"Na guerra que estamos a viver o neo-liberalismo está a ganhar. E quando as pessoas começarem a reagir aos efeitos da razia os guiões disponíveis serão os do nacionalismo e das ideias extremistas." Miguel Vale de Almeida, in Os Tempos que Correm
---------"Viajar, ou mesmo viver, sem tirar notas é uma irresponsabilidade..." Franz Kafka (1911)--------- Ouvir, ler e escrever. Falar, contar e descrever. O prazer de viver. Assim partilho minha visão do mundo. [blogue escrito, propositadamente, sem abrigo e contra, declaradamente, o novo Acordo Ortográfico]
13 outubro 2010
12 outubro 2010
acabadinho de chegar
Depois de correr os livreiros e alfarrabistas da cidade do Porto e nada conseguir, tentei, através da internet, nos livreiros e alfarrabistas da capital, encontrar este clássico datado de 1928. Consegui esta versão facsimilada de 2005, na Arquimedes Livros Lda. Encomendei-a no dia 7 de Outubro e já chegou à minha caixa do correio (dia 12). Agradeço ao Sr. Júlio Carreira a rapidez e a simpatia. Assim, para além de alimentar o meu prazer de adquirir livros (os meus livros...), evito ter que me deslocar para a Biblioteca Pública Municipal do Porto.
11 outubro 2010
08 outubro 2010
sob rasura
As medidas de austeridade recentemente anunciadas pelo Primeiro Ministro e pelo seu Ministro das Finanças vieram definitivamente consolidar a ideia de incompetência e de alienação que a generalidade dos portugueses tinham em relação a este governo e aos seus membros. Tudo aquilo que nos tem sido dito, ao longo destes últimos anos, não existia, não acontecia e não era. Aquilo que não nos diziam, existia, acontecia e era. Portugal viveu (e vive) assim, distorcido de si mesmo. Neste momento, concerteza, não haverá um único português que não se questione e não receie tudo o quanto ainda poderá sofrer num futuro próximo – ainda nos últimos dias, confrontado com a previsão de uma recessão portuguesa em 2011, realizada pelo FMI, o Ministro Vieira da Silva assobiou para o lado, dizendo que esse organismo já anteriormente se enganou em relação às previsões para Portugal e, portanto, esta previsão será apenas mais um engano, claro. Face à violência de tudo aquilo que foi anunciado, curiosa (ou não) é a atitude dos órgãos de comunicação social que, num frenesim diário, vão difundindo em massa a inevitabilidade desse nosso “fado”.
Ao analisarmos toda a estranheza da linguagem utilizada e da própria acção dos nossos governantes, chegamos à conclusão que temos sido governados sob rasura. E o exercício é simples, José Sócrates e os seus pares, estrategicamente, escolhem um assunto ou uma expressão que pretendem analisar, colocando um X sobre ela, como que colocando-a entre parênteses. Esse assunto ou expressão não deverá ser mencionada, mas será preciso mencioná-la se quiserem transmitir a mensagem em questão. Sem essa expressão, a ideia a ser transmitida fica incompleta ou perde o sentido. No entanto, essa mesma expressão é suficientemente problemática para ser evitada. Portanto, evita-se. Esta situação agrava-se quando se trata de questões estranhas ou não familiares ao Eng. José Sócrates, pois a sua (in)cultura política, o seu desdém social e a sua ignorância sectorial de todo um país, levam-no à abstracção: É como se determinados assuntos não estivessem cá e não existissem, mas a verdade é que estão, sempre estiveram e como marcas da ausência de uma presença.
Enquanto pacifista que sou e não querendo abusar de um tom excessivamente confessional, é nestes dias e horas, estrampalhadas, que recordo e invejo o “pêlo na benta” do povo grego. Tal como eles têm feito amiúde, nós também nos deveríamos insurgir contra aquilo que nos impingem. Também nós deveríamos sair para a rua e parar o país. Também nós deveríamos inverter o ónus da dívida e da crise – vejam como Faria de Oliveira, Presidente da Caixa Geral de Depósitos, depois do anúncio de novo imposto sobre as entidades financeiras, vem a público e despudoradamente afirma que “evidentemente” esses custos recairão sobre os clientes. Também nós deveríamos reclamar aquilo que é nosso por direito. Estranha e incompreensivelmente optamos por ficar em casa, passivamente, enquanto uma dúzia de facínoras vai ditando as suas leis e, com isso, a inevitabilidade de subtrair aos demais cidadãos a sua existência. Evitável.
