Morreu há dias a Profª Manuela Estanqueiro com 61 anos, a quem havia sido diagnosticada uma leucemia.
O caso ficaria por aqui não fora a violentíssima história em que se embrulhou, espelho feroz dos tempos ferozes em que vivemos.
A professora em Novembro de 2006 foi a uma junta médica e pediu a reforma.
Tinha mais de 30 anos de serviço, um cansaço imenso a persegui-la e uma leucemia invasora que sem piedade lhe encurtava os dias.
Com olhares de abundante reprovação e uma prosápia empaturrada de saber e de poder, a junta médica considerou que a professora estava apta para o desempenho das suas funções, sendo que deveria regressar ao serviço, sob pena de perder o vencimento.
A docente regressou durante 31 dias à sala de aula.
Vómitos, desmaios frequentes, a morte a espreitar em cada segundo que corria escandalosamente penoso, pontuaram a enormidade dos 31 dias, findos os quais entrou no Hospital donde não mais saiu até morrer.
Eram os colegas que a alimentavam na escola porque não tinha força para pegar nos talheres. Eram os colegas que a apoiavam nas turmas porque não tinha já capacidade para dar uma só aula.
A reforma chegar-lhe-ia por fim, uma semana antes da morte.
Quem foram os médicos que atestaram sobre a capacidade da professora para o exercício de funções?
Que instruções lhes foram dadas pelo sistema para agirem desta forma?
Que avaro e desgraçado país é este, que nega displicentemente um tempo mínimo de paz antes da morte a quem trabalhou a vida inteira e com a mesma criminosa displicência concede, ainda na força da vida, reformas milionárias, aos que, como pequenos chefes de turma obsequiosos e concisos prepararam, elaboraram e prescreveram o discurso da crise, do apertar do cinto, do défice, da contenção salarial, do congelamento das carreiras...?
Esta gente confortavelmente reformada e impante, vai depois continuar a ser consumidora de poder e de poderes, colocando-se e recolocando-se nos píncaros da hierarquia de todos os cargos. Vai continuar a arengar sobre a necessidade de baixos salários, apontando a navalha certeira ao coração do Estado Previdência.
Com uma loquacidade técnica, e um linguajar hermético, prova-nos a nós, preto no branco que devemos continuar a trabalhar até morrer, que os aumentos salariais não são aconselháveis, que os despedimentos ainda não são suficientes e que só atingiremos o paraíso quando a flexisegurança borboletear à nossa volta, na renovada Primavera do patronato.
E dizem tudo isto convictos e convincentes, fervorosos e despudorados.
Tempos houve, no Portugal da guerra colonial, em que os mancebos quando iam à inspecção militar eram todos apurados independentemente do seu estado de saúde. Contava-se que mesmo quando estavam a morrer, não ficavam isentos da tropa, ficando apenas "adiados".
O neoliberalismo que coloniza as nossas vidas age como os médicos cegos que preparavam a carne para canhão.
Era professora e tinha uma leucemia. Negaram-lhe a reforma que só chegaria oito dias antes de morrer.
O caso ficaria por aqui não fora a violentíssima história em que se embrulhou, espelho feroz dos tempos ferozes em que vivemos.
A professora em Novembro de 2006 foi a uma junta médica e pediu a reforma.
Tinha mais de 30 anos de serviço, um cansaço imenso a persegui-la e uma leucemia invasora que sem piedade lhe encurtava os dias.
Com olhares de abundante reprovação e uma prosápia empaturrada de saber e de poder, a junta médica considerou que a professora estava apta para o desempenho das suas funções, sendo que deveria regressar ao serviço, sob pena de perder o vencimento.
A docente regressou durante 31 dias à sala de aula.
Vómitos, desmaios frequentes, a morte a espreitar em cada segundo que corria escandalosamente penoso, pontuaram a enormidade dos 31 dias, findos os quais entrou no Hospital donde não mais saiu até morrer.
Eram os colegas que a alimentavam na escola porque não tinha força para pegar nos talheres. Eram os colegas que a apoiavam nas turmas porque não tinha já capacidade para dar uma só aula.
A reforma chegar-lhe-ia por fim, uma semana antes da morte.
Quem foram os médicos que atestaram sobre a capacidade da professora para o exercício de funções?
Que instruções lhes foram dadas pelo sistema para agirem desta forma?
Que avaro e desgraçado país é este, que nega displicentemente um tempo mínimo de paz antes da morte a quem trabalhou a vida inteira e com a mesma criminosa displicência concede, ainda na força da vida, reformas milionárias, aos que, como pequenos chefes de turma obsequiosos e concisos prepararam, elaboraram e prescreveram o discurso da crise, do apertar do cinto, do défice, da contenção salarial, do congelamento das carreiras...?
Esta gente confortavelmente reformada e impante, vai depois continuar a ser consumidora de poder e de poderes, colocando-se e recolocando-se nos píncaros da hierarquia de todos os cargos. Vai continuar a arengar sobre a necessidade de baixos salários, apontando a navalha certeira ao coração do Estado Previdência.
Com uma loquacidade técnica, e um linguajar hermético, prova-nos a nós, preto no branco que devemos continuar a trabalhar até morrer, que os aumentos salariais não são aconselháveis, que os despedimentos ainda não são suficientes e que só atingiremos o paraíso quando a flexisegurança borboletear à nossa volta, na renovada Primavera do patronato.
E dizem tudo isto convictos e convincentes, fervorosos e despudorados.
Tempos houve, no Portugal da guerra colonial, em que os mancebos quando iam à inspecção militar eram todos apurados independentemente do seu estado de saúde. Contava-se que mesmo quando estavam a morrer, não ficavam isentos da tropa, ficando apenas "adiados".
O neoliberalismo que coloniza as nossas vidas age como os médicos cegos que preparavam a carne para canhão.
Era professora e tinha uma leucemia. Negaram-lhe a reforma que só chegaria oito dias antes de morrer.
por Alice Brito
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