28 março 2025

entrudo

Há mais de uma década que não ia ao entrudo de Vila Boa. Recordo-o com nostalgia dos tempos de meninice e juventude, no qual participava e colaborava activamente na sua preparação. O entrudo na minha aldeia era um momento único de reunião e folia em comunidade. Um tempo de excepção e de tolerância para com os excessos, com momentos e tempos próprios e diferenciados, protagonizados pelos locais e para o público local, ou seja, para a própria comunidade.
Regressei este ano e o contraste com esse entrudo recordado não poderia ser maior. Aquilo que hoje acontece, e pelos vistos já acontece há muitos anos, nada tem de parecido com esse entrudo da minha juventude. Agora, trata-se acima de tudo de uma performance que os locais e não só dão a quem visita a aldeia nesse dia. Centenas ou mais de milhar de pessoas invadem a aldeia e percorrem-na em ronda com os referidos actores, máscaras, marafonas e madamas, povo abaixo, povo acima. São inúmeras as diferenças que não poderei aqui referi-las a todas, mas o que mais me impressionou foi o batalhão de fotógrafos profissionais e amadores, jornalistas e outros especialistas que acompanharam durante todo o dia os diferentes momentos deste entrudo que se diz ainda genuíno. Eu e mais algumas pessoas sabemos que de genuíno já pouco ou nada tem, mas enfim.
Nunca fui máscara, nem nunca me fantasiei de marafona ou madama, foi com surpresa e muita alegria que vi o meu filho, com treze anos a querer mascarar-se e a chocalhar miúdas e graúdas, activa e efusivamente ao ponto de ser noite, ter que regressar ao Porto e ele não querer sair de lá... Assim ele queira, regressarei anualmente a Vila Boa para que ele possa "deitar o entrudo fora".
Partilho algumas fotografias que fui tirando com o telemóvel, pedindo desde já desculpa pela fraca qualidade das mesmas.









ecossistema dos mortos

A propósito da sociedade a que dá o nome de transparente, o filósofo José Gil escreve um artigo no número actual do Jornal de Letras, no qual alerta para os perigos dessa sociedade que se afastará da igualdade e da liberdade democráticas e criará mais desigualdades, terror e injustiças. Mas aquilo que escreve sobre os ecossistemas e, em particular, sobre a erosão do ecossistema dos mortos, foi aquilo que me fez reflectir.

"A erosão de um outro ecossistema, o ecossistema dos mortos, que há muito recebe golpes profundos, contribui para este quadro apocalíptico. Quando falamos do 'passado', raramente nos lembramos de que é feito de antepassados. Referimo-nos a ele como o 'tempo passado', 'a tradição', um bloco de tempo que 'deixamos para trás', desbotado, cada vez mais desvanecido e amortecido. Não vemos no passado um presente que já foi, com vida e pessoas que perduram agora como personagens espectrais. Muitas das casas, muros, pontes e ruas das cidades e aldeias da Europa e do Oriente têm séculos e milénios de existência. A pedra e o espaço moldados pelos antepassados dirigem os nossos passos, perspectivam o nosso olhar. Vivemos à tona do passado, no meio dos mortos e dos sinais que nos deixaram. Mas tudo isso está a acabar."
José Gil, in Jornal de Letras nº 1421, Março 2025.

obesidades

 Leio sempre com atenção e prazer este senhor...

26 março 2025

45 anos de jornal de letras

"Cada vez mais me apetece ler o que há e barafustar contra o estado do mundo, de suas opções assustadoras perante as quais temos de erguer mais livros e mais consciência, mais informação e mais verdade. Mais resistência. Mais convicção na denúncia do quanto nos querem arrebanhar para interesses das elites financeiras, contra a dignidade dos povos todos."
Valter Hugo Mãe, in Jornal de Letras nº 1421, Março 2025.

