12 dezembro 2025

um chá de...

Num café que a espaços frequento, pedi um chá de Cidreira, que é o único chá que peço e tomo. Não havia. - Como não tem Cidreira? - pensei eu, para logo depois, num raciocínio rápido, enquanto a menina me apresentava as alternativas habituais: Camomila, Verde, Preto, Tília, blá, blá, blá, ainda pûs a hipótese de dizer: - Então quero uma SuperBock!, mas não o fiz. Lembrei-me de Limão, apesar de não ter sido apresentado como alternativo. Muito bem, veio um Chá de Limão, só que não sabia nada a Limão. Aliás, nem sei ao que sabia, pois não me soube a nada em concreto. Só quando já estava a bebê-lo é que me ocorreu o carioca de Limão, que esse sim, sabe mesmo a Limão e eu nunca peço.

(fotografia da embalagem do dito que não sabia a nada, muito menos a Limão)

10 dezembro 2025

música efémera

Ontem, dia 9 de Dezembro, dia chuvoso na Invicta, circulava eu na rua Damião de Góis, parei nos semáforos do cruzamento com a rua Antero de Quental, onde iria virar à direita. Estava portanto na fila da direita das três que aí existem. Seria o terceiro ou quarto carro na fila, quando, olhando para a zona da passadeira, vejo um jovem, alto e bem constituído, com uma máscara cirúrgica na cara, que pára mais ou menos a meio dessa passadeira, vira-se para os automóveis e começa a tocar violino. O meu primeiro instinto foi soltar uma gargalhada, que logo de imediato sustive, pois apesar da surpresa e do inusitado, só uma condição má o poderia motivar ou obrigar a tal desempenho. Certo é que esse rapaz começou a caminhar por entre os carros, sempre a tocar violino e sem pedir nada a ninguém, mas o que aconteceu é que vários automobilistas à minha frente lhe deram dinheiro. Estou habituado, eu diria diariamente, a encontrar gente a actuar nestes momentos fugazes do trânsito... malabaristas, limpadores de vidros, pedintes, palhaços, trapezistas, etc., mas nunca esperaria encontrar um violinista. Eu que por norma não contribuo nesses momentos, pela surpresa e espanto da circunstância, também lhe dei uma moeda.

06 dezembro 2025

a sangria persiste e um mundo desaparece

A notícia é da passada quinta-feira e diz que a VASP, empresa que detém o monopólio da distribuição da imprensa nacional pelo território do país, está a avaliar ajustamentos na distribuição diária de imprensa em oito distritos do interior: Beja, Évora, Portalegre, Castelo Branco, Guarda, Viseu, Vila Real e Bragança. Dito de outra forma, a empresa vai deixar de distribuir a imprensa diariamente nestes distritos já a partir do dia 2 de Janeiro de 2026.
Para além daquilo que já sabemos sobre a situação de maior parte dos títulos nacionais e regionais impressos em papel, esta notícia é, não reveladora porque há muito sabemos, mas a confirmação da profunda desigualdade entre os territórios litorais e os interiores do país, da desestruturação do território nacional e do abandono de qualquer política pública de coesão territorial. São jornais, bem sei, não são ambulâncias, helicópteros, escolas ou tribunais, mas o acesso à informação escrita em suporte papel, por mais banal que possa parecer, é um sintoma da "saúde" de um Estado democrático e de uma cidadania plena e esclarecida.
Para além da possibilidade desta notícia não ser mais do que uma chantagem da empresa para com o Estado, no sentido de uma renegociação de financiamentos (compensações) pelo serviço público prestado, existe aqui uma dramática representação do país real e de como ele é perspectivado a partir do Terreiro do Paço. Ainda que as vendas sejam diminutas ou residuais e não gerem receitas suficientes para pagar a sua distribuição, importa que o Estado garanta a cada cidadão português, esteja onde estiver, o acesso a essa informação em formato jornal e/ou revista impressos. Não tenho a certeza qual será a melhor solução para este problema, mas sei que, por exemplo, os CTT se não tivessem sido privatizados, seriam uma boa solução para a distribuição diária de jornais e revistas pelos pontos de venda em todo o país, nomeadamente por esses territórios interiores e esvaziados.

