às pessoas a inclusão digital... o que se quer é que as pessoas se digitalizem", afirmou Paulo Macedo sem se rir.
O que é isso das "pessoas se digitalizarem? - Pergunto eu que, pelos vistos, sou digitalizado.

é como tapar buracos...


[ Hoje, no jornal Público ] 

quiosques

Sempre gostei de quiosques, sejam de rua ou em formato loja. Sei que neles há sempre alguma (muita) coisa com interesse e onde é um prazer gastar dinheiro. Aliás, seria um dos poucos negócios em que me imagino, quero dizer, logo depois de uma livraria (de fundos bibliográficos), seria num quiosque que eu arriscaria investir e onde eu, penso, não me importaria de estar e ficar.
Acontece que, para lamento meu, nos últimos tempos, temos vindo a assistir ao seu desaparecimento das paisagens urbanas e, principalmente, seus arrabaldes. Serão várias as razões para tal fenómeno, desde logo, a mais do que reconhecida quebra de vendas de jornais em formato papel, mas eu continuo a precisar deles na minha existência quotidiana e tem sido crescente a dificuldade de encontrar aquilo que procuro. Mais uma "arte" urbana em vias de extinção.

12 janeiro 2025

ao espelho (de outros)


Na página do meu Professor, orientador, Gonçalo Duro dos Santos. 

likes, views, follows, friends

Apesar de estar presente e existir nestes ambientes digitais e desmaterializados há cerca de duas décadas, é sempre um problema para mim quando me tentam alertar ou explicar para a importância do número de visualizações, de seguidores, de amigos, de gostos e o diabo a quatro, daquilo que publico online, pois serão sempre esses os critérios de qualidade e de sucesso do que aqui partilho.
Criei este blogue há quase vinte anos e nunca foi preocupação saber se alguém vem cá espreitar, ler-me ou até conhecer-me. Claro que gosto de ser lido, visto e ouvido, mas não é essa a razão que me faz publicar e criar conteúdos, nunca foi. Agora que inicio um novo projecto de comunicação, com o podcast "Novas Conversas Rurais", volto a ser assediado e confrontado pelo marketing digital com a inevitabilidade desses medidores de sucesso. Tudo bem, mas no fundo, no fundo, não me importam, irei continuar a produzir conteúdos porque quero, me dá prazer e porque me obriga a procurar e descobrir novas realidades e conhecimentos.

10 janeiro 2025

desconstruindo, desmantelando, desequilibrando, assim vamos

Nestes últimos dias instalou-se um debate público em Portugal a propósito de uma iniciativa legislativa deste governo. Trata-se de uma alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) que, a se efectivar, alterará por completo o território nacional. O Decreto-lei, já promulgado pelo Presidente da República, mas que será ainda levado ao Parlamento e entrará em vigor no final deste mês de Janeiro, permitirá que as câmaras municipais ou as assembleias municipais, que é como quem diz, os presidentes e executivos camarários reclassifiquem solos rústicos em solos urbanos e assim, possibilitarem a urbanização, a construção e a especulação imobiliária em territórios que até agora estavam protegidos dessas agressões.
Segundo o ministro Manuel Castro Almeida, a intenção do Governo é promover "uma mudança estrutural" ao "aumentar a oferta de terrenos para construir habitação como forma de baixar o preço das casas". Acontece que o problema da habitação é sentido, na sua esmagadora maioria, nos grandes centros urbanos e aí os solos rústicos são praticamente inexistentes. Portanto, não é verdade que a preocupação deste Governo, e com esta iniciativa, seja a habitação e sua oferta a custos controlados. E nos solos urbanos há tanta disponibilidade para construir e reconstruir, que não se percebe esta iniciativa legislativa, os seus propósitos ou sequer o seu interesse ou necessidade.
Até hoje, ou melhor, até este Decreto-lei, mesmo com um instrumento anteriormente criado de seu nome "simplex urbanístico" que permitia algumas excepções, não era possível edificar ou urbanizar em solos rústicos ou solos classificados como Reserva Ecológica (REN) ou Reserva Agrícola (RAN), mas ao alterar desta forma o Regime Jurídico e ao capacitar os municípios desse poder de reconversão dos solos, aquilo que o governo está a fazer, na verdade, é mais um ataque ao património natural protegido em benefício de uns quantos especuladores imobiliários, que não olharão a meios para atingir os seus inquestionáveis fins. Ao mesmo tempo, esta alteração não fará mais do que potenciar e até legitimar os esquemas do clientelismo e as promiscuidades entre o poder autárquico e o sector imobiliário. Escancara-se a porta de acesso para a avidez insaciável dos capitais aos solos e territórios que deveriam permanecer salvaguardados e imunes a essa voragem.
A percepção que fica e se instala é que para este governo não haverá limites para a desconstrução ou desmantelamento do Estado e do que é público. Mais um crime lesa-pátria que esta a ser "legalmente" cometido, mas pelo qual ninguém, jamais em tempo algum, será responsabilizado.
Senhores, não é por acaso que existe a classificação de "solo rústico" e este assim deve permanecer, pois é aí que os equilíbrios do território, do ambiente e da biodiversidade acontecem. Imperativo.