caminho






Nunca fui caminheiro, peregrino ou turiperegrino, nem nunca senti qualquer chamamento para essa experiência física e/ou espiritual, sensorial e de superação. Fui desafiado uma ou outra vez para o fazer, mas sempre desconfiei das minhas capacidades físicas para tal empreendimento e, por isso, fui rejeitando tal hipótese.
Pois bem, agora e com esta idade, aconteceu aquilo que jamais imaginei ser possível, tentar fazer jornadas do caminho de Santiago. Isto aconteceu, não por qualquer epifania ou chamamento, mas quase por obrigação, ou comprometimento profissional. Faço parte de uma equipa de três antropólogos que se propuseram realizar a avaliação do potencial do caminho jacobeu Zamorano-Transmontano, uma alternativa ao caminho da Via da Plata. Este trajecto que inicia em Zamora, passa por Alcanices, Bragança, Vinhais e chega a Verín por Segirei, não está certificado, nem tem grande procura daqueles que se dirigem a Santiago. Contudo, sempre foi utilizado e existe um conjunto de caracteres ou manifestações patrimoniais, materiais e intangíveis, que dão conta ou comprovam essa utilização. Este projecto, premiado pelo CEI - Centro de Estudos Ibéricos, em 2024, implica percorrer a pé esse caminho, enquanto metodologia para conhecermos o seu trajecto, os patrimónios, as comunidades, a sinaléctica, etc. Assim, no início deste mês de Março, o Xerardo Pereiro, colega e amigo, agendou percorrermos o trajecto entre Alcanices e Segirei (Chaves), em quatro etapas: 1ª (1 de Março) Alcanices-Quintanilha; 2ª (2 de Março) Quintanilha-Bragança; 3ª (3 de Março) Bragança-Vinhais; 4ª (4 de Março) Vinhais-Segirei.
Com muitas dúvidas, mas cheio de mim, apresentei-me no Albergue de Alcanices na véspera da primeira etapa. Dormimos nesse albergue e saímos cedo em direcção a Quintanilha. Devida e exageradamente equipado (mochila a mais), caminhei lado a lado com o Xerardo e sem sentir qualquer incómodo ou dor durante cerca de 15 quilómetros. Quando nos aproximávamos de Trabazos o meu joelho direito começou a queixar-se, numa impressão que rapidamente passou a dor. Parámos para descansar um pouco, comer qualquer coisa, aproveitando eu para me drogar, numa vã tentativa de conseguir prosseguir caminho. Bem, a muito custo ainda consegui percorrer mais cerca de 8 quilómetros e meio e foi quando, depois de passar a fronteira "a salto" e já avistava Quintanilha, tive que desistir e colocar-me na berma da estrada com o polegar para cima. O segundo carro que passava parou e, para espanto de ambos, era um rapaz da minha aldeia que se dirigia para Bragança e me deu boleia até Quintanilha, onde esperei pelo Xerardo.
Mal chegámos ao albergue só quis descansar. Tomei um banho quente e deite-me até à noite e à hora de ir jantar. No dia seguinte, bem cedo, acordei à hora combinada para início da segunda jornada, mas não conseguia mexer-me... todo partido. O Xerardo prosseguiu caminho sozinho e cumpriu as quatro etapas inicialmente previstas.
Enfim, gostei muito da experiência e, pelo menos, tentei e fui solidário com o colega, mas ainda hoje estou a recuperar e tenho o joelho esquerdo a queixar-se sempre que caminho mais do que meia-dúzia de metros. Não voltarei a repetir tal ousadia, não vale a pena lutar contra o meu corpo e sua degeneração.

24 março 2025

incomodado e envergonhado

(imagem roubada do sr. google)

Eu não simpatizo e, como já aqui escrevi, não considero Luís Montenegro compatível com o desempenho das funções para as quais tem sido investido, mas o meu espanto e imediato incómodo quando dei de caras com este outdoor do Chega foi perturbador. Eu estou nos antípodas da visão do mundo deste senhor, nunca votei, nem votarei no seu partido (PSD), mas isto não se faz. Nem ao Luís Montenegro, nem à democracia portuguesa. Poderia dizer que o que sinto é vergonha alheia, mas não, aquilo que senti e sinto é vergonha pessoal e intransmissível, por haver a possibilidade de um partido político ter sucesso eleitoral com este tipo de agenda política e comunicação.

16 março 2025

zeitgeist tuga

"A nossa sorte depende, não só da competência dos respectivos dirigentes (partidários), mas, também do seu sentido ético. Desgraçadamente, competência e ética são atributos em falta no tempo que estamos a viver."
(António Galopim de Carvalho, in jornal Público, 16 Março 2025)

