30 junho 2018

organizar o silêncio

No passado dia 22 de Maio, quando da sua morte, a minha reacção perante aquilo que foi dito e escrito sobre ele, foi resgatar das prateleiras do armário, onde vou amontoando livros, os dois que sabia ter, para os colocar mais perto de mim e, assim que possível, os ler. Sabia da sua qualidade, sabia da sua importância para o consciente e para o inconsciente americano, sabia da sua importância para o retrato de uma determinada América - a da luta entre os géneros, entre as raças, entre as classes sociais, entre as confissões religiosas - sabia da sua importância para o (re)conhecimento de um ethos social e cultural nem sempre perceptível ou identificável. Por tudo isto e mais, sabia que teria que ler Philip Roth. Foi por isso que, um dia, comprei esses dois livros.
Agora, terminei a leitura de um deles, A Mancha Humana, onde o autor faz um retrato de vidas americanas do pós-guerra (2ª guerra mundial e Vietname), com todas as suas convulsões políticas e sociais, as suas manias e convenções, os seus tiques e hipocrisias. Segundo Roth, a mancha humana (americana) contamina e destrói tudo à sua volta, destrói a natureza e contamina os animais.
O narrador desta história, Nathan Zuckerman, que a determinada altura da sua vida desistiu da vida social e foi viver na solidão da montanha, a esse propósito, afirma:

O segredo de viver com um mínimo de sofrimento na voragem do mundo reside em atrair o maior número de pessoas para as nossas ilusões; o truque para viver sozinho aqui em cima, longe de todas as perturbadoras confusões, seduções e expectativas, afastado, sobretudo, da própria intensidade, consiste em organizar o silêncio, em pensar na sua plenitude de cume de montanha como capital, no silêncio como riqueza crescendo exponencialmente. No silêncio circundante como a fonte de proveito que escolhemos e a nossa única coisa íntima.

De facto, reflectindo sobre esta citação que tanto me diz, organizar o silêncio não é tarefa fácil ou simples. Não é, acima de tudo, acessível a qualquer um. Desconfio até que para a maioria dos indivíduos o silêncio é dispensável e dele fogem permanentemente, preferindo as referidas voragem, intensidade e confusão. No que a mim diz respeito, revejo-me integralmente nesta frase do narrador [ e por isso a trago aqui]; projecto-me para essa solidão, para esse isolamento, idealizo-me nessa necessidade, nessa ânsia pelo silêncio. Não sei, talvez um dia o alcance e, depois, o consiga organizar.

16 junho 2018

reset to USA democracy


Depois de ter visualizado, no youtube, o lançamento/debate deste livro, na feira do livro de Lisboa, em que participaram Daniel Oliveira e Pacheco Pereira, foi com bastante curiosidade que li, nas últimas horas, este pequeno livro, editado em Portugal pela Tinta da China.
Trata-se de um ensaio de um pensador político de esquerda, assumidamente de esquerda, que, através de uma escrita acessível ao comum dos leitores, faz uma crítica acérrima e assertiva (ainda que num ou noutro ponto discutível) à esquerda americana, ou seja, aos liberais e aos democratas. Segundo este autor, a esquerda americana, ao longo das últimas décadas, desde a presidência de Ronald Reagan, concentrou todas as suas energias na adesão ao liberalismo identitário e na defesa de políticas identitárias, entregando-se sem resistência à política dos movimentos sociais assentes na identidade, perdendo qualquer noção daquilo que os cidadãos partilham e daquilo que une a nação. Consequência disto, não são capazes de reflectir sobre o bem comum, não conseguem perspectivar uma ideia de futuro partilhado e, acima de tudo, promovem um narcisismo económico, uma guetização, ou um sectarismo, ou ainda, uma balcanização das minorias entre si, levando ao alheamento e indiferença do seu eleitorado habitual(?).
Ao mesmo tempo, Mark Lilla, entende que a eleição de Donald Trump e a sua presidência propiciaram o momento ideal para a esquerda começar de novo ("reset"): reconstruir a identidade em torno do que une o povo, encorajando o sentido de dever mútuo e inspirando todos na nação e no resto do mundo.

Os movimentos que remodelaram o nosso país ao longo dos últimos 50 anos tiveram um impacto muito positivo, especialmente na forma como mudaram, como se costuma dizer, corações e mentes. O que talvez seja a coisa mais importante que qualquer movimento concretiza, (...) mas durante um período de tempo considerável os movimentos não são capazes só por si de atingir fins políticos concretos. Precisam de políticos e funcionários públicos integrados no sistema, solidários com as metas do movimento, mas dispostos a empenhar-se no trabalho lento e paciente de fazer campanha eleitoral, conceber e negociar a aprovação de legislação, e controlar a burocracia que assegura a sua aplicação. (página 88)

08 junho 2018

mediascape:desintoxicação

“Ninguém poderá encontrar o seu caminho num mundo tecnológico se não souber ler, escrever, contar, respeitar os outros e trabalhar em equipa. Os telemóveis são um avanço tecnológico, mas não podem monopolizar as nossas vidas”.
Jean-Michel Blanquer, ministro da educação.

