08 agosto 2025

preparativos

É sempre com alguma ansiedade e considerável expectativa que organizo a minha "tralha" e me preparo para sair de casa durante períodos longos, como acontece quase sempre no mês de Agosto. Pelo menos três semanas sem vir a casa é tempo considerável e, por isso, tenho sempre que me precaver para não vir a sentir falta de alguma coisa importante. Entre praia e campo ou montanha, as próximas semanas servirão, espero eu, para apenas viver e, sem qualquer constrangimento, fazer aquilo que bem me apetecer. Os bens essenciais estão já acondicionados e a selecção de leituras que pretendo realizar está quase fechada. Nas imagens, aquilo que vou levar comigo para ler, faltando um ou outro item que irei ainda adquirir, aproveitando um pedido da minha filha: "- Pai, preciso que vás à FNAC comprar-me três livros..." Claro, como bom pai que sou, irei com todo o gosto e aproveitarei para saciar também lacunas de última hora. Enfim, resta dizer que a ansiedade e expectativa que inicialmente referi resultarão, com grande probabilidade, em relativa frustração, mas não faz mal. Boas férias.


03 agosto 2025

acontece

"Há um ritual airaniano de escrita?
Não diria que se trata de um ritual. Em todo o caso, é um ritual negativo, que consiste numa resistência quase invencível a começar a escrever todos os dias. Não sou só eu, porque ouvi Manuel Puig dizer que, ao sentar-se à secretária, com a obrigação vocacional e profissional de escrever, começava a organizar papéis, consultar a agenda, afiar o lápis, qualquer tarefa inventada para adiar o momento de escrever. Acontece ao outros, a mim também, mas pior. Posso passar o dia inteiro a hesitar. Depois, uma vez ultrapassado o limiar, tudo é fácil. O difícil foi antes, no vazio. Não é fácil compreender, já que escrever é o que mais gosto no mundo. [...] O curioso é que essa resistência é tanto mais forte quanto mais claro tenho o que quero escrever, quando sei o que vou pôr e as frases já estão a formar-se na minha cabeça... Nesses casos, torna-se mais difícil do que nunca começar, sinto-me inútil, a escrita material torna-se redundante porque o mental é igualmente real. [...]
Quanto aos cafés... têm uma função nessas neuroses divertidas. Se vou a um, com o meu caderno e a caneta, inevitavelmente faço alguma coisa. E eles servem mais do que o isolamento e o hábito. [...] A minha biografia como escritor poderia ser resumida num lento e seguro processo de correcções. Quando era jovem, aparentemente tinha total confiança no meu talento, escrevia depressa e deixava tudo como estava. Depois comecei a duvidar, a corrigir e a corrigir novamente o que tinha corrigido. Agora passei para um estágio superior, já não me basta corrigir: reescrevo. [...]
A leitura tem sido a minha actividade mais constante. Poderia ter sio a única, se eu nunca tivesse resistido ao prazer de escrever. [...] São esse tipo de escritores que, quando os leio, sinto que estou a escrever."

César Aira, escritor argentino, em entrevista a Isabel Lucas, in Ipsilon, Jornal Público, 1 Agosto 2025.

31 julho 2025

autêntico inferno


Vivo nesta casa há quase vinte anos e em cada Verão o desespero é o mesmo, calor, muito calor. Vivo num segundo e último andar de um prédio com apenas seis habitações, sem varandas e com uma exposição solar tremenda. Acresce que, por ser o último andar, temos por cima uma cobertura de telas, alcatrão e cascalho que acumula calor durante todo o dia e o liberta durante toda a noite. Vivo, nos meses de Verão, numa autêntica sauna, com temperaturas médias diárias de cerca de 29 graus (na fotografia a temperatura neste momento, às 11:20 horas...), onde até o chão está quente e nem sequer posso abrir janelas e levantar persianas. O pior é que não consigo encontrar antídotos para este inferno que, lentamente, nos vai cozendo o cérebro e as células. Não sei o que fazer, apenas sair daqui e viver num local fresco e à sombra.