Sirvo-me das palavras do Professor Galopim de Carvalho para registar algo que já há algumas semanas queria fazer, mas outros afazeres me foram afastando desta tábua de escrevinhar. Refiro-me à actualidade política nacional e ao suicídio político de Luís Montenegro, fenómeno vertiginoso que tem acontecido, diante dos nossos olhos, ao longo das últimas semanas e que culminou com a queda do Governo e da Assembleia da República.
Muito se tem escrito, falado e gritado sobre o que aconteceu e já cansa a tiróide tanta informação, opinião, imputação de culpas (algo inacreditável) e oportunismo mediático em redor deste caso. Eu não preciso de mais informação para formar a minha opinião sobre o sucedido e sobre o perfil do nosso primeiro dos ministros. Tudo isto aconteceu porque, de facto, Luís Montenegro terá tido um comportamento incorrecto e impossível de tolerar nos dias de hoje. Sem querer entrar nos meandros de tudo o quanto foi dito e desdito, considero que o primeiro-ministro remeteu-se ao silêncio porque sabe que não pode falar sobre o seu comportamento e actividades dos últimos meses e anos. Ele não dá esclarecimentos porque não os pode dar. Numa atitude claramente desesperada e egocêntrica, mentindo e omitindo, ele preferiu deixar cair o seu governo, o seu partido e coligação, do que admitir publicamente o seu carácter não compatível com o exercício de funções de Estado.
Não me restam dúvidas, Luís Montenegro não tem carácter, nem qualquer ética republicana, é um lobista e um oportunista dos meandros partidários, que sempre foi bom e esteve mais disponível para se servir do Estado do que para servir o Estado.
Se acrescentarmos a isto, a realidade dos dirigentes partidários que têm lugar na Assembleia da República, que já mais do que demonstraram a fraca qualidade política, constatamos que, na verdade, a realidade político-partidária é tragicamente degenerativa. Independentemente da nossa posição, simpatia ou militância, percorremos o espectro partidário representado na Assembleia da República e não temos um líder partidário sério e competente. Dá pena constatar. Ainda assim, e não decorrendo da sua condição de líder, devo dizer que considero Rui Tavares o deputado mais bem preparado para a sua função, a grande distância da restante mediania e até incompetência política e desqualificação cidadã.
Assim vamos (sobre)vivendo, enganados pela promoção da incompetência e incivilidade. Há quem diga que é apenas o espírito da época.

despojados de sentido crítico

Elísio Estanque, no Sábado, dia 8 de Março escreveu um artigo de opinião no jornal Público ao qual deu o título de "Da força do poder ao poder da Força". Como gostei do texto e logo sublinhei as passagens mais relevantes, guardei esse jornal para mais tarde voltar a ele. Aconteceu hoje. Uma das suas principais ideias é que "num mundo cada vez mais complexo, são, paradoxalmente - ou talvez não -, as ideias mais simplistas, as narrativas mais primárias, que tomam a dianteira." Isto é de tal forma evidente que custa a crer que os poderes instituídos e seus representantes não se apercebam e não consigam contrariar e derrotar este ideário, mas mais do que comentar o texto, importa-me apenas partilhá-lo, naquilo que são, na minha opinião, os pontos-chave.

"Assistiu-se nas últimas décadas a um preocupante recuo da racionalidade e dos valores ilusionistas que projectaram a Europa como o principal baluarte da modernidade. Após o descrédito das ideologias que animaram a acção política ao longo do século XX: perante a falência do socialismo e do comunismo como sistemas alternativos ao capitalismo; com a erosão do sentido republicano e da social-democracia; o desgaste da cultura democrática em benefício dos identitarismos; são, todas elas, tendências que parecem empurrar-nos para um vazio de valores, de referências, de visão estratégia e, num certo sentido, para a rejeição da própria política na sua acepção mais nobre."
[...]
"Cada vez mais gente adere a posturas arrogantes dos poderosos e foge das personagens mais cultas e inteligentes. Porquê? Estão em marcha poderosos mecanismos psicossociais que se difundem na sociedade, reformatando as mentalidades dos cidadãos - ou pelo menos contigentes cada vez maiores -, tornando-os seguidores incondicionais de líderes autoritários e potenciais súbditos de futuros tiranos. A revolução informática e digital, dominada pela lógica neoliberal, está a tornar-se um poderoso instrumento no desmantelamento da cultura política democrática. Em vez de uma democracia electrónica, em vez de se usar esses meios como ferramentas ao serviço da transparência e da participação cidadã, eles são cada vez mais apropriados pelos interesses dos grandes negócios que manobram influenciares, sistemas algorítmicos e redes digitais com vista a maximizar lucros e docilizar públicos massificámos e alienados."
[...]
"Cresce uma vontade indómita de obediência dos fracos e ignorantes em relação aos ricos e poderosos. Nesse contexto, o líder salvífico surge travestido de uma linguagem exultante, estimulando nos seus incautos apoiantes uma projecção identitária que é tanto mais incondicional quanto mais emocional e radical contra o "inimigo" (o sistema, a elite política, o que for). São principalmente essas camadas mais vulneráveis que aderem ao discurso de ódio, e que recusam a retórica intelectualizada e incompreensível do campo político da esquerda."
[...]
"O actual paradoxo da humanidade é que tende a acomodar-se na ideia fictícia de que a IA e o mundo digital virão repor a ordem e distribuir oportunidades a todos. Esses equipamentos incidem no cidadão comum criando uma vertigem descontrolada de deslumbramento, a qual esconde o lado sombrio desta brilhante inteligência. Ela obedece a programas que, sob a capa de um acesso fácil ao conhecimento, promovem indivíduos intelectualmente limitados e despojados de sentido crítico, subtilmente conduzidos a aderir a modelos de consumo pré-formatados, seja no plano material, seja na oferta discursiva que dá expressão às grandes frustrações de pessoas ressentidas.
A revolução digital é suportada pelo poder do algoritmo, que é estrategicamente orientado; destina-se, por um lado, a suprimir o trabalho humano numa imensa variedade de sectores, mas, por outro lado, contribui objectivamente para moldar o nosso gosto, as nossas escolhas e servir os grandes centros de poder que controlam esses meios e as redes digitais em geral."

