Vivemos, sem dúvida, um tempo de eternos retornos. Estamos já num novo ano, mas de alguma forma, ainda não esquecemos o velho... e no findar de cada ano, velho, participamos obrigatoriamente naquilo a que alguém chamou de quadra natalícia, que implica também a capacidade individual para a assumpção de um "espírito" natalício. Coisa que, por maior esforço, não consigo entender e, cada vez mais, rejeito, porque o que sinto em cada retorno, pelo que vejo e ouço, é repulsa (estarei eu em negação!?...).
Este eterno retorno, que ano após ano nos persegue e nos atormenta, e a mim em particular. Vemo-nos enredados na teia de "obrigações" de retribuir aquilo que nos ofertam, numa lógica economicista e consumista. Não sei se esta versão liberal do Pai Natal é, ou não, uma invenção da Coca-Cola, nem sei quem inventou o Pinheirinho, ícones por excelência do tal espírito dos hiper-consumos.
No retorno anual, digo sempre que assim não quero mais... que gostava de algo diferente e novo, alternativo. Porque não!?... É dificil, lúcido estou... sou. Vejo-me cercado por pessoas de quem gosto e, por isso, obrigado estou a manifestar esse amor, carinho e amizade através da dádiva de uma merdice qualquer. Senão, o cenário é o da incompreensão, do estigma e até, quem sabe, o da ostracização social...
Neste angustiante exercício anual, o que mais irrita a derme, é a contra-dádiva, ou seja, damos e recebemos, porque sabemos que recebemos e damos, fazendo-me lembrar o POTLATCH, ritual dos Tlingit e dos Haida, duas tribos do Noroeste americano, dado a conhecer ao mundo por Marcel Mauss no seu Ensaio sobre a Dádiva (1950). O étimo significa, essencialmente, alimentar; consumir. Considerado pelo autor, o POTLATCH é um sistema de prestações totais onde estas duas tribos, muito ricas, que vivem nas ilhas ou na costa do Pacífico, passam o seu Inverno numa festa perpétua: banquetes, feiras e mercados, que funcionam também como assembleias solenes das tribos. O POTLATCH consiste num festejo religioso de homenagem, geralmente envolvendo um banquete de carne de foca ou salmão, seguido por uma renúncia a todos os bens materiais acumulados pelo homenageado – bens que devem ser entregues a parentes e amigos. O ritual caracteriza-se como de oferta de bens e de redistribuição da riqueza. A expectativa do homenageado é receber presentes também daqueles para os quais deu os seus bens, quando foi a hora do POTLATCH destes.
O valor e a qualidade dos bens dados como presente são um sinal do prestígio do homenageado. Originalmente o POTLATCH acontecia somente em certas ocasiões da vida dos indígenas, como o nascimento de um filho; mas com a interferência dos negociantes europeus, os POTLATCHS passaram a ser mais frequentes (pois havia bens comprados para serem presenteados) e nalgumas tribos surgiu uma verdadeira guerra de forças baseada no POTLATCH. Nalguns casos, os bens eram, simplesmente, destruídos após a cerimónia.
Os governos do Canadá e dos EUA proibiram o POTLATCH nos finais do século XIX, por considerar o ritual uma perda "irracional" de recursos. Com a compreensão do significado do POTLATCH, a proibição desapareceu em 1934 nos EUA e em 1954 no Canadá. Algumas tribos praticam a cerimónia ainda hoje, e os presentes incluem dinheiro, taças, copos, mantas, etc.
Caso não alteremos o nosso comportamento acabaremos como estas tribos... a destruir aquilo que acabamos de receber.
à parte 1 - Natal é, por exemplo, o magnifico filme/concerto/documentário dos Sigur Rós, que me acompanha nestas palavras, oferecido por um irmão e que, de certeza, não vou destruir.
à parte 2 - Sigur Rós que nos transportam sensorialmente, no espaço e no tempo, para uma outra realidade.
à parte 3 - Ouvir os Sigur Rós é, nada mais que conhecer o ethos do povo Islandês.
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