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13 fevereiro 2023

cristos

(auto-retrato de Miguel de Unamuno, 2012:7)

"O Cristo espanhol - dizia-me uma vez Guerra Junqueiro - nasceu em Tânger; é um Cristo africano e nunca se afasta da cruz, onde está cheio de sangue; o Cristo português brinca nos campos com os camponeses e merenda com eles e só a certas horas, quando tem de cumprir com os deveres do seu cargo, é que vai dependurar-se na cruz". (Unamuno, [1908] 2012:38)

o sol

Aproveitando o remanso da tarde de Domingo, li este livrinho com uma selecção de textos de Miguel de Unamuno, que se referem a Portugal e à produção literária portuguesa. Interessante nalguns aspectos, previsível e parcial noutros, Unamuno escreve muito bem e consegue captar, digo eu, parte do nosso ethos. Textos escritos entre 1900 e a década de 30, deveremos contextualizá-los temporal e culturalmente. Unamuno é uma personagem interessante do primeiro quartel do século XX espanhol que nutria por Portugal uma peculiar curiosidade.


"Portugal surge-me como uma formosa e gentil rapariga do campo que, de costas para a Europa e sentada à beira-mar, junto à própria orla onde a espuma das ondas gemebundas lhe banha os pés descalços, com os cotovelos apoiados nos joelhos e a cara entre as mãos, olha o sol a pôr-se nas águas infinitas. Porque para Portugal o sol não nasce nunca: morre sempre no mar, que foi teatro das suas proezas e berço e sepulcro das suas glórias". (Unamuno, [1907] 2012:24)

12 janeiro 2023

uma outra existência

Terminei ontem à noite a leitura do livro "Ibéria esvaziada - despovoamento, decrescimento, colapso", de Carlos Taibo, que já aqui tinha referido. Pois bem, para além dos diagnósticos apresentados e muito bem documentados sobre essa Ibéria vazia e sem gente, as propostas avançadas para esses vastos territórios são inovadoras e algo surpreendentes. Para além disso, são apresentados conceitos que eu não conhecia, pelo menos com este pormenor e profundidade, o que me motivou os sentidos e a curiosidade para descobrir os vários autores que cita e seus conceitos e propostas. A proposta de Carlos Taibo é cada vez mais uma possibilidade para um futuro próximo que se aproxima a grande velocidade. Naquilo que diz respeito à minha existência, sendo um urbanita com muitos referentes rurais e com um relativo conhecimento de parte dessa Ibéria esvaziada, agrada-me muito a ideia de colapso, de podermos substituir esta sociedade de consumo individualista, por uma outra mais solidária e de maior entre-ajuda comunitária.
Veremos o que nos espera.


"O objectivo principal deste livro é aplicar à Ibéria esvaziada as ferramentas que surgem da perspectiva do decrescimento e da teoria do colapso. Com esse propósito, nas suas páginas delimita-se o conceito, amiúde nebuloso, dessa Ibéria, e a esse respeito considera-se tanto o cenário espanhol como o português. É também delineado um conjunto de propostas relativas ao que deve ser preservado, recuperado, introduzido e rejeitado nos espaços afectados, sem deixar de prestar atenção a debates importantes como os relativos ao povoamento, às mulheres, à neo-ruralidade, às biorregiões, ou à natureza de um modelo económico e social alternativo. Acima de tudo, este livro pretende ser um esboço que estimule um debate visivelmente em falta: o do decrescimento." (in contra-capa)

16 junho 2018

reset to USA democracy


Depois de ter visualizado, no youtube, o lançamento/debate deste livro, na feira do livro de Lisboa, em que participaram Daniel Oliveira e Pacheco Pereira, foi com bastante curiosidade que li, nas últimas horas, este pequeno livro, editado em Portugal pela Tinta da China.
Trata-se de um ensaio de um pensador político de esquerda, assumidamente de esquerda, que, através de uma escrita acessível ao comum dos leitores, faz uma crítica acérrima e assertiva (ainda que num ou noutro ponto discutível) à esquerda americana, ou seja, aos liberais e aos democratas. Segundo este autor, a esquerda americana, ao longo das últimas décadas, desde a presidência de Ronald Reagan, concentrou todas as suas energias na adesão ao liberalismo identitário e na defesa de políticas identitárias, entregando-se sem resistência à política dos movimentos sociais assentes na identidade, perdendo qualquer noção daquilo que os cidadãos partilham e daquilo que une a nação. Consequência disto, não são capazes de reflectir sobre o bem comum, não conseguem perspectivar uma ideia de futuro partilhado e, acima de tudo, promovem um narcisismo económico, uma guetização, ou um sectarismo, ou ainda, uma balcanização das minorias entre si, levando ao alheamento e indiferença do seu eleitorado habitual(?).
Ao mesmo tempo, Mark Lilla, entende que a eleição de Donald Trump e a sua presidência propiciaram o momento ideal para a esquerda começar de novo ("reset"): reconstruir a identidade em torno do que une o povo, encorajando o sentido de dever mútuo e inspirando todos na nação e no resto do mundo.