29 julho 2025

modas e resistências

É crescente o número de pessoas à minha volta que, ao trocarem de automóvel, têm optado por comprar veículos eléctricos. Numa tendência generalizada e até célere, temos vindo a assistir à substituição da combustão a energias fósseis por energias ditas menos poluentes e menos agressivas para o planeta (greenwashing?). Eu nada tenho contra, apoio essa alteração de paradigma e gostaria de poder contribuir mais para ela, mas no que diz respeito aos automóveis, e pelo que tenho percebido das experiências daqueles que me rodeiam, a coisa não é bem como a pintam, o que só vem reforçar a minha percepção de que esta nova tecnologia (electrificação) não será a definitiva. Vários sintomas contribuem para esta percepção:
- É uma tecnologia cara, muito cara, o que impede a sua socialização, massificação ou democratização;
- As autonomias são uma anedota, impedindo viagens que ultrapassem os limites das grandes cidades;
- Veículos com autonomias interessantes são, de caros, inacessíveis;
- Na estrada permanente e obsessiva atenção com o consumo a cada momento (hi-fi, bluetooth, música, telefone, ar condicionado, velocidade, etc., etc., condicionam fortemente a duração das baterias;
- Rede de abastecimento pública inexistente em parte do território do país e muito reduzida em muitas zonas urbanas, o que significará ausência de investimento (certeza e projecto) nesta tecnologia;
- Durabilidade das baterias eléctricas - prazos de validade (garantia) curtos, obrigando a cada 6, 7, 8 anos, nalguns casos nem tanto, à sua substituição, significando um investimento acrescido (quase o preço de um automóvel), ou então à troca de automóvel com essa periodicidade;
- Muitas marcas de fabricantes automóveis estão já a rever a sua estratégia de produção e comercialização, e algumas marcas que tinham apostado tudo ou quase na electrificação, estão a regressar à produção de motores a combustão;
Curiosa é também a atitude de muitos daqueles que fizeram esta escolha e que apesar de terem alterado substancialmente o seu comportamento (planeamento, duração, disponibilidade, paciência), não reconhecem as fragilidades desta tecnologia e, antes, adaptam o seu discurso às exigências da própria tecnologia, ou seja, reorganizam a sua vida em função das necessidades do seu automóvel. São poucos, mas conheço quem tenha feito esta opção e, rapidamente, se tenha apercebido do passo em falso e da pouca aplicabilidade e razoabilidade desta opção, tendo regressado, ainda que com perdas significativas de dinheiro, aos motores a combustão.
Portanto, e sem querer ser um velho do Restelo, não estou disponível para esta nova realidade. Não faz ainda sentido para mim. A não ser que seja imposta ou evolua significativamente, irei aguardar e, no entretanto, se tiver que trocar de veículo, algo que mais cedo que tarde vai acontecer, irei permanecer no diesel ou na gasolina.

remanso e leituras

Nesta altura aproveito sempre para organizar o meu acervo pessoal (poderia já chamar-lhe biblioteca, mas não quero parecer, ou ser, pretensioso). Já desde o mês de Abril que os livros chegavam e ficavam numa pilha à espera de serem "incluídos" e, por isso, nestes dias tenho estado a tratar disso. O primeiro passo é sempre digitalizar as capas de cada livro e é nesse momento que consigo saber o número de livros que estão à porta, sem entrar... desta vez são cerca de sessenta espécimes, entre Saramagos, Chimamandas, muita Galiza, mais um de Luíz Pacheco e antropologias várias... Mas é também nestes momentos em que volto a olhar, com atenção, para cada um deles, que me apercebo da quantidade crescente de livros que tenho para ler e nem as próximas semanas de remanso permitirão alterar essa situação.