01 janeiro 2025

#01 NCR - "O Novo Rural"


O primeiro episódio do meu podcast. Todos os meses uma nova conversa sobre o que de novo tem acontecido nas paisagens rurais.
É com enorme prazer que vos apresento a minha mais recente aventura. Criei um podcast ao qual dei o nome de "Novas Conversas Rurais" e, com ele, pretendo viajar pelo universo rural português, em especial, o transmontano, conversar e reflectir sobre tudo aquilo que de novo tem acontecido nessas paisagens.
Este é o primeiro episódio mensal, ao qual se seguirão outros com outros convidados e temas diversificados. Sendo o primeiro episódio, num projecto pessoal e quase solitário, as falhas, problemas e falta de experiência, são por demais evidentes, pelo que solicito a vossa tolerância. O compromisso será melhorar nas próximas conversas.

29 dezembro 2024

por terras de Miranda


Hoje, numa maratona de ida e volta com mais de 500 quilómetros, fui a Genísio, Miranda do Douro, ao lançamento deste livro, de autoria do amigo Basileu Pires, natural dessa pequena aldeia do planalto mirandês, e no qual participei escrevendo o prefácio, texto ao qual dei o título de "construir comunidade". Cheguei a tempo de participar no almoço "de la Matância de l Cuchino", encontrei amigos de longa data que só a espaços encontro, participei no lançamento e fiz-me à estrada de regresso à Invicta. Para memória futura, fica esta selfie junto da fogueira que arde desde o Natal e vai assim permanecer até aos Reis, quando já estávamos de saída.

(Da esquerda para a direita) Luis Vale, Henrique Manuel Pereira, Carlos d'Abreu e Pe. Alfredo Soares

28 dezembro 2024

Palestina?

 

Este artigo encontrei-o no número actual do jornal de Letras. Por considerar que, não só está bem escrito, de forma clara e acessível, como é pedagógico na sua letra e finalidade. Ainda que possa ser considerada "apenas uma perspectiva sobre o assunto", parece-me bastante lúcido e equidistante de qualquer fundamentalismo ou favorecimento de qualquer parte envolvida no processo. Por isso o digitalizei (da forma possível...) e aqui partilho. Para ler e guardar.

27 dezembro 2024

disforia e avatar

"A mitologia irrealista que sempre tem alimentado as representações identitárias nacionais, celeremente se transferiu para outros horizontes externos, embora mais próximos. A nossa integração europeia foi feita soba mesma fantasia de excecionalidade, antes associada aos sonhos imperiais, revestindo agora a camisola do "bom aluno" europeu. O nosso "europeísmo" revelou um excesso de paixão e um défice de reflexão estratégica. Quisemos fazer parte do "pelotão da frente" do euro, sem discutir as regras do jogo.
E aqui nos encontramos, talvez no período mais crítico desde o Ultimato britânico (1890), em estado de permanentes espera e expectativa. Continuando sem incluir organicamente o nosso território como parte essencial dessa liberdade mínima, sem a qual um povo perde o direito a existir como realidade histórica.
Essa disforia nacional, em que a própria noção de identidade se dispersa para um exterior distante, agravou-se com a passagem hodierna a um processo de auto-identificação alucinadamente simbólico. A actual elite considera-se hoje forte por ter representantes em lugares chave das Nações Unidas ou da União Europeia, mas perante o perigo de uma guerra que poderá destruir existencialmentne o país, limita-se a seguir aquilo que as ordens alheias ditam, sem um pingo de hesitação e ainda menos de reflexão.
No passado, a nossa disporia era física e real. Durante mais de meio milénio lutámos por uma dimensão imperial, enfraquecendo, por vezes, a retaguarda. Hoje, a nossa disforia é da ordem da febre digital. Portugal transformou-se num avatar, que oferece descuidadamente o seu corpo físico às balas, ao serviço do crepuscular império dos outros."
Viriato Soromenho-Marques, in jornal de Letras nº 1414, Dezembro 2024.

