"...É a mais sublime sobremesa da doçaria nacional. Não o digo de ânimo leve. [...] Que se evapora das ementas à medida que o preço do cardápio aumenta, desaparecendo por completo nos restaurantes dos grandes chefs. Um bom bolo de bolacha não se deita em cama de coisa nenhuma, nenhum rio verde percorre o seu topo, nem é susceptível a desconstruções. Não se faz acompanhar de nada nem ninguém, assobiando solitária e alegremente pelos caminhos. Um bom bolo de bolacha é, aliás, indistinguível de um bolo de bolacha medíocre. Ergue-se muito quieto e direito na sua torre Mariana até que salta de uma base de papel rendilhado para o prato de sobremesa e caminha despreocupada e humildemente para nós, que o recebemos como a um velho conhecido, sem o contemplarmos, sem o comentarmos, sem o fotografarmos, sem pensarmos na sorte que temos por o frágil ecossistema de que a sua sobrevivência depende não ter ainda derretido. Comemo-lo como se nunca o fôssemos perder e, quando ainda vamos a meio da ingestão, fazemos, saciados, um gesto inefável na direcção do empregado de mesa a pedir o café, a conta ou o aguardente. Não mais pensamos nele até à próxima vez em que uma saudade estranha o convocar de novo à nossa presença."
João Pedro Vala, in revista LER (Inverno 2024/2025: pág. 100).
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