aqui estou

Agora que o ritmo diminui e as obrigações ou compromissos vão desaparecendo da agenda e são substituídos por longos espaços em branco, facto este que tem duas leituras possíveis: a primeira é que estão aí as férias e vão-se ausentando os contactos e a convivência; e a segunda é que estou a entrar naquele período, cíclico, em que perco o chão e fico como que perdido, sem saber muito bem como me comportar ou agir. A ideia de férias é sempre agradável, mas sinto-as como um desconforto e com estúpida ansiedade por regressar ao "tempo normal", aquele em que tenho prazos, compromissos aqui e ali e, não consigo explicar de outra forma, os ponteiros do relógio retomam a sua cadência normal.
Agora, aqui, sentado numa esplanada à beira mar, enquanto o meu adolescente brinca e se diverte com um primo na praia, reflicto sobre tudo isto e, sem conseguir chegar a uma conclusão ou definição da anormalidade que a minha atitude é ou representa, sei, com toda a certeza, que gosto de sombra, de vento, de frescura e de estar à beira mar, tanto de Verão como de Inverno, mas ao mesmo tempo não me sai da cabeça tudo aquilo que tenho e quero ler, tudo o que tenho e quero escrever. Sem o estar a fazer, aqui estou.

23 julho 2025

ao espelho

agradecendo à Cristina...



Apresentação Livro,
IX Congresso da Associação Portuguesa de Antropologia
Viana do Castelo, 16 de Julho de 2025

por Cristina Sá Valentim


Neste livro, o Luís realiza uma etnografia dos processos de nomeação coletiva que têm lugar no nordeste de Portugal, em Trás-os-Montes. Estes processos referem-se a nomes atribuídos a pessoas e que localmente são reconhecidos, de forma consensual ou não, pela comunidade que os atribuiu ou recebeu. Por exemplo, as alcunhas são a tipologia mais conhecida de nomeadas coletivas.
Apesar de serem processos não específicos do território transmontano, adquirem nesta região, segundo o autor, a dimensão de um “particularismo cultural”, ou seja, e cito, “uma manifestação que apesar de não ser exclusiva da região, adquire aí contornos específicos e diferenciadores.” Foi partindo desta hipótese que o Luís fez um levantamento exaustivo e uma reflexão cuidada sobre as tipologias mais representativas das nomeadas coletivas, averiguando onde e como se desenvolvem, e quem as mobiliza e para quê. Recorre à antropologia cultural e social para entender a complexidade dos processos de identidade, de nomeação e de alteridade, como também aos estudos de memória e aos estudos críticos do património.
O Luís partiu para o terreno para tentar responder a várias questões que elenca na página 17 do seu livro. São mesmo muitas questões, e eu vou sintetizar a questão central que o livro me coloca. E que é:
Até que ponto a atribuição de nomeadas coletivas pode ser um ato diferenciador, isto é, uma prática que, inserida em relações de poder desiguais, cria fronteiras para incluir e excluir indivíduos de fazer parte de um coletivo, e assim regula sociabilidades e sociedades. Ao mesmo tempo, de que formas a atribuição e manutenção de nomes coletivos implica a produção de discursos de identidade e de conhecimento distintivos de uma comunidade, e que são transmitidos pela oralidade ao longo de gerações. Por fim, como essa prática social integra processos de memorização coletiva de um património cultural em constante resignificação e reconfiguração.
O Luís mapeia, descreve, interpreta e problematiza tudo isto com muita competência, generosidade e criatividade, como deve ser em Antropologia.
Depois de introduzir o leitor na temática das nomeadas coletivas, o Luís apresenta o enquadramento teórico que mobiliza para a sua reflexão, apresentando alguns conceitos que foram úteis para entender as nomeadas coletivas, entre os quais Cultura, Património, Nomes (ou o processo da Nomeação), a Memória, a Metáfora e a Metonímia, e a Tradução Cultural.
A seguir, através de uma descrição e interpretação etnográfica, ficamos a conhecer os processos de atribuição de nomes a terras, a pessoas, a grupos, a lugares, a pessoas naturais de certas localidades – por exemplo, não sabia que “os de Mirandela” são chamados de “repolhos”; mas sei que os de Mirandela chamam “peleiros” aos de Carção e “narros” aos de Bragança. Também há nomes atribuídos a animais domésticos e de trabalho, e até a objetos e a dias da semana, do mês e do ano.
O livro do Luís diz-nos que nada disto é aleatório. Como o Luís argumenta, tudo isto tem um sentido porque não é mais do que a manifestação da dimensão relacional e processual, e não essencialista, que define as identidades pessoais, coletivas, culturais e sociais. Isto é, as nomeadas coletivas fazem parte do processo da individuação que nos forma enquanto pessoas situadas no mundo. É o que o psicólogo e filósofo norte-americado George Herbert Mead (1934) nos lembra desde a década de 30 através dos seus trabalhos sobre o comportamento social: que as pessoas vão criando e validando o sentido de si (o self) através da interação com “outros significativos” e com o “outro generalizado”, no sentido da sociedade onde estão inseridos. Como também os sujeitos vão definindo as suas pertenças identitárias a grupos através da criação de fronteiras simbólicas mediante lógicas de recriação e manutenção de identidades sociais, vistas por oposição e em dualismos de puro/impuro, limpo/sujo, ordem/desordem, de modo a recriarem o seu lugar no mundo. Ou seja, eu diria que as nomeadas coletivas são uma prática política.

