Nome de rua
Rua de dois, de todos os sentidos
Sentido nome de lugar
Lugar prenhe de memórias
Memórias de um outro tempo
Tempo de berço para a minha meninice
Meninice naqueles descuidados espaços
Espaços das alegrias e mil alegorias
Alegorias como assombrosas recordações
Recordações que trouxe e bem comigo
Não tivesse havido o recente entusiasmo com a possibilidade de uma nova amizade, que para alguém muito próximo, se transformou em excitação e paixão, e este exercício de regressão ficaria guardado para o indeterminado momento em que tenciono dar início à minha autobiografia.
Foi este novo “achamento” que motivou esta turbulência de recordações desse tempo já ido, dos velhos rostos de infância, dos prédios e recônditos pátios, das brincadeiras de rua e de vão-de-escadas. O pinhal sempre ali perto, com o seu Pomar, onde nunca vi um fruto maduro. O campo da bola, onde dia sim, dia sim, jogávamos entre nós ou contra equipas de outras ruas/lugares (Aguim, Oliveiras, Ilha, Costa, Rego d’Água, entre outros), o poço da nora e o monte onde toda a rua se sentava, ritualmente de dia ou de noite, assim que o tempo e o ofício o permitissem.
Durante muito tempo, assim que passei a ser dono de um volante, não havia viagem ou deslocação que não incluísse a passagem por tal rua. Sem parar e sem falar com ninguém, lá subia a rua, num movimento lento e atento, com todos os sentidos na busca de um qualquer pormenor que me alimentasse alma e apaziguasse a saudade.
Concerteza, um tempo e uma vivência que me determinaram a personalidade e jamais esquecerei. Os recantos, os nomes e apelidos associados aos rostos de crianças, jovens e menos jovens. Desse meu mundo faziam parte: no mesmo vão-de-escadas, os irmãos Jorge e Nuno Camacho; os irmãos Paulo, Sónia e Sílvia e o Tiago, então filho único… bem perto, mas num outro vão-de-escadas, os irmãos Rui Pedro e Miguel que tinham os brinquedos mais espectaculares, porque mais evoluídos, que eu e o meu irmão já víramos, o Beto, a Fátima e a Rosário; o Nuno e as suas irmãs mais velhas, a Paula e a Fatinha; mais miúda, a Evinha, filha dos donos deste prédio. Em frente, o Juca e suas irmãs, a Paula e a Elsa, e ao lado destes, o Zé Manel, mais tarde conhecido por Guede… e já agora, jogador de bola (o Zé Manel já tinha, naquele tempo, um computador e, por isso, passava horas e dias enfiado em casa dele a jogar); por baixo deste era a casa do Quim e do irmão puto, o Ricardo… onde muita lata de atum e sardinha comemos. Aqui, os prédios foram construídos, cronologicamente, de baixo para cima, sendo o mais novo, aquele que está mais perto do cimo da rua, onde moravam o Roger e a Susana, a Isabel e seu irmão, o Rui (doente sportinguista, que entretanto foi morar para a Trofa), as irmãs Carla e Xana; em frente a esta última construção várias pequenas habitações, onde morava o Xico e, mais acima, em género de ilha, o Rui (Futre), o Nani e o Serginho (todos primos). Para além destes, ainda tenho na lembrança outros e outras, mas de quem já esqueci a graça.
Curiosa era a atracção por uma pequena parede de pedra, então existente entre o prédio maior e o nº 115, onde todos confluíam e ficavam… nós também, pelo menos até que os candeeiros da iluminação pública se acendessem, uma vez que essa era a hora concertada, com os pais, para o nosso recolher obrigatório… senão, era mais que certo ouvirmos ecoar, por todo o espaço, uma voz grave que nos punha em sentido (de casa).
Foi, é e será uma referência para mim.
Digamos que, por criteriosas razões, dedico este momento à paixão da sedução. Esse primoroso jogo das incertezas para aqueles a quem as pernas fraquejam e os lábios tremem e para aqueles outros, esses que vivem na ânsia do momento e, depois, chegada a hora, ele passa sem se alcançar. A vós.