um enigmático estrangeiro


Há anos que ambicionava e ia procurando este livro. Trata-se de um relato de um estrangeiro, súbdito de Sua Majestade Britânica, sobre a sua curta estadia e vivência numa pequena aldeia (Coleja) do Alto Douro transmontano, nos finais da década de 1930. Um dia destes o meu amigo Rui Leonardo, de Torre de Moncorvo, enviou-me mensagem dizendo: "Luís. Escrevo só para te dizer que arranjei-te hoje a revista (nº 7 da revista Memória Rural) e o livro do Gibbons. Depois faço-tos chegar. Abraço." Depressa arranjei maneira de nos encontrarmos e, para além de receber esses presentes, ainda pudemos almoçar e pôr a conversa em dia. Bem hajas Rui.

15 março 2025

ao espelho

Ontem, dia 14 de Março, entre as 18 e as 20 horas, no edifício da Câmara Municipal de Bragança, numa iniciativa da UNED (Universidade Nacional de Ensino à Distância - Zamora), convidado para falar sobre Memória, Imaginários e Patrimonialização Jacobeia. Partilho alguns momentos "roubados" das redes sociais" da autarquia brigantina.




13 março 2025

dizem que vou lá estar


Convite

Exmo.(a) Senhor(a)
No âmbito do Curso “Caminhos de Santiago: o Caminho Português da Via da Prata por Zamora, Trás-os-Montes e Orense”, o Presidente da Câmara Municipal de Bragança, Paulo Xavier, incumbe-me de convidar V. Ex.ª para assistir ao evento, que decorrerá amanhã, sexta-feira, 14 de março de 2025, na Sala de Formação do Município de Bragança (Portugal), das 18h00 às 20h00 (Hora portuguesa) / 19h00 às 21h00 (Hora española).
Se não puder estar presente, pode acompanhar este curso ao vivo, através do seguinte link de streaming:
O curso é de acesso livre por ser gratuito, bastando no momento do início da conferência (18h00 em Portugal, 19h00 em Espanha) clicar no botão “play” e terá acesso ao vídeo. Caso queira aceder ao chat para interagir ou enviar alguma dúvida é necessário fazer login, o que significa que deve estar inscrito no curso (diretamente neste link:https://extension.uned.es/actividad/idactividad/43347 ou entrando em www.unedzamora.es) e estar cadastrado no portal UNED INTECCA (anexamos um pequeno guia de ajuda para conexão). 
Mais me incumbe de solicitar a vossa melhor divulgação junto de potenciais interessados.