"ninguém nasceu para ser servil e morrer"

Num destes dias e nas voltas pelas estradas e ruas da urbe, enquanto levava ou trazia alguém, ouvia na Antena 3 a inconfundível voz de Anibal Luxúria Canibal, dos Mão Morta, a cantar repetidamente o refrão de uma das suas mais recentes canções - "Viva La Muerte", com uma tal intensidade e cadência que fiquei eu próprio a cantá-la e, depois, a reflectir sobre o seu alcance e relevância. Sem querer aprofundar ou complexificar muito a questão, não posso deixar de afirmar aqui a minha visceral concordância com essa afirmação cantada em forma de slogan dos direitos humanos. A afirmação simples, é uma ontologia da nossa condição. De facto, há muito que a humanidade foi convencida que o trabalho, que trabalhar a soldo, dignifica a condição humana e que não cumpriremos o nosso devir se assim não nos comportarmos e existirmos, ainda que detestemos aquilo que nos couber. Uma falácia absoluta mas plenamente (universalmente) conseguida, pois vivemos acreditando que ser "servil" é um desígnio ou mesmo um determinismo para a nossa existência. Tenho certo que o trabalho, tal como o capitalismo o transformou e re-significou, não dignifica nada nem ninguém. Dignidade será sempre o respeito pela vida de cada um, sem humilhação, sem exploração e sem liberdade, que é, precisamente, aquilo que o trabalho a soldo foi, é e será.

21 julho 2025

agora sim, o fim

Afinal, saiu mais um número do Jornal de Letras (nº 1429), atrasado e, este sim, mais do que certo, o último. Partilho aqui parte do editorial de José Carlos de Vasconcelos, seu director desde o primeiro número, onde, mesmo não querendo, admite o seu fim e as razões que o trouxeram até aqui.

ler da, ainda, Primavera


Ainda que já na esta estação seguinte, saiu a LER. Irá comigo de férias em Agosto e far-me-á companhia nas sombras possíveis.

17 julho 2025

jornal de letras

Era sabida a dificuldade em que a publicação sobrevivia, mas ainda assim manteve a sua periodicidade sem interrupções. Foram vários os avisos do seu director e de alguns dos seus colaboradores de que o fim estaria próximo. Pois bem, pelos vistos confirma-se, o Jornal de Letras acabou. Há muitos anos que comprava, lia e guardava as edições todas e foi com pena que, ao ir procurar a nova edição (a nº 1429, a partir de 9 de Julho), me foi dito que já não iria sair. Foi, durante muito tempo, o único jornal em papel que eu comprei. Lamento muito, até porque o vazio que deixa não será facilmente recuperado.


(capa do último número nas bancas...)

10 julho 2025

sempre mais escola

Não poderia estar mais de acordo com a afirmação que titula estas palavras. É de uma clareza e firmeza programática que só a posso subscrever, enaltecer, agradecer e ambicionar. Esta afirmação é título de uma crónica de Valter Hugo Mãe no Jornal de Letras e porque é um texto bonito, sentido, mas também responsável e ideológico, não resisto a partilhar os sublinhados que nele fiz...