20 dezembro 2024

novo desafio


É claro que é um desafio auto-imposto. Ninguém me obriga a ser idiota e andar sempre à procura de mais lenha para me chamuscar. Assim, assiná-lo aqui também o início, à data de ontem, 19 de Dezembro de 2024, das filmagens desta nova aventura pessoal. Criei um podcast ao qual dei o nome de "Novas Conversas Rurais", pretendendo que possa ser um espaço de conversa e reflexão sobre as alterações que as paisagens rurais têm sofrido nas últimas décadas. Os novos usos do e no rural, naquilo que são novos processos e rotinas, hábitos e consumos emergentes nesses territórios. Irei ao encontro daqueles que são os protagonistas e agentes dessa mudança na vida das comunidades, teórica e empiricamente perceptível.
Se tudo decorrer como previsto, a publicação nas plataformas habituais (YouTube, Facebook, etc.) do primeiro episódio, acontecerá no dia 1 de Janeiro de 2025 e à periodicidade de um episódio por mês.

16 dezembro 2024

pão

Posso começar por afirmar ou declarar que o pão foi, é e será o elemento mais elementar ou estrutural da dieta alimentar de qualquer povo, cultura ou comunidade. Bem sei que pode existir, num qualquer recanto deste mundo, alguma comunidade que não conheça pão, mas isso não diminui ou prejudica a minha afirmação.
Assim, eu me confesso: não existe nenhum outro alimento que me saiba tão bem como o pão. Pode ser pão e mais alguma coisa, mas também pode ser apenas pão. Sabe-me bem e sacia-me. Só que, para mal dos meus pecados, fui aconselhado a não o comer e ando, por estes dias, numa luta estapafúrdia para o evitar. Neste momento, só o abocanho ao pequeno-almoço: um molete fresco, ou torrado, com manteiga. Não sei quanto tempo aguentarei assim, pois apesar de teimoso, não há nada que saiba melhor e, de tão básico e simples que é o pão, é-me doloroso não o ingerir livremente, como sempre fiz.

primeira vez


Acabou de sair, pelo menos na sua versão desmaterializada, o novo número da revista Antropologia Portuguesa (nº 41), e nela, pela primeira vez, consta um texto meu. Ainda que sendo uma recensão a uma obra de Arjun Appadurai: Razão Agrícola à Sombra do Capitalismo de Subsistência - Uma Ontologia Rural da Índia Ocidental, publicado pela HAU Chicago, em Agosto de 2024, significou a minha primeira colaboração nesta revista.
Para quem possa estar interessado, deixo aqui o link para o pdf do meu texto
e o da revista completa

