Numa tarde de Sábado de um Outono longínquo, em que nada se predispunha para ficar registado na história, um toque remoto, nada presente, que me atormenta a paz. Lentamente, o som torna-se mais próximo, mais intenso e irritante, até que de vez me desperta de um torpor febril. Estranho ninguém atender e a letargia própria destes estados alterados de consciência impede-me de o fazer de imediato. A insistência é tal que me obriga a agir.
Enquanto vou descendo as escadas, mantenho a esperança de que, seja quem for, entretanto desista e o telefone se cale… Mas não, ainda fui a tempo de atender. Sentado no antepenúltimo degrau das escadas, desnudado e completamente alheado da existência, atendo com um soturno Estou!?... Do outro lado, uma voz trémula e quase desconhecida pergunta-me se sou eu (!?)… Um forte tremor pelo corpo, talvez da febre, talvez do frio, concerteza por reconhecer aquela voz, faz-me finalmente avivar e apurar os sentidos.
Depois de um intervalo no tempo em que nada aconteceu e as distâncias impuseram as suas forças, num sotaque estranho, um sussurro doce, que me diz a falta, que me diz a saudade e a vontade de ver e estar. Num delírio, que não recordo bem, trocamos algumas simples e ambíguas palavras.
Despeço-me com a promessa (incerta) de um encontro breve, pouso o auscultador do telefone e regresso ao aconchego dos lençóis, num estado de espírito eufórico com a corajosa atitude e, com o mel da sua voz, adormeço na febre daquela tarde de Outono.
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