(enviado para o Jornal Nordeste - editável em 12 de Outubro de 2010)
Ao analisarmos toda a estranheza da linguagem utilizada e da própria acção dos nossos governantes, chegamos à conclusão que temos sido governados sob rasura. E o exercício é simples, José Sócrates e os seus pares, estrategicamente, escolhem um assunto ou uma expressão que pretendem analisar, colocando um X sobre ela, como que colocando-a entre parênteses. Esse assunto ou expressão não deverá ser mencionada, mas será preciso mencioná-la se quiserem transmitir a mensagem em questão. Sem essa expressão, a ideia a ser transmitida fica incompleta ou perde o sentido. No entanto, essa mesma expressão é suficientemente problemática para ser evitada. Portanto, evita-se. Esta situação agrava-se quando se trata de questões estranhas ou não familiares ao Eng. José Sócrates, pois a sua (in)cultura política, o seu desdém social e a sua ignorância sectorial de todo um país, levam-no à abstracção: É como se determinados assuntos não estivessem cá e não existissem, mas a verdade é que estão, sempre estiveram e como marcas da ausência de uma presença.
Enquanto pacifista que sou e não querendo abusar de um tom excessivamente confessional, é nestes dias e horas, estrampalhadas, que recordo e invejo o “pêlo na benta” do povo grego. Tal como eles têm feito amiúde, nós também nos deveríamos insurgir contra aquilo que nos impingem. Também nós deveríamos sair para a rua e parar o país. Também nós deveríamos inverter o ónus da dívida e da crise – vejam como Faria de Oliveira, Presidente da Caixa Geral de Depósitos, depois do anúncio de novo imposto sobre as entidades financeiras, vem a público e despudoradamente afirma que “evidentemente” esses custos recairão sobre os clientes. Também nós deveríamos reclamar aquilo que é nosso por direito. Estranha e incompreensivelmente optamos por ficar em casa, passivamente, enquanto uma dúzia de facínoras vai ditando as suas leis e, com isso, a inevitabilidade de subtrair aos demais cidadãos a sua existência. Evitável.
05 outubro 2010
centenário da república portuguesa
Nesta data particular em que assinalamos 100 anos sobre o 5 de Outubro de 1910, a República não se deve resumir à contemplação estática do passado, enumerando todas as suas virtudes e/ou todos os seus defeitos. Querendo aqui transpor o domínio da retórica fácil das evocações nostálgicas, poderemos iniciar por questionar:
- O que foi a República?
Já Antero de Quental respondeu, advertindo:
“A República não é somente o direito abstracto e filosófico proclamado com paixão aos ventos do vago céu da história; é o direito económico, fiscal, administrativo, prático e palpável, realizando-se palmo a palmo, visivelmente, experimentalmente, na sociedade de cada dia, na vida de cada hora, no indivíduo como na colectividade, encarnando nos factos e movendo-se como a realidade mais palpitante.”
Terá sido um período de desmando, uma vertigem anómica, uma “anarquia” que Portugal vivenciou durante dezasseis anos, ou pelo contrário, um regime cuja obra se apresenta plena de virtudes, com dirigentes veneráveis, misto de visionários e intelectuais cuja acção teria sido tolhida por ventos adversos… Estas têm sido as posições sustentadas, por um lado, pela historiografia estadonovista, e por outro, pelos hagiógrafos da República.
São ângulos de visão que têm hegemonizado a análise do tempo republicano, colocando, naturalmente, escolhos no caminho a percorrer para a compreensão deste riquíssimo período da história de Portugal.
Compreender até que ponto a actual democracia portuguesa é herdeira legítima de uma fibra republicana, é recuperar uma memória identitária forjada na combustão de um ideário que se foi afirmando até ser poder e quando poder se cumpriu e incumpriu, mas se manteve enquanto corpus ideológico, enquanto património político que atravessa todo o século XX português.
A análise da sociedade portuguesa contém marcas indeléveis desta persistência do pensamento republicano no tecido ideológico da democracia.
Da República recebemos o Estado laico, bandeira liberal contra a confessionalidade da Monarquia Constitucional, que outorgava à igreja católica uma omnipresença visível no quotidiano português. Omnipresente no desempenho de funções administrativas, na ascendência que a hierarquia católica, apostólica e romana tinha sobre o Estado, na autoridade eclesiástica que se fazia sentir com o peso e o treino de séculos.
A laicização da sociedade portuguesa era perspectivada como condição sine qua non para a vitória do progresso, da modernidade, meta alcançável apenas quando o país se conseguisse libertar da atávica influência do clero obscurantista, retrógrado, apegado ao atraso e por ele responsável.
Ao Estado laico assacava-se ainda a responsabilidade da completa transformação que a República perseguia, a metamorfose civilizacional do analfabