Tal como grande parte dos portugueses que tenham 30 ou mais anos, recordo os serões em que o país parava para assistir ao festival da canção. Durante décadas esse era um momento marcante da vida artística e do entretenimento nacional. Era sempre grande a expectativa para conhecer os artistas e os temas a concurso, assim como era com ansiedade que assistíamos à votação feita pelo júri descentralizado pelas capitais de distrito e, por incrível que pareça, acreditava-se na competência, justiça e na idoneidade desses painéis de jurados. Entretanto, o mundo mudou, tudo mudou e o evento, outrora, marcante e estruturante, perdeu centralidade, qualidade e, acima de tudo, perdeu razão de existir. Não se percebe a insistência da RTP num formato esgotado e que pouco dignifica o serviço público de televisão. Este ano, por razões "amigas", assisti aos dois episódios, ou melhor, às duas partes do festival e fiquei muito embaraçado, sentindo mesmo vergonha alheia, com o espectáculo de uma tristeza confrangedora que os meus olhos podiam ver. Silvia Alberto e José Carlos Malato bem tentavam manter a dignidade da coisa, mas perante o vazio de conteúdo, a falta de entusiasmo do pouco público presente e a fraca prestação dos concorrentes, era notório o desconforto. Por muito que repetissem que o ambiente estava fantástico, por muito que gabassem os temas e os seus intérpretes, percebia-se mesmo através da TV que estávamos perante um tremendo acto falhado da RTP com direito a apupos e vaias para o vencedor. Desconheço o resultado das audiências, mas até o facto de a votação ser feita pelos telespectadores, através de telefone, demonstra bem a dimensão do concurso. Depois, se repararmos com atenção, são sempre os mesmos: apresentadores, concorrentes, produtores, convidados, homenageados, etc. Dá a sensação de haver uma clique de privilegiados que carece deste espaço para justificarem a sua existência e que cristalizaram, ou mesmo, fossilizaram julgando deter a exclusividade da música ligeira em Portugal e que não se aperceberam que o mundo que os rodeia evoluiu par algo diferente. Sem julgar o papel que tiveram e a sua relativa importância, estou farto de António's Calvário's, de Simone's de Oliveira, de Ary's dos Santos, de Carlos Paiões e de todas as outras santidades da nossa história recente. Aquilo que assistimos foi um tremendo exercício de saudosismo por um Portugal que já não existe, nem voltará a existir. Sei da importância da memória para a vida dos indivíduos e das comunidades, mas assim não, é decadente e atávica.
PS - assisti com toda a atenção e não gostei de nenhuma das 10 músicas em concurso. Assisti com toda a atenção aos momentos musicais produzidos pelo meu amigo José Lourenço e destaco o desempenho do Henrique Feist, que uma vez mais demonstrou ser um excelente artista.
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