27 fevereiro 2025

ainda, sempre, a luta

21 fevereiro 2025

abortar já a lei dos solos

Ouvi esta manhã no rádio do carro, enquanto dava as voltas da rotina matinal, que o ministro Castro Almeida também tinha uma quota numa sociedade imobiliária e que só a vendeu na semana passada. Diz ele que o fez, porque percebeu que essa participação poderia ser associada a qualquer benefício com a nova Lei dos Solos e, portanto, tratou logo de resolver o assunto.
Esta gente deve pensar que somos todos parvos. Se não queria ter problemas teria vendido essa participação quando aceitou fazer parte do governo. Esta atitude de esperar para ver se ninguém repara é uma desonestidade e, digo eu, prática corrente tanto no presente como em governos pretéritos.
Depois querem que alguém acredite que esta Lei dos Solos não foi promovida para beneficiar alguns deles?! Claro que foi e percebe-se isso muito nitidamente com estes manifestos conflitos de interesses entre governantes e negócios privados. A hipocrisia de venderem a ideia de que esta lei resolveria o problema da habitação em Portugal é um crime que lesa o Estado, mas jamais alguém será responsabilizado por ele.
A estratégia da extrema-direita com a moção de censura ao Governo não é aceitável e percebe-se o objectivo de desviar a atenção dos problemas que a bancada do Chega, pejada de criminosos, está a ter com a justiça, mas estas atitudes dos nossos governantes só fazem crescer a desconfiança dos cidadãos e atiram-nos para os braços de todos os populismos.
Esta lei dos Solos deveria ser abortada já.

20 fevereiro 2025

assim, sem limites

"Em escassas décadas, a democracia norte-americana foi capturada por uma oligarquia possuída por uma avidez predatória sem limites. As instituições pioneiras da democracia representativa transformaram-se em instrumentos de forças poderosas, que ameaçam o futuro dos EUA e a sobrevivência de sociedades organizadas à escala planetária."
Viriato Soromenho-Marques, in jornal de Letras nº 1418, Fevereiro 2025.

14 fevereiro 2025

vigiar e punir


Aí está, ao bom estilo Foucaultiano, temos o governo da nação a anunciar, com pompa e circunstância, a construção de "centros de detenção para migrantes ilegais". E nada mais solene do que um ministro da Presidência gritar para o mundo: "É importante que o mundo saiba que acabou a política de portas escancaradas". Muito bem senhor ministro, o mundo fica não só a saber, como fica absolutamente rendido a tamanha sapiência e determinação. De facto, nada mais decente e eficaz do que prisões para resolver o não-problema das migrações. Será o pretexto ideal para retirar da nossa vista a diferença que tanto incomoda a alguma gente. Esta deriva securitária é mais uma vitória para a extrema direita nacional, que consegue indelevelmente influenciar a este ponto a política do governo do PSD.
Ao alto, fotografia da notícia do jornal Público desta Sexta-feira.

em suporte talão

Um agradecimento especial ao pequeno Manuel por este registo, artístico e que desde logo se transformou numa recordação, ainda que esbatida, mas sei, plena de carinho.

boa e má consciência

É de lixo que se trata e da boa e má consciência em relação à sua produção. Há muitos anos que faço reciclagem do lixo que fazemos cá em casa e essa é a boa consciência de quem percebe que essa é uma responsabilidade individual e cidadã. Mas esta boa consciência traz consigo, inevitavelmente, o lado mau e que tem trazido problemas de consciência crescentes. A quantidade de plásticos, vidros e papeis/cartões que se acumulam diariamente, numa habitação em que moram quatro pessoas, é um absurdo. Nem sequer vou referir a questão financeira, ou seja, quanto dinheiro se gasta nessas embalagens, materiais e formatos que nos vendem agarrados aos bens que realmente precisamos? O que mais me preocupa é mesmo a dimensão da coisa. Apesar de não ser tarefa fácil, aqui sim, precisamos de um decrescimento.

13 fevereiro 2025

evolução no feminino

"Os corpos femininos dos mamíferos são exactamente onde a evolução acontece, são estes os corpos que criam os bebés, é este o verdadeiro motor da evolução. É muito estranho [a mulher] ter sido uma personagem secundária durante tanto tempo em quase todas as histórias sobre a evolução."
Cat Bohannon, in jornal Público, 10 Fevereiro 2025.

07 fevereiro 2025

a quem possa interessar...


Eu ainda não decidi, mas estou a ponderar participar.

prioridade para as nossas cabeças governativas

Ontem, dia 6 de Fevereiro, no jornal Público, Luísa Semedo coloca questões importantíssimas para a nossa existência actual e possíveis futuros. Para quem possa interessar-se, deixo a digitalização do artigo na íntegra.

