Nada me opõe à realização das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) em Portugal e em Lisboa. Dito isto, quero manifestar o meu indisfarçável incómodo em relação ao comportamento e atitudes daqueles que foram e são responsáveis pela organização das JMJ. Aquilo que está a acontecer é bem característico da atitude das nossas elites institucionais e dos nossos decisores políticos na gestão e uso do erário público. Num país com tantas carências estruturais e sociais, dão-se ao luxo de querer gastar milhões para receber durante um dia, ainda que sejam, dois, três ou quatro, o Papa Francisco. A trapalhada mediática instalada, com todos a sacudir a água do seu capote e a passar culpas para terceiros, com o Presidente da República ao sabor do vento, a dar o dito pelo não dito, com o inenarrável presidente da Câmara Municipal de Lisboa completamente desorientado e surpreendido pelo alvoroço na opinião pública, a pedir aos portugueses para "acreditarem" num milagre de retorno financeiro deste investimento, como se este evento e suas intervenções fossem um investimento para o país e para a cidade de Lisboa, sendo de imediato desmentido por todos os agentes culturais que não encontram proveito nenhum nesse recinto e sua estrutura. Mas mais, na ânsia de justificar o injustificável, Moedas faz chantagem, perguntando se os portugueses querem ou não querem receber o Papa e socorre-se da fórmula de sempre: socializa-se a despesa (erário público) e promete-se mais-valias incomensuráveis provenientes do evento, esquecendo-se contudo de dizer que essas mais-valias, a acontecerem, não serão socializadas, ou seja, não serão para o benefício colectivo dos portugueses, nem sequer dos lisboetas. Depois, falta referir a questão mais importante, a adjudicação directa, sem concurso público, do projecto a uma empresa que, só por coincidência, tem Paulo Portas na administração, amigo pessoal de Moedas e ex-presidente do CDS que, também por coincidência, faz parte da coligação que preside à Câmara de Lisboa. Enfim, uma cagada em três actos, protagonizada por gente de bem.
Será importante não deixar desaparecer este assunto da agenda mediática, pois caso contrário e apesar dos discursos de revisão do projecto, descaradamente tudo ou mais irá ser feito e gasto. Aliás, é para mim o maior defeito da ICAR, a sumptuosidade em que se veste e reveste, afrontando ontológica e essencialmente a sua origem e missão.
Enfim, nada nem ninguém fica bem na fotografia que se está a tirar por estes dias.
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