Elísio Estanque, no Sábado, dia 8 de Março escreveu um artigo de opinião no jornal Público ao qual deu o título de "Da força do poder ao poder da Força". Como gostei do texto e logo sublinhei as passagens mais relevantes, guardei esse jornal para mais tarde voltar a ele. Aconteceu hoje. Uma das suas principais ideias é que "num mundo cada vez mais complexo, são, paradoxalmente - ou talvez não -, as ideias mais simplistas, as narrativas mais primárias, que tomam a dianteira." Isto é de tal forma evidente que custa a crer que os poderes instituídos e seus representantes não se apercebam e não consigam contrariar e derrotar este ideário, mas mais do que comentar o texto, importa-me apenas partilhá-lo, naquilo que são, na minha opinião, os pontos-chave.
"Assistiu-se nas últimas décadas a um preocupante recuo da racionalidade e dos valores ilusionistas que projectaram a Europa como o principal baluarte da modernidade. Após o descrédito das ideologias que animaram a acção política ao longo do século XX: perante a falência do socialismo e do comunismo como sistemas alternativos ao capitalismo; com a erosão do sentido republicano e da social-democracia; o desgaste da cultura democrática em benefício dos identitarismos; são, todas elas, tendências que parecem empurrar-nos para um vazio de valores, de referências, de visão estratégia e, num certo sentido, para a rejeição da própria política na sua acepção mais nobre."
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"Cada vez mais gente adere a posturas arrogantes dos poderosos e foge das personagens mais cultas e inteligentes. Porquê? Estão em marcha poderosos mecanismos psicossociais que se difundem na sociedade, reformatando as mentalidades dos cidadãos - ou pelo menos contigentes cada vez maiores -, tornando-os seguidores incondicionais de líderes autoritários e potenciais súbditos de futuros tiranos. A revolução informática e digital, dominada pela lógica neoliberal, está a tornar-se um poderoso instrumento no desmantelamento da cultura política democrática. Em vez de uma democracia electrónica, em vez de se usar esses meios como ferramentas ao serviço da transparência e da participação cidadã, eles são cada vez mais apropriados pelos interesses dos grandes negócios que manobram influenciares, sistemas algorítmicos e redes digitais com vista a maximizar lucros e docilizar públicos massificámos e alienados."
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"Cresce uma vontade indómita de obediência dos fracos e ignorantes em relação aos ricos e poderosos. Nesse contexto, o líder salvífico surge travestido de uma linguagem exultante, estimulando nos seus incautos apoiantes uma projecção identitária que é tanto mais incondicional quanto mais emocional e radical contra o "inimigo" (o sistema, a elite política, o que for). São principalmente essas camadas mais vulneráveis que aderem ao discurso de ódio, e que recusam a retórica intelectualizada e incompreensível do campo político da esquerda."
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"O actual paradoxo da humanidade é que tende a acomodar-se na ideia fictícia de que a IA e o mundo digital virão repor a ordem e distribuir oportunidades a todos. Esses equipamentos incidem no cidadão comum criando uma vertigem descontrolada de deslumbramento, a qual esconde o lado sombrio desta brilhante inteligência. Ela obedece a programas que, sob a capa de um acesso fácil ao conhecimento, promovem indivíduos intelectualmente limitados e despojados de sentido crítico, subtilmente conduzidos a aderir a modelos de consumo pré-formatados, seja no plano material, seja na oferta discursiva que dá expressão às grandes frustrações de pessoas ressentidas.
A revolução digital é suportada pelo poder do algoritmo, que é estrategicamente orientado; destina-se, por um lado, a suprimir o trabalho humano numa imensa variedade de sectores, mas, por outro lado, contribui objectivamente para moldar o nosso gosto, as nossas escolhas e servir os grandes centros de poder que controlam esses meios e as redes digitais em geral."
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