05 fevereiro 2025

gaza, a Reviera do Médio Oriente

Já estamos habituados às travessias, aos desvarios e aos inusitados pronunciamentos do actual presidente dos EUA, mas as suas declarações mais recentes sobre Gaza são uma plena aberração, um manifesto hostil e um pronunciamento sobre o ímpeto imperialista que com esta administração ganhou alento e se instalou na Casa Branca. Donald Trump afirmou, estando ao lado do primeiro-ministro israelita, que os EUA querem assumir o controlo da Faixa de Gaza, querem expulsar definitivamente de lá os palestinianos, obrigando "países amigos e solidários" a criar as condições necessárias para os receber, e reconstruir o enclave, um lugar magnífico e com vistas para o mar, para o transformar num resort de luxo "a Reviera do Médio Oriente", para vender ao turismo.
Para além da estratégia comunicacional, mais do que conhecida, de entrar a pés juntos para chocar e escandalizar quem o ouve e, depois, parecendo que está a recuar, efectivar um outro plano atenuado, mas mais ou menos semelhante, estas declarações de Trump são uma apologia do extermínio e genocídio do povo palestiniano. Mas mais, são a concretização de um plano que há muito o governo sionista de Israel tem vindo a seguir e a praticar, numa atitude paradigmática daquilo que Hannah Arendt denominou de banalização do mal. Resta saber se o resto do mundo vai permitir, ou se vai reagir?

04 fevereiro 2025

magnífico locus etnográfico


Não é novidade, nem surpresa. É algo sabido, previsível e até expectável, mas resulta sempre em algo novo, singular e peculiar.Vir a uma repartição pública, em especial à Segurança Social, logo pela manhã é uma experiência pela qual todo o cidadão deveria ser obrigado a passar. Eu, nestes meses entre Dezembro e Fevereiro, conto já cinco visitas e em todas elas fui obrigado a esperar mais de duas horas para ser atendido (hoje já estou à espera há cerca de uma hora e meia e ainda tenho 22 pessoas à minha frente), mas eu sou paciente e consigo, de alguma forma, transformar em útil e rentável este tempo "morto". Entre leituras, sublinhados e comentários, pequenas notas e apontamentos, o que mais gosto é estar atento à polifonia, nalguns momentos caótica, que existe sempre, como que uma música de fundo que não nos deixa dormir ou abstrair deste lugar, protagonizada muitas vezes por personagens caricaturais.
Hoje fui arrancado da leitura do jornal diário por uma voz grossa e estranha que, exaltada e proveniente das mesas de atendimento, se fez ouvir em todo o piso. Só pude ver o segurança a dirigir-se ao local e, a partir desse momento, uma discussão de tolos, entre alguém a falar numa língua estranha entremeada com algumas palavras em português e alguém a tentar acalmar a situação. Passados não mais de 10 minutos aparecem na sala de espera dois polícias acompanhados por um indivíduo que, pela aparência, terá proveniência, como agora se diz, no Indostão. Os polícias interrogavam-no, pediam identificação, documentos e ele, evasivo, não apresentava nada, apenas mexia no telemóvel querendo mostrar algo, pelos vistos sem qualquer interesse para a autoridade, que insistia em pedir-lhe identificação do país de origem (depois acabou por dizer que era indiano), e o papel da residência temporária. Não mostrou nada, nem houve sequer uma comunicação mínima entre eles. Os polícias, já fartos, pediram-lhe para os acompanhar para a rua e levaram-no não sei para onde.
Conto este episódio, porque este incidente foi motivo, de imediato, para uma intensa e animada discussão, em voz alta, entre alguns dos mais de quarenta utentes que, tal como eu, aguardavam na sala de espera a sua vez. Infelizmente, não registei a conversa e apenas me esforcei por reter aquilo que mais gostei.

Senhora A (meia-idade, diria eu com sessenta e poucos anos, que passou o tempo para trás e para a frente, a fazer e a receber chamadas, muito ocupada, com certeza): 
"- isto é uma pouca-vergonha! Vem esta gente de fora e chegam cá e têm tudo. Trabalho, casa, dinheiro, subsídios... e depois ninguém os consegue tirar de cá!"

[ fez-se silêncio na sala, algumas pessoas acenaram positivamente com a cabeça, outras assobiaram para o lado e eu, eu hesitei em pegar ou no telemóvel, ou no caderno, mas este dava muito nas vistas e com o telemóvel, seria só mais um... comecei a escrever estas linhas ]

Senhora A:
"- e digo-lhe mais (já a dirigir-se para uma outra senhora que lhe tinha dado atenção com a expressão corporal), dão tudo a essa gente que vem de fora, muitos deles nem querem trabalhar, e nós, e os nossos, não temos direito a nada."