Soube-se hoje que a Assembleia Nacional francesa aprovou a proibição do uso de telemóveis nas escolas da República Francesa. Medida que entrará em vigor a partir do próximo ano lectivo.
Muito bem. Não poderia estar mais de acordo, pois tal como é dito pelos promotores deste projecto-lei, agora aprovado, esta é uma medida de desintoxicação, que tem por objectivo contribuir para a redução das distracções em sala de aulas e combater casos de bullying.
Bem podia a República Portuguesa imitar a Francesa e decretar também a proibição dos telemóveis em espaços escolares. Eu subscreveria tal medida.

o experimentalista


A notícia chegou-me à hora de almoço. Anthony Bourdain morreu; ter-se-á suicidado.
A sério?
O espanto perante a notícia do seu suicídio acontece naquilo que era, ainda é, a convicção de que alguém que é pago para viajar pelo mundo e suas cidades, a conhecer culturas e gastronomias tão diversificadas, é reconhecido, é apreciado e é famoso, não poderia ter razões para acabar com a sua vida. Quem não gostaria de poder ter uma vida semelhante?!...
Enfim, aquilo que me atraiu em Bourdain e que fazia com que o tolerasse - sim, não há pachorra para tanto especialista, tanto chef, tanto programa/concurso sobre cozinha e sobre empratamentos, já para não falar da inenarrável e moderníssima experiência em que se transformou o verbo comer - era o seu aparente (isto porque em televisão não vemos tudo) desalinhamento em relação ou status quo gastronómico vigente nos últimos anos. A sua capacidade de adaptação às diversas experiências gustativas, a sua vontade de experimentar, a sua tolerância para tudo quanto, nos dizem que, faz mal à saúde, a promoção que fazia a ingredientes, pratos e especialidades marginais, ausentes das grandes cozinhas e dos menus dos "grandes" chef's e especialistas. Acima de tudo, nos seus programas de televisão, agradava-me o seu apetite por todo o tipo de comida, a sua vontade de experimentar, a sua vontade de comer.

antologia autores transmontanos

O convite surgiu nos primeiros meses de 2017. A Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro de Lisboa organizou esta antologia de autores transmontanos e solicitou a sua organização/coordenação ao seu sócio e membro Dr. Armando Palavras.
Eu respondi ao desafio com um texto sobre as Nomeadas em Trás-os-Montes. O livro foi lançado no passado dia 26 de Maio, em Lisboa, no IV Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro, organizado pela mesma Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Ainda não tive a oportunidade de olhar para o resultado final, pois não tendo ido ao referido congresso, ainda não me enviaram o exemplar a que tenho direito enquanto autor. Aguardo com expectativa a sua chegada. Por enquanto, apenas conheço a capa do mesmo...

04 junho 2018

"O vinho é o novo alvo dos proto-higienistas"

Transcrevo todo o texto, porque a mensagem deve passar na íntegra e não fora do seu contexto. Cambada de palermas.

Não é fácil explicar a um europeu que viva a norte dos 45º de latitude, que nós (no Sul) bebemos vinho às refeições, que temos o costume de não beber vinho como os finlandeses bebem vodka, que raramente bebemos sem comer, que dois copos de vinho por dia não são uma ameaça à paz mundial (como determinou o SNS britânico) – e que desprezamos o seu hábito de beber forte durante dois ou três dias (até cairem) e de aparecerem, depois, como puritanos, em culottes, com mau hálito e a implicar com tudo. Parece que há na UE uma “corrente de pensamento” proto-higienista, fomentada por burocratas que usam todos a mesma gravata, as mesmas cuecas e o mesmo tom de pele, que quer equiparar as garrafas de vinho a cargas de álcool eslavo, inutilizando os nossos rótulos com avisos mortais e ameaças de morte (à semelhança dos maços de tabaco). Se isso acontecer, Portugal e outros países civilizados do Sul da Europa devem pedir a rápida desanexação da UE. Esta é, por isso, uma crónica racista: contra a raça dos palermas e dos rostos pálidos que não sabem distinguir um vinho (com a sua carga de cultura, tradição, brilho, humanidade) de uma ampola de vodca bebida no aeroporto. Ninguém me convence de que isto não é uma conspiração de fascistas tolos, ainda por cima – lamento dizê-lo, ó pátria de grandes bebedores – irlandeses, o que é uma pena.

(Francisco José Viegas, no seu blogue - A Origem das Espécies. Aqui)