"A pergunta de saber o que fazer à escola devia ser colocada a todas as pessoas e respondida como se responde à própria vida. Cuidar da escola é cuidar de sermos ainda humanos. [...] Levamos décadas de governos que perigam a imagem do professor. [...] O que me incomoda é o inquinado de se atacar a classe educadora para se criar nas famílias a convicção de que apenas pagando a especulação poderão potenciaríamos nos filhos um futuro capaz. Incomoda-me que se especule com a mais elementar máquina de justiça da sociedade que é a formação intelectual e ética de cada pessoa. Não entender que toda e qualquer vulnerabilização dos professores é um boicote ao futuro dos alunos é ser-se de uma planura de ideias insuportável. O desprestígio da classe dos professores acarreta a desgraça das crianças e dos jovens. [...] São os alunos que deitamos a perder se destruirmos a docência e a solenidade da docência. [...] Não pode haver lógica na predação aos professores, senão a de criar massas humanas sem noção crítica e facilmente manipuláveis. Sem livros não há resistência à tirania. A falta de conhecimento é o dado fundamental da fragilidade social. [...] Povos fortes e longevos são povos de cultura, memória, conhecimento, sabedoria. [...] Não creio que um génio dê no Mundo sem uma nutrição profunda. Sem mestres e seriedade. [...] A escola prestigiada é o mesmo que uma sociedade prestigiada, é o mesmo que a decência. A verdadeira decência com quem somos e com quem virá a ser."
(Valter Hugo Mãe, in Jornal de Letras nº 1428, Junho 2025)

violação de privacidade

Depois de vários meses a adiar o momento, hoje foi dia de ir à procura de óculos e lentes novas. Depois de visitar uma outra óptica, entrei numa outra localizada no centro da cidade do Porto. Tirei senha e, depois de cerca de 10 minutos à espera, ouço chamarem pelo número da minha senha. Sou convidado a sentar-me, explico o que preciso, mostro a prescrição do oftalmologista e a menina, simpática, começa a trazer-me armações para experimentar e escolher. Terei experimentado dez a doze armações e, no fim, fiquei com quatro para escolher entre elas, mas logo referi que iria esperar pela chegada da minha mulher para saber da opinião dela.
Pois bem, quando chegou, comecei a colocar no rosto cada uma dessas quatro armações e, para meu espanto e até espanto da minha mulher, logo uma mulher que estava a ser atendida num outro balcão, se aproximou e começou a opinar sobre cada uma das armações que eu ia colocando. Mas num tom e com uma acertividade que mais parecia ser ela a minha mulher. Opinou, opinou, opinou e deu o seu veredicto final, para logo depois desaparecer, não sem antes comentar... "enfim, mas você é que sabe!", como quem diz, eu, que tenho extremo bom gosto, já decidi o que deve comprar, agora você faça o que entender, mas depois não se queixe.
A sério?!... Na troca de olhares com a minha mulher, pude manifestar a minha estupefacção por aquela inusitada intromissão.

17 junho 2025

num impulso

Conheci-a há pouco tempo, talvez dois ou três anos, e logo simpatizei com ela. Mulher negra, nascida na Nigéria, feminista e activista, bonita e bem falante, assim é Chimamanda Ngozi Adichie. Pouco ou nada li dela, a não ser uma ou outra entrevista, um ou outro texto e uma conferência TED que não só me prendeu os sentidos, como a passei a partilhar com os meus alunos. Um destes dias, e num impulso mais emotivo do que racional, comprei todos os seus livros disponíveis nas livrarias por onde passei. Agora, o mais difícil, encontrar tempo e espaço para ler tudo isto...

16 junho 2025

depois de Auschwitz, Gaza

Encontrei no suplemento Ípsilon, do jornal Público, da passada sexta-feira, dia 13 de Junho, esta opinião sobre a questão de Gaza. Eu que sou um leigo, mas que abomino o Estado Sionista, encontrei aqui uma opinião esclarecida, eloquente e bem fundamentada. Leiam, se fazem o favor.