[ mais silêncio e mais concordância ]

Senhora A:
"- Mas eu não tenho nada contra pessoas que venham para cá, coitados, para viver melhor, mas olhe... eu, se depender de mim, voto no Chega e no André Ventura que, vocês vão ver, manda logo esta escumalha para a sua terra. Acaba logo com esta pouca-vergonha."

[ aqui o silêncio incómodo transformou-se numa indignada e caótica altercação entre diferentes perspectivas sobre o assunto, com algumas vozes femininas e de travo exótico a insurgirem-se perante tais afirmações ]

Senhora B (jovem, negra, pelo timbre de origem africana, atrás de mim):
"- que conversa é essa?! Mas quem é que me manda embora?! Isto é seu? Isto é tanto seu como meu. Deixa de conversa!"

Senhora C (quase idosa, pelas vestes, cigana, que foi anuindo ao que a senhora A foi dizendo):
"- andam sempre atrás de nós, temos de andar sempre a correr para aqui e para ali, para conseguirmos aquilo que temos direito. Depois, chegam estes e não respeitam ninguém..."

Senhora D (jovem, negra, também de origem africana, que se levanta porque foi chamada, e ao passar pela senhora A, atira):
"- tu és muito inteligente caramba. Nunca vi ninguém como tu. Parabéns! Tem vergonha!..."

Senhor E (meia-idade, ou melhor, idade de reforma ou pré-reforma, baixa estatura, bigodaço russo, talvez pelo excesso do cigarro, e cara carcomida pelos consumos e pela vida, casaco de cabedal, brinco na orelha, cabelo raro escovado e molhado para trás - "cabelo à foda-se", portanto - que levantando-se e aproximando-se da senhora A, comenta):
"- não vale a pena... não são os portugueses, ou os chineses, ou os indianos, são alguns indianos, ou alguns chineses, ou alguns portugueses. A senhora não pode falar assim. Deixe lá essa merda."

[ enquanto estas falas aconteciam, várias outras pessoas entabularam conversas paralelas, o que fez vir o segurança espreitar e, sorrindo, pedir calma. Mas ninguém lhe ligou patavina e continuaram alegremente a desdizer-se, até que uma voz feminina, tranquila e com sabor do Brasil, sentada ao meu lado, disse: ]

"- Calma minha gente. Até Jesus emigrou!"

[ olhei de lado para ela e registei logo a frase, pois percebi de imediato o seu potencial para terminar este instante urbano ]

Post-Scriptum: são 11:15 horas, estou à espera há mais de duas horas para ser atendido e ainda tenho 10 pessoas à minha frente. Paciente e satisfeito pelo proveito da manhã, aguardarei a minha vez.

03 fevereiro 2025

espaço e coisas

Um dos dramas de muitos espécimes como eu é o espaço. Espaço que precisamos e não temos, não alcançamos e não conseguimos descobrir. No meu caso, não é de hoje, nem sequer de ontem, mas a situação tende a agravar-se e começa a ganhar dimensões inaceitáveis. Aquilo que seria suposto ser agradável e até uma decoração aceitável, transformou-se num tremendo amontoado de difícil gestão. Não tenho espaço suficiente para albergar tudo quanto tenho e, sabendo que vou continuar a ter mais, a situação será impossível. Há que encontrar uma solução antes que a casa, quase toda, se transforme num depósito de coisas minhas. Sem desespero, mas muito lá perto.

amor sem amor

Nas voltas da rotina matutina, ouço no noticiário que o presidente dos EUA pretende implementar taxas alfandegárias aos produtos oriundos da União Europeia, tal como já fez para produtos oriundos de outros países como a China, o Canadá ou o México. Pelos vistos isso é mau, mas para um leigo como eu, a coisa resolve-se parcialmente se a União Europeia fizer o mesmo, ou seja, agravem-se as taxas dos produtos importados dos EUA. Bem sei que quem se vai tramar é o "mexilhão", ou seja, o consumidor, mas para ímpetos amorosos como este, só com amor se deve retribuir.

01 fevereiro 2025

#02 NCR - "Neo Rurais"


Aí está o segundo episódio do podcast "Novas Conversas Rurais", gravado em Gondomar, com o Professor Paulo Castro Seixas. Conversa que partiu do conceito de "Neo-rurais" e alcançou várias dimensões das paisagens rurais actuais.

31 janeiro 2025

quinta conferência bienal internacional de antropologia do ambiente


Na sala Algarve, da Sociedade de Geografia de Lisboa, ao lado do gigante, meu homónimo, Luís Vaz de Camões.