a grande tensão

A propósito do seu novo livro "O Fim dos Estados Unidos da América", Gonçalo M. Tavares dá uma entrevista à jornalista Isabel Lucas, que foi publicada no suplemento Ípsilon, do jornal Público de ontem, dia 5 de Dezembro de 2025. Sobre este livro com mais de novecentas páginas que o próprio autor define como "tragédia greco-americana", discorre sobre várias ideias e conceitos, paradoxos e distopias da nossa contemporaneidade e sobre futuros possíveis para a nossa espécie. A determinada altura e quando questionado sobre a mediação de mitos, responde assim:

"A questão de ir à Lua era um mito moderno, esta coisa agora de repente de ir a Marte. São mitos com motor e gasolina. O facto de os EUA não terem também uma história mítica por trás, que fundamenta as suas ideias, os seus projectos, faz com que os mitos sejam muito mitos para a frente. A tragédia greco-americana é um pouco isso. Quando falamos em mitos, normalmente, olhamos para trás, nos mitos americanos o olhar é para a frente. Daí nasce um conflito. Mas a grande tensão é entre riqueza e pobreza. Interessava-me pensar sobre até quando pobres e ricos continuarão a ser uma espécie única. Ou seja, biologicamente, a partir de quando a união de uns e outros conseguirá gerar descendência? Aí temos uma nova espécie. Há aqui também uma distopia.
Esta é uma das distopias essenciais do livro, a questão de quando é que vamos achar que está aqui uma separação exagerada. Pensa-se em guerra civil entre dois extremos políticos ou entre duas concepções de mundo, mas pode ser entre duas espécies humanas que se vão formando.
Por outro lado, há pessoas a viver como na Idade Média e outros no cume da tecnologia. Não estamos todos a viver em 2025. Quem não tem Internet ainda não chegou a a 1980. E estas pessoas cruzam-se na rua. O conflito de classe traz o conflito de épocas. É como se os pobres viessem reclamar o direito de entrar no século XXI. Esta é a grande distopia. Quis puxar por isto: ainda não está claro que há aqui um conflito gigante, uma grande guerra civil entre pobres e ricos. É uma guerra civil desproporcionada. É o século XVIII a combater com o século XXI."

(negritos meus)

04 dezembro 2025

aqui e connosco *

Foi no final da década de 70, princípio de oitenta que certos encantos deste nosso recanto o deram a conhecer e depressa o fizeram filho desta terra. 
O Fernando, menino-homem da cidade, lá de longe, da capital, era para aqui que fugia sempre que podia. Adorava a tranquilidade e a paz que aqui encontrava e, na sua simplicidade, deixava-se ficar no fundo do povo, na Campaça de sempre, entre o escano e o pátio.
Escrevo estas linhas em cima do joelho, minutos antes desta cerimónia, porque sei, sabemos, o Fernando é nosso amigo. Eu conheci-o algures no início dos anos 90, com toda a certeza aqui em Vila Boa e quando o Bruno era ainda uma criança. Ao longo de todo este tempo assistimos e partilhámos a vida que o Fernando e a Fátima construíram e o resultado desse primeiro amor, nas lindas Natacha, Matilde e Maria. O Fernando, de trato simples, educado e atencioso, demonstrou ser de cá, ser um de nós, pois muito rapidamente aprendeu a jogar à Belota, se não me engano, com o tio Elias e/ou com os seus cunhados. Por cá não haverá maior prova de pertença à comunidade do que saber-se jogar a esse peculiar jogo.
Neste dia triste, queremos homenagear o Fernando e a sua vida. O nosso Fernando permanecerá aqui e connosco.

* Lido no final da cerimónia religiosa, na igreja paroquial de Vila Boa, dia 3 de Dezembro, do funeral de Fernando Sousa, amigo e também familiar.