05 junho 2025

eufemismo de estado

Leio na imprensa de hoje que Luís Montenegro, recém-eleito Primeiro Ministro, apresentou ontem o novo elenco governativo e, num ambiente de monótona continuidade, uma das principais novidades foi a criação de um ministério para a "reforma do Estado". Muito eu gostava de saber que reforma será essa, mas solenemente desconfio que tudo não passa de um eufemismo, que resulta ou é consequência directa da falta de coragem, leia-se cobardia, do Primeiro Ministro e da coligação que o suporta, para utilizarem o termo "privatização". Isto porque qualquer referência à palavra reforma, para os partidos de direita, só é entendida como uma metonímia, essa figura de estilo em que se utiliza uma determinada palavra em vez de uma outra, aquela que verdadeiramente querem significar. Aguardemos e veremos.

pai presente

Eu não sei o que a História dirá de mim, provavelmente nada. Nem sei se estou interessado nisso, ou se isso é realmente importante. O mais que certo será um desaparecimento anónimo e um completo esquecimento com o passar do tempo, tal como acontece à grande esmagadora maioria dos seres humanos, isto é, só haverá memória enquanto aqueles que nos conheceram não desaparecerem também.
Dito isto, e porque foi motivo de introspecção recente, tenho para mim que tenho sido um pai presente na vida dos meus filhos e tenciono continuar a sê-lo. Se mais não for, eles irão guardar de mim essa memória e, isso sim, é, em consciência, superlativo.
(escrito a 29 de Maio de 2025)

04 junho 2025

eu vou lá estar...

29 maio 2025

direito a vaguear

Encontrei esta ideia na "Poucaterra", revista dedicada ao acesso à terra, agroecologia e convivialidade, e que me chamou a atenção numa das últimas visitas à livraria Gato Vadio, na cidade do Porto. De facto, e tal como acontece em países nórdicos, a ideia de consagrarmos na lei o direito a podermos caminhar por todo o lado, seria uma alegre e feliz concretização para a liberdade, o bem-estar e o equilíbrio entre os seres humanos e o território, enquanto casa mãe que nos abriga a todos. Esse direito a podermos caminhar por todo o território, seja em montanha, floresta, monte, planície ou praia, exceptuando terrenos cultivados, traria consigo outras responsabilidades cidadãs, tais como o respeito pelos ecossistemas, não poluir e não estragar ou destruir a biodiversidade existente. Eu participaria activamente nesse esforço de regulamentação legislativa deste direito e votaria em quem o propusesse e defendesse.

27 maio 2025

irritação

Se há coisa que me irrita é a indiferença a que sou, a espaços, votado por quem tem por "obrigação" atender-me em cafés, bares ou esplanadas. Sentar-me e perceber que poucas mesas estão ocupadas, mas que os empregados estão muito atarefados a fazer não sei o quê; entretanto, perceber que à minha volta as mesas vão sendo ocupadas e logo depois, diligentemente, atendidas pelos mesmos empregados, enquanto eu continuo sem merecer essa diligência... é como se não estivesse ali. E o pior é que neste mesmo estabelecimento já não é a primeira, nem sequer a décima vez. Quando assim acontece, como hoje, tenho saído sem dizer nada. Não sei se será hoje, mas um dia destes, hei-de reclamar junto de alguém da gerência. Não é por nada, apenas irritação.

eu vou lá estar...

crescendo

Quando completo cinquenta e dois anos de vida, importa-me dizer que me sinto bem. Não conseguindo, nem querendo, escapar ao inevitável processo de envelhecimento biológico, a percepção é de que continuo a crescer. Sem mazelas físicas ou psicológicas, sem dores na estrutura (finalmente, a reumatologista acertou numa droga eficaz), com uma agenda recheada de desafios e tarefas que me aprazem. Sou um privilegiado, de bem com a vida.


(bilhete que recebi dos meus pais. Todos os anos, nesta data, me entregam ou enviam palavras de celebração e todos os anos eu as guardo. Tenho uma colecção delas que guardarei para sempre)

23 maio 2025

a luta continua

13 maio 2025

camionista, eu?

Se me querem ver tranquilo e satisfeito, ponham-me ao volante de um veículo que eu irei até ao fim do mundo. Não há viagem longa que me desagrade. O enorme prazer que é, ainda hoje, fazer-me à estrada e percorrer quilómetros e mais quilómetros, leva-me à seguinte ponderação: terei eu passado ao lado de uma brilhante e feliz vida de camionista?