Os movimentos que remodelaram o nosso país ao longo dos últimos 50 anos tiveram um impacto muito positivo, especialmente na forma como mudaram, como se costuma dizer, corações e mentes. O que talvez seja a coisa mais importante que qualquer movimento concretiza, (...) mas durante um período de tempo considerável os movimentos não são capazes só por si de atingir fins políticos concretos. Precisam de políticos e funcionários públicos integrados no sistema, solidários com as metas do movimento, mas dispostos a empenhar-se no trabalho lento e paciente de fazer campanha eleitoral, conceber e negociar a aprovação de legislação, e controlar a burocracia que assegura a sua aplicação. (página 88)

17 abril 2017

a arte de bem escrever


No remanso destes poucos dias por terras de Trás-os-Montes, a leitura resumiu-se a este pequeno livro.
Servindo-se de três personagens centrais, Mário Cláudio tece uma ficção em volta do épico de Luís de Camões, Os Lusíadas, reabrindo uma velha discussão sobre a autoria dessa obra. Sem nos dar qualquer resposta ou novidade sobre essa dúvida(?), o autor, através dessas três personagens, percorre todo o tempo entre as aventuras e desventuras de Camões e os nossos dias, numa narrativa empolgante e muito bem escrita. Mário Cláudio, que chegou a ser meu professor na Escola Superior de Jornalismo, confirma aqui o seu génio literário. Muito bom.

29 novembro 2010

verbo, despir

"A redução do homem à vida nua é hoje a tal ponto um facto consumado, que é essa doravante a base da identidade que o Estado reconhece aos seus cidadãos. Como o deportado de Auschwitz já não tinha nome nem nacionalidade e doravante era somente o número que lhe fora tatuado no braço, assim também o cidadão contemporâneo, perdido na massa anónima e equiparado a um criminoso em potência, não é definido senão pelos seus dados biométricos e, em última instância, por uma espécie de antigo fado tornado ainda mais opaco e incompreensível: o seu ADN." (p.68)
Aproveitando os dias do aderente da FNAC (26 e 27 de Novembro) adquiri este livro de Giorgio Agamben, filósofo italiano que já aqui apresentei, referi e citei. Neste pequeno livro, o autor reúne um conjunto de ensaios relacionados com os temas que usualmente investiga. Uma escrita simples e cativante, recheada de etnografias e anotações de costumes contemporâneos, que não só facilitaram como motivaram à leitura intensiva, quase sem interrupções.
Deste mesmo autor já conhecia "Profanação" e "Homo Sacer", falta-me conhecer uma das suas principais obras - "Estado de Excepção" (2003), que desconheço se está sequer traduzida para português. Aguardo impaciente essa edição.

12 outubro 2010

acabadinho de chegar

Depois de correr os livreiros e alfarrabistas da cidade do Porto e nada conseguir, tentei, através da internet, nos livreiros e alfarrabistas da capital, encontrar este clássico datado de 1928. Consegui esta versão facsimilada de 2005, na Arquimedes Livros Lda. Encomendei-a no dia 7 de Outubro e já chegou à minha caixa do correio (dia 12). Agradeço ao Sr. Júlio Carreira a rapidez e a simpatia. Assim, para além de alimentar o meu prazer de adquirir livros (os meus livros...), evito ter que me deslocar para a Biblioteca Pública Municipal do Porto.

23 abril 2010

dia 23 de Abril e o pretexto para ir buscar e ler este livro com uma capa horrível

Eu já sabia que mais tarde ou mais cedo ia comprar este livro. Seria apenas uma questão de tempo. Ainda antes de o ter pago já lera mais de metade e mal cheguei aqui, acabei de o ler. Estou aqui a escrever e a pensar como gosto da escrita de Manuel Alegre, clara e simples, quase sempre autobiográfica. Cento e qualquer coisa páginas de bom português que, em vários momentos, me fizeram arrepiar os sentidos, pois fala-nos da "vida de tantas vidas na tão curta vida". E andam para aí alguns armados em "escritores", cujas medidas são os quilos de papel vendido, ou cujos critérios de qualidade são as centenas, quando não milhares, de páginas impressas.
Desculpem a confusão, até porque, normalmente, não gosto de misturar águas, mas é também por isto que gostava de ver em Belem alguém que não seja tecnocrata, economista ou gestor, mas sim um humanista, desformatado e com memória, cujo discurso e prática se reveja na vida pequena das pessoas. Assim é este Miúdo que pregava pregos numa tábua.

"Ou como a própria Sophia num café em Porto Covo, os dedos da mão direita dedilhando enquanto a esquerda segurava o cigarro, nessa tarde em que ela queria seguir para Lisboa por uma estrada junto ao mar, ainda hoje sinto remorso de lhe dizer que não havia estrada nenhuma, ela insistia que sim, havia uma estrada no poema que ela estava a dedilhar e não devíamos ter hesitado, devíamos ter ido com ela por essa estrada fora." (2010:69)

15 novembro 2009

desconfiar das ideologias



Conheci o autor, Onésimo Teotónio Almeida, através das (dia)crónicas que mensalmente assina na revista Ler. Pouco ou nada sabia dele, a não ser que está radicado nos EUA onde dá aulas, numa qualquer universidade. Precisamente, na revista Ler deste mês de Novembro, Francisco José Viegas no "Diário de Ocasião" faz a apresentação deste livro e do autor, dizendo: "o que mais me surpreendeu foi a diferença do método, comparado com o pobre debate universitário em Portugal; depois, o ritmo de trabalho e a qualidade da discussão, longe de lugares-comuns e de opiniões banais".
Comprei e rapidamente o li. Aliás, uma das últimas leituras que fiz. De fácil leitura, opta por uma escrita pedagógica, conseguindo percorrer a história das ciências modernas. Do próprio autor ficam as palavras:
"De repente Darwin faz anos, e Portugal, descobrindo-se modernaço e europeu, põe-se em bicos de pés a celebrá-lo com entusiasmo, esquecido já do avozinho Marx a quem ainda há pouco beijava ternamente. (Neo) darwinistas explicam-lhe o comportamento humano, pois a ciência justifica agora a nossa animalidade, visto verdade e ciência serem, na sua percepção, irmãs gémeas, ou sinónimas, para usarmos mais rigorosa linguagem."