A comunicação que apresentei com o meu irmão Ricardo, nesta conferência. O outro autor, o irmão Daniel, não conseguiu estar presente.


Os manos vieram à capital do Império...

30 janeiro 2025

29 janeiro 2025

carácter, deslumbramento ou ganância?

Devo começar por dizer o seguinte:
Conheço pessoalmente Hernâni Dias, o agora ex-Secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território. Conheci-o algures durante a década de noventa, eu enquanto presidente de uma associação cultural aldeã do concelho de Vinhais, ele enquanto presidente da delegação regional do IPJ - Instituto Português da Juventude, em Bragança. Depois, mais tarde, entre 2005 e 2013, voltei a cruzar-me com ele nos meandros da actividade política no concelho de Bragança. Se a memória não me atraiçoa, entre 2005 e 2009, aquando do meu primeiro mandato na Assembleia Municipal de Bragança, ele era presidente da Junta de Freguesia da sua aldeia natal - Sendas (concelho de Bragança), e também chefe de gabinete do então presidente da Câmara Municipal, o Eng. Jorge Nunes. No meu segundo mandato, entre 2009 e 2013, ele foi Vereador do último executivo camarário de Jorge Nunes. Depois disso, ele foi o escolhido para candidato do PSD à Câmara Municipal e venceu as eleições de 2013 e aí permaneceu até um pouco antes de ter sido eleito deputado nas últimas eleições legislativas, em Março de 2024. Durante esse período, enquanto presidente da autarquia bragançana, e porque eu não fui mais eleito, pouco contacto tive com ele, mas sempre que nos encontrávamos saudávamo-nos cordialmente. Para além das discordâncias políticas, tenho Hernâni Dias como uma pessoa séria e competente.
Dito isto, esta sua demissão é inacreditável. Vou tentar apresentar aquilo que é a minha percepção desta situação e outras semelhantes. Começando por conceder ao Prof. Hernâni Dias toda a presunção de inocência, aquilo que tem vindo a público não abona muito a seu favor. Caramba, o que passará na cabeça de alguém que já tem poder, que fez um percurso político e uma ascensão rápida até este lugar executivo, que é inteligente e conhece a lei, sendo Secretário de Estado que tutela a Administração Local e o Ordenamento do Território e esteve envolvido na recente e polémica Lei dos Solos (Decreto-Lei 117/2024, de 30 de Dezembro), um dia acordar e pensar: - Vou montar um, talvez dois negócio(s) no ramo da imobiliária!
Sinto-me muito incomodado por situações como esta, e por constatar que ela é recorrente envolvendo pessoas que são oriundas de Trás-os-Montes. Claro que não poderei, nem deverei generalizar, nem será um fenómeno exclusivo desta região, mas não é a primeira, nem a segunda vez que isto acontece. O que se passa com esta gente?!... De repente, lembro-me dos casos de Carla Alves (PS) e Secretária de Estado por menos de 24 horas, de Armando Vara (PS) com inúmeros problemas com a justiça decorrentes da sua acção governativa, de Isaltino Morais (PSD), também condenado pela justiça, de Duarte Lima (PSD), envolvido em tanta porcaria e crimes que nem é bom lembrar, entre outros.
Tanta recorrência, leva-me a questionar: Será deslumbramento? Será ganância? Ou será mesmo uma questão de carácter?, mas leva-me também a concluir: Estes são os verdadeiros espécimes que representam o espertismo e o provincianismo que tanto grassa pelo país e suas instituições.
Onde há fumo, normalmente há fogo e, ao mesmo tempo, à mulher de César não basta sê-lo, tem que o parecer. Estes serão dois ditos que se encaixam nesta situação em que, no mínimo, a ética no desempenho das funções em questão não foi salvaguardada. Mais tarde saberemos da culpa ou inocência de Hernâni Dias, mas no entretanto a mancha já marcou e entranhou.

27 janeiro 2025

a travessia


Série que vai estrear hoje na RTP (a seguir ao telejornal), de seis episódios, e que contará a história da primeira travessia aérea atlântica de Gago Coutinho e Sacadura Cabral, entre Lisboa e o Rio de Janeiro, em 1922. Estou curioso, vou espreitar.

a preguiça

"A preguiça, aliás, é uma das soluções mais inteligentes que há: é uma tentativa de fazer o menos possível sem pôr em causa a nossa sobrevivência - ou mesmo a nossa qualidade de vida."
Miguel Esteves Cardoso, in jornal Público, 27 Janeiro 2025.