A História também tem qualquer coisa de imponderável. As grandes civilizações perfeitas caíram sozinhas. O Ocidente, provavelmente, também cairá. Até pelo excesso. Comparo muito o nosso tempo a um momento de decadência. Atingimos o cume do que era possível atingir, do bem-estar social, das liberdades, dos direitos, da defesa da saúde. Chegámos provavelmente o mais perto da perfeição que era possível. Mas tornámo-nos numa sociedade de abundância, do desperdício, da falta de cuidado. A partir daí, só se pode descer.
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Estamos a descer, como os romanos desceram. A vomitar para comer mais. As pessoas comem, comem e depois vão para os ginásios correr em máquinas, quando podiam andar no chão. Falta capacidade de inovação, o que é visível até nas pulsões retro da moda, em coisas que me parecem obscenas, como vestir calças esfarrapadas. A abundância estraga o indivíduo, hipervaloriza-o e desequilibra-o. É um desarranjo da forma de viver, o que é muito perigoso. Vivemos num tempo de muitos perigos e ameaças.
(Hélia Correia, in Jornal de Letras)
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