04 dezembro 2024

certezas necrológicas

Recordo o meu avô paterno, o avô João, a ler os jornais que lhe chegavam às mãos, trazidos pelos filhos, netos ou outros familiares. Com toda a calma e soletrando baixinho todas combinações frásicas, ele que apesar de quase analfabeto, sabia ler, devorava qualquer papel que encontrasse lá por casa. Se não fosse um jornal, poderia ser uma bula de um qualquer remédio, mas aquilo que mais o detinha eram secções de necrologia dos jornais e convém relembrar que, naquele tempo e ao contrário de hoje, essas secções ocupavam mais espaço e muita tinta.
Hoje, nas deambulações quotidianas, apercebi-me de um ajuntamento, talvez de três ou quatro senhoras de idade avançada, que olhavam e comentavam a fotografia de mais uma pessoa que deixou de respirar e, isso, fez-me reflectir de que é um facto que dou comigo, agora, a olhar com relativa atenção para esses anúncios e para os rostos e nomes daqueles que vão falecendo e são anunciados nos jornais e, principalmente, expostos nas montras do comércio local. Em cada localidade há sítios específicos, leia-se lojas, onde sabemos que iremos encontrar essas novidades. Para além do implícito e obrigatório voyeurismo, poderá isto ser um sintoma de idade e da consciência crescente de que um dia, cada vez mais próximo, será a vez da minha fotografia e nome aparecerem assim escarrapachados, desnudados e indefesos. Eu não quero e, se for feita a minha vontade, jamais se saberá que eu já cá não estou.

02 dezembro 2024

inacreditavelmente desconhecido

No mesmo texto que aqui citei, há dias, de Valter Hugo Mãe, encontrei referência a um livro de Julio Llamazares, autor perfeito desconhecido para mim, chamado "Trás-os-Montes - Uma Viagem Portuguesa". Valter Hugo Mãe, na sua crónica, escreveu: "Julio Llamazares, desaparecido há décadas das nossas livrarias. Llamazares, autor de um incrível Trás-os-Montes, sim, os nossos, pelos quais se apaixonou". Um sobressalto. Mas quem é este homem? Que livro será este? Como é possível existir um livro com este nome/título e eu nunca ter sabido? Nunca me ter cruzado com sua referência. Enfim.
Não tardei a pesquisar no todo poderoso Google e, para novo sobressalto, fico a saber que existe uma tradução da Difel. Pondo mãos ao teclado, começa a minha incessante busca por tal livro. A Difel já não existe, a tradutora não sei quem é, a solução parecia ser tentar a versão original em castelhano, mas eis então quando, insistindo na busca, me aparece o livro em português no OLX. Num clique mandei mensagem ao seu "dono" e logo manifestei o meu interesse. Paguei no mesmo dia os vinte euros que me solicitou, por transferência bancária, e depois foi só aguardar que o espécime chegasse. Último sobressalto, o livro estava como novo. Aliás, desconfio que nunca foi lido, sequer folheado.
Um achado, mas pensando bem, vou tentar encontrar o original em castelhano.

vamos LER

22 novembro 2024

pós-covid

Quando entrámos em regime de pandemia foram implementadas medidas coercivas e estruturais em cada sociedade, em cada país, que nos obrigaram a alterar rotinas e procedimentos. Também se verificou uma mudança de atitude, voluntária, por parte de muitos cidadãos naquilo que eram e são os pequenos nadas da vida quotidiana, como por exemplo, evitar maçanetas de portas e janelas, não colocar mãos nos corrimãos de escadas, proteger os dedos ao utilizar multibancos e outros gadgets públicos, entre outros. Pois bem, terminado o estado global de pandemia, rapidamente, a maioria das pessoas se esqueceu dela e retomou velhos hábitos, rotinas e procedimentos. Se há algo de bom que esse estado de excepção social me trouxe, para além da própria sobrevivência, foi um conjunto de pequenos gestos que mantive e, agora, já dificilmente os largarei. Falo do lenço de papel para teclar nos ATM's, não colocar as mãos em maçanetas, nem em corrimãos de escadas públicas (isto já não o fazia antes), proteger os dedos para carregar em teclados, ter sempre por perto um frasquinho de álcool gel para desinfectar as mãos quando há algum tipo de contacto com objectos ou pessoas. Olhando à minha volta, reconheço, talvez possa ser um pouco doentio, mas sinto-me mais confortável e, assim, neste pós-covid manterei tais gestos.

