«No círculo espiritual, também para mim não há barreiras – e tenho sentido, além do amor e do ódio, outros sentimentos que lhe não posso definir, é claro, porque só eu os vivo, não havendo assim a possibilidade de lhos fazer entender nem por palavras, nem por comparações. Sou o único homem que esses sentimentos emocionam. Logo seria desnecessário ter uma voz que os traduzisse, visto que a ninguém a poderia comunicar. Aliás o mesmo acontece com as horas mais belas que tenho vivido. Só lhe posso dizer as que de longe se assemelham às da vida e que por isso exactamente são as menos admiráveis.»
«Agora passo-lhe a esboçar algumas voluptuosidades novas.
«Um corpo de mulher é sem dúvida uma coisa maravilhosa – a posse de dum corpo esplêndido, todo nu, é um prazer quase extra-humano, quase de sonho. Ah!, o mistério fulvo dos seios esmagados, a escorrer em beijos, e as suas pontas loiras que nos roçam a carne em êxtases de mármore... as pernas nervosas, aceradas – vibrações longínquas de orgia imperial... os lábios que foram esculpidos para ferir de amor... os dentes que rangem e grifam nos espasmos de além... Sim, é belo; tudo isso é muito belo! Mas o lamentável é que poucas formas há de possuir toda essa beleza. Emaranhem-se os corpos contorcidamente, haja beijos de ânsia em toda a carne, o sangue corra até... Por fim sempre os dois sexos se acariciarão, se entrelaçarão, se devorarão – e tudo acabará em um espasmo que há-de ser sempre o mesmo, visto que reside sempre nos mesmos órgãos!...
«Pois bem! Eu tenho possuído mulheres de mil outras maneiras, tenho delirado outros espasmos que residem noutros órgãos.
«Ah!, como é delicioso possuir com a vista ... A nossa carne não toca, nem de leve, a carne da amante nua. Os nossos olhos, só os nossos olhos, é que lhe sugam a boca e lhe trincam os seios... Um rio escaldante se nos precipita pelas veias, os nossos nervos tremem todos como as cordas duma lira, os cabelos sentem, dilatam-se-nos os músculos... e os olhos de longe, vendo, vão exaurindo toda a beleza, até que por fim a vista se nos amplia, o nosso corpo inteiro vê, um estremeção nos sacode e um espasmo ilimitado, um espasmo de sombra, nos divide a carne em ânsia ultrapassada... Atingimos o gozo máximo! Possuímos um corpo de mulher só com a vista. Possuímos fisicamente, mas imaterialmente, como também se pode amar com as almas. Neste caso são mais doces, mais serenos, mas não menos deliciosos, os espasmos que nos abismam.
«Há ainda outra voluptuosidade que, por interessante, lhe desejo esboçar: é a posse total dum corpo de mulher que sabe unicamente a um seio que se esmaga.
«Enfim, meu amigo, compreenda-me: eu sou feliz porque tenho tudo quanto quero e porque nunca esgotarei aquilo que posso querer. Consegui tornar infinito o universo – que todos chamam infinito, mas que é para todos um campo estreito e bem murado.»
«Agora passo-lhe a esboçar algumas voluptuosidades novas.
«Um corpo de mulher é sem dúvida uma coisa maravilhosa – a posse de dum corpo esplêndido, todo nu, é um prazer quase extra-humano, quase de sonho. Ah!, o mistério fulvo dos seios esmagados, a escorrer em beijos, e as suas pontas loiras que nos roçam a carne em êxtases de mármore... as pernas nervosas, aceradas – vibrações longínquas de orgia imperial... os lábios que foram esculpidos para ferir de amor... os dentes que rangem e grifam nos espasmos de além... Sim, é belo; tudo isso é muito belo! Mas o lamentável é que poucas formas há de possuir toda essa beleza. Emaranhem-se os corpos contorcidamente, haja beijos de ânsia em toda a carne, o sangue corra até... Por fim sempre os dois sexos se acariciarão, se entrelaçarão, se devorarão – e tudo acabará em um espasmo que há-de ser sempre o mesmo, visto que reside sempre nos mesmos órgãos!...
«Pois bem! Eu tenho possuído mulheres de mil outras maneiras, tenho delirado outros espasmos que residem noutros órgãos.
«Ah!, como é delicioso possuir com a vista ... A nossa carne não toca, nem de leve, a carne da amante nua. Os nossos olhos, só os nossos olhos, é que lhe sugam a boca e lhe trincam os seios... Um rio escaldante se nos precipita pelas veias, os nossos nervos tremem todos como as cordas duma lira, os cabelos sentem, dilatam-se-nos os músculos... e os olhos de longe, vendo, vão exaurindo toda a beleza, até que por fim a vista se nos amplia, o nosso corpo inteiro vê, um estremeção nos sacode e um espasmo ilimitado, um espasmo de sombra, nos divide a carne em ânsia ultrapassada... Atingimos o gozo máximo! Possuímos um corpo de mulher só com a vista. Possuímos fisicamente, mas imaterialmente, como também se pode amar com as almas. Neste caso são mais doces, mais serenos, mas não menos deliciosos, os espasmos que nos abismam.
«Há ainda outra voluptuosidade que, por interessante, lhe desejo esboçar: é a posse total dum corpo de mulher que sabe unicamente a um seio que se esmaga.
«Enfim, meu amigo, compreenda-me: eu sou feliz porque tenho tudo quanto quero e porque nunca esgotarei aquilo que posso querer. Consegui tornar infinito o universo – que todos chamam infinito, mas que é para todos um campo estreito e bem murado.»
(Mário Sá-Carneiro in Homem dos Sonhos)
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