Agora que faço o caminho inverso, para Norte, mas estarei naquilo a que se poderá chamar zona intermédia, ou para utilizar o termo de Bhabha, num "terceiro espaço", ou seja, já não no Sul, mas ainda não completamente no Norte, aproveito para rabiscar algumas ideias soltas acerca dos dias passados à beira-mar.
Fui de férias para o Algarve poucas vezes. Tão poucas que posso enumerá-las: Em 1986, ainda criança com os meus pais; Em 2010, já adulto e pai de uma criança; e em 2012, igualmente adulto e pai de duas crianças. Se me perguntarem o que penso sobre o Algarve, direi que nada nele me atrai e que passaria muito bem sem lá ir. Considero mesmo que não faz qualquer sentido eu lá ir, ficar ou estar. Mas cumprindo o meu papel de pai, lá fui e lá irei as vezes que ele e elas quiserem e eu puder. É justo.
Ao contrário daquilo que acontece com maior parte das pessoas, eu tolero melhor o frio do que o calor, eu gosto mais do Inverno do que do Verão, eu vivo melhor à sombra do que ao Sol. Assim, ir para a praia num ambiente com temperaturas médias de 30º é obrigar-me a atravessar o deserto. Aliás, actualmente, eu disputo cada centímetro de sombra do guarda-sol com o meu rebento que, por enquanto, faz a sua praia quase exclusivamente à sombra. É ridículo; sou ridículo.
Muitos me dizem que é porreiro ir para a praia, apanhar Sol, andar na água, passear, nadar, jogar qualquer "coisa", fazer castelos de areia, entre outras maravilhas da teoria do lazer. Acerca de tudo isto também tenho a minha opinião, baseada essencialmente na minha experiência. Vamos por partes:
- Quanto ao apanhar Sol, já nada mais há a dizer, apenas acrescentar que a minha tiróide também não gosta e que regresso sempre da praia como uma zebra, com a pele listada de branco e vermelho;
- Andar na água é algo que não me dá prazer nenhum, nem sei como me comportar dentro dela. Onde ponho as mãos?!, devo caminhar ou ficar quieto?!, devo olhar para aqueles que me rodeiam?! Não sei. É estranho. Entro na água e fico a olhar para a alegria e animação daquela gente só por estarem com o corpo parcialmente submerso. Definitivamente não é o meu habitat;
- Passear caminhando é porreiro e faz bem à maioria das pessoas e a mim também, mas os meus joelhos não conseguem. Portanto, é sempre com esforço e dor que faço essas caminhadas pela linha de água;
- Nadar é daquelas coisas que nunca me deu qualquer gozo. Como não domino a prática, acabo por dar umas aparatosas braçadas daqui para ali e dali para acolá, sempre sem quase sair do sítio, mas não retiro disso qualquer prazer e, por isso, rapidamente desisto. Entendo a natação como um desporto para outros e uma actividade fisioterapêutica também para mim;
- Vão-me perdoar os amantes da actividade física em espaço balnear, mas é do mais deprimente ver as pessoas, com as carnes excedentárias desnudadas, aos saltos e pinotes, atrás de uma bola ou com raquetes a bater numa pequena bola, incessantemente, num "toma lá dá cá"...;
- Fazer efémeros castelos de areia é fixe, mas para crianças até aos 10 ou 12 anos. Mas ver pais que sob o pretexto de estarem a ajudar os seus filhos a fazerem castelos de areia, passam manhãs ou tardes inteiras num frenesim e com dedicação laboral, à volta de pequenos montes de areia molhada, enquanto os seus filhos apenas observam, parecem-me casos patológicos, ou pelo menos passíveis de observação especializada, pois serão casos traumáticos de maior ou menor longevidade. Ou então, as crianças são eles;
Para mim, ir para a praia é uma narrativa de sobressalto, de desespero, de falta de ar, de sede. Muitas vezes tenho essas imagens em sonhos ou pesadelos. Não é confortável para mim. Lamento.
Em 1986, depois de viajar lenta e turisticamente até ao nordeste transmontano, e num momento parecido com este, o meu pai desabafou: - Nunca mais me apanham lá. E assim foi, nunca mais o meu pai levou a família para o Algarve. Em 2012, ainda que gostasse de poder ser igualmente afirmativo, sei que terei que lá voltar, pois o resto da família adora praia, sol, calor e água de mar. Portanto, com maior ou menor sacrifício, num futuro próximo lá estarei de novo, estendido à sombra do sol.
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