09 maio 2025

indiferença e ausência

Estamos a meio do período de campanha eleitoral das eleições legislativas, que vão acontecer no próximo dia 18 de Maio e eu permaneço alheado de tudo, ou quase tudo, quanto se vai passando e não pretendo alterar essa condição de ignorância face ao desenvolvimento desta "corrida" politico-partidária. Claro que irei votar e não me resta qualquer dúvida ou hesitação sobre onde colocar a minha cruz, sendo que a única certeza que posso aqui partilhar é de que não irei votar, uma vez mais, na lista do ainda meu partido (BE). As razões para esta certeza são evidências e factos que em consciência não posso negligenciar ou omitir e, portanto, alguns dos nomes indicados não são dignos da minha confiança política, nem dignos de uma ética pessoal, humana e política que eu preconizo e defendo.
Por outro lado, aproveitando esta oportunidade e porque a talhe de foice, até para não voltar ao mesmo assunto mais tarde, importa-me partilhar a confirmação da percepção que tenho de que não temos um único líder partidário com qualidade. Os partidos são muito pouco exigentes e em todo o espectro partidário é sofrível o perfil e a qualidade dos seus líderes. Teremos o que merecemos.

05 maio 2025

ir aos livros

"Nunca foi tão fácil fugir da manada. Nunca foi tão fácil ser jovem. Basta abrir um livro. Basta entrar numa biblioteca. Basta habituarmo-nos à emoção e ao prazer de procurar e de encontrar. Por enquanto, a Internet é apenas um meio de transporte. Confiar nela é como confiar no que trazem os correios. Trazem muita coisa gira, mas são um acrescento. Não são um substituto. Continua a ser preciso ir aos livros."
Miguel Esteves Cardoso, in jornal Público, 2 Maio 2025.

"território, agressões e resistências"


Aconteceu no Sábado, dia 3 de Maio, em Vinhais e no Auditório do Centro Cultural do Solar dos Condes de Vinhais, a primeira jornada cidadã, organizada pelas associações locais, Uivo, Palombar e Tarabelo. A ideia surgiu no início do ano, em Lisboa, aquando da participação na V Conferência Bienal Internacional de Antropologia do Ambiente. Desafiado(s) pusemos mãos à obra e tratámos de encontrar os protagonistas para a sua concretização. Por pretendermos que este evento se realizasse o mais breve possível, construímos uma comissão organizadora com representantes de cada uma destas associações. Foi, por isso, um processo rápido e que se pretendia ágil. Conseguimos estabelecer 3 de Maio como a data de realização do evento e, portanto, tivemos pouco mais de dois meses para preparar tudo, desde o programa, convidar oradores, comunicação, parceiros, imagem e toda a logística. Importa referir que não tivemos qualquer apoio financeiro. A expectativa era alta, mas ao mesmo tempo, alguma incerteza existia quanto à receptividade das pessoas e, consequentemente, quanto ao sucesso da iniciativa.
Chegado o dia, desde cedo se percebeu que a nossa mensagem tinha chegado a muita gente, pois inscreveram-se perto de oitenta pessoas, não só da região, como de outras regiões e do país vizinho. Depressa o magnífico espaço do solar ficou bem composto com a moldura humana que se interessa e está preocupada com aquilo que nos propusemos debater e partilhar.
Algumas notas que considero relevantes sobre o evento:
- todos os oradores convidados compareceram;
- os painéis e suas comunicações motivaram a plateia a intervir e participar;
- o tempo de cada painel foi curto para as intervenções pretendidas;
- as "forças vivas" da região fizeram-se representar e, algumas, quiseram associar-se ao evento;
- curiosidade, os candidatos autárquicos desta próxima eleição, ainda em 2025, inscreveram-se e participaram nas jornadas;
- fomos felicitados, não só pela iniciativa, como pela qualidade da estrutura do programa e das comunicações realizadas;
Em jeito de balanço, agora que já algum tempo passou, eu diria que esta iniciativa foi um tremendo sucesso, não só pelo número de pessoas que participaram, como pela qualidade e pertinência dos temas abordados, como ainda pela representatividade dos problemas que os territórios têm enfrentado e que se traduzem na quantidade e variedade de manifestações, oposições e protestos dos cidadãos e organizações.
No imediato, a minha intenção será conseguir produzir os vídeos do evento para que possam ser partilhados por todos nas redes sociais e, depois, reunir todas as intervenções para tentar construir e editar umas actas das jornadas. Para além disto, considero que face ao sucesso do evento, teremos todas as condições para voltar a pensar num evento do género, claro que com mais tempo de preparação, com outro orçamento e com a colaboração de mais parceiros e com mais apoios institucionais.