21 novembro 2024

a tristeza que aqui se fala

"O que se lamenta é que não exista mais ninguém. Ninguém para saber do que ali acontece nem ninguém para que continue a acontecer. O fim das aldeias é outra coisa que não a idade. É a perda de uma memória, de um tipo de vida que pode ser um tipo de humanidade. É o que me traz o calafrio. A hipótese de terminar a humanidade que até há pouco se definiu. Perdida na urbanidade que tudo mistura e impede a limpidez dos aldeões.
A tristeza de que aqui se fala tem que ver com esse requiem por uma universalidade. Um requiem pela morte de um certo mundo que jamais se vai recuperar. A aldeia que acaba é um povo extinto. Um povo cuja memória não trará mais nada. Desperdiçado de futuro e ternura. É só a morte."
Valter Hugo Mãe, in Jornal de Letras nº 1411, Novembro 2024.

14 novembro 2024

"tocar piano"

A expressão ouvi-a a um professor e antropólogo, conhecido meu, em ambiente de conversa de café e a propósito de haver sempre quem tem que assumir a tarefa de escrever. Referia-se ao facto de ser porreiro ter um espírito participativo e colaborativo, mas depois na hora da verdade, são sempre os mesmos (ele) a ter que "tocar piano", ou seja, a escrever. Nos últimos meses tenho sentido essa responsabilidade e, tendo em consideração os interesses heterogéneos em que me envolvo, a sensação é precisamente essa. Calha-me sempre a mim sentar em frente ao piano. Cansado e sem descanso à vista.

10 novembro 2024

Santorini

Já decorreram vários meses desde a minha estadia nessa ilha do mar Egeu e para a qual viagem acompanhado pela Andreia, para assinalarmos os vinte e cinco anos de caminhada a par. A nossa relação teve início em 1990 e ao longo de todos estes anos temos viajado sempre que possível. Esta viagem foi planeada apenas por mim e sem conhecimento dela, tipo viagem surpresa, pelo menos em relação ao destino.
Eu já tinha viajado sozinho de barco pelas ilhas gregas, num circuito turístico a partir do porto de Pireu, em Atenas. Foi aí que decidi que um dia iria regressar com a Andreia. Aconteceu este ano e julgo que a Andreia, não só gostou da surpresa, como adorou o ambiente e a paisagem da ilha. Eu não posso dizer que não gostei, até porque sou amante da gastronomia, das paisagens e, acima de tudo, da capital grega, mas provavelmente não regressarei àquelas paisagens insulares. Com esta viagem alcancei um antigo objectivo de vida. Naquilo que é a minha condição nómada, outros destinos chama agora por mim, de entre os quais, alguns, serão obrigatórios: para além do "eterno" retorno à verde e fresca Galiza, pela qual me sinto sempre atraído e da qual ainda tenho muito para conhecer, quero ir à Islândia, a Edimburgo, a Roma e a Viena de Austria. Depois, quererei sempre regressar a Paris, a Londres e a Atenas. Espero, em 2025, poder ir à capital italiana e para tal já estou a "trabalhar".

(escrito em 7 Outubro 2024)

05 novembro 2024

Kamala Harris for President

Quando os dados estão mais do que lançados e estamos a poucas horas de conhecer o novo presidente dos EUA, não quero deixar passar este momento sem manifestar a minha preferência, mas mais do que isso, a confiança no senso dos americanos em decidirem eleger, pela primeira vez na sua história, uma mulher para a cadeira mais poderosa do mundo. Percepcionado deste lado do Atlântico, não deveria existir qualquer dúvida ou disputa entre a manutenção de um Estado de Direito democrático e o desconhecido das trevas e do caos de um despota, egocêntrico e anti-democrático. O problema é que este tem muitos seguidores e apoiantes, não só na terra do Tio Sam, como um pouco por todo o mundo, nomeadamente, aqueles que ambicionam um retrocesso civilizacional e no qual todas as pretensões imperialistas e de violação do direito internacional e dos direitos humanos serão tolerados e até incentivados.

01 novembro 2024

ao espelho

Ontem, dia 31 de Outubro, na biblioteca municipal Eduardo Lourenço, na Guarda, na cerimónia de entrega dos prémios CEI - Investigação, Inovação & Território (CEI - IIT|2024), que distingue trabalhos, projectos de investigação e outras iniciativas com dimensão inovadora, contribuam para divulgar estudos, experiências e boas práticas que concorram para reforçar a coesão, a cooperação e a competitividade dos territórios fronteiriços e de baixa densidade.



e a notícia em...