[ comissão organizadora: Luis Vale, Sara Freire, Daniel Vale, Sílvia Vale, Ricardo Vale, Sara Riso ]

29 abril 2025

soberania energética

Tal como a esmagadora maioria dos meu concidadãos, fui surpreendido pelo apagão de ontem. Estava em casa e, no imediato, não relevei a situação e só quando comecei a interagir com familiares e amigos, que se encontravam noutras geografias do país, percebi a dimensão da coisa. Pessoal e até familiarmente, este inesperado acontecimento não foi problemático, nem causou grande perturbação nas rotinas quotidianas, a não ser o lanche improvisado, por impossibilidade de aquecer ou confeccionar a refeição da noite.
Mas atento e consciente da dimensão do problema, a reflexão que me importa sobre o sucedido tem duas dimensões. A primeira, de cariz ontogénico, recorda-nos a condição vulnerável e totalmente dependente da energia eléctrica de cada um de nós, das comunidades e das organizações, sem termos plena consciência disso e pensando que, por defeito, ela faz parte da nossa existência. Só que não faz. A sociedade actual vive, literalmente, agarrada e dependente dessa fonte de energia e só nos momentos de ressaca, como o de ontem, porque surpresos, é que, algumas consciências se aperceberam dessa condição.
A segunda dimensão, diz respeito à noção de comunidade e à do próprio Estado, na medida em que o apagão de ontem foi consequência de uma situação que nós não controlámos, nem decidimos. O facto de estarmos conectados internacionalmente com outras redes eléctricas é um facto positivo, mas isso não deveria significar a nossa demissão na produção e distribuição de energia. Por outras palavras, o sucedido ontem foi uma amostra e demonstração daquilo que poderá um dia acontecer (distopia, ou não), pois o Estado português optou por encerrar algumas das centrais produtoras de energia e trocá-las pela importação de energia porque "mais barata", ao mesmo tempo que privatizou empresas do sector - EDP e REN, perdendo assim a soberania nacional neste sector.

18 abril 2025

bolo de bolacha

"...É a mais sublime sobremesa da doçaria nacional. Não o digo de ânimo leve. [...] Que se evapora das ementas à medida que o preço do cardápio aumenta, desaparecendo por completo nos restaurantes dos grandes chefs. Um bom bolo de bolacha não se deita em cama de coisa nenhuma, nenhum rio verde percorre o seu topo, nem é susceptível a desconstruções. Não se faz acompanhar de nada nem ninguém, assobiando solitária e alegremente pelos caminhos. Um bom bolo de bolacha é, aliás, indistinguível de um bolo de bolacha medíocre. Ergue-se muito quieto e direito na sua torre Mariana até que salta de uma base de papel rendilhado para o prato de sobremesa e caminha despreocupada e humildemente para nós, que o recebemos como a um velho conhecido, sem o contemplarmos, sem o comentarmos, sem o fotografarmos, sem pensarmos na sorte que temos por o frágil ecossistema de que a sua sobrevivência depende não ter ainda derretido. Comemo-lo como se nunca o fôssemos perder e, quando ainda vamos a meio da ingestão, fazemos, saciados, um gesto inefável na direcção do empregado de mesa a pedir o café, a conta ou o aguardente. Não mais pensamos nele até à próxima vez em que uma saudade estranha o convocar de novo à nossa presença."
João Pedro Vala, in revista LER (Inverno 2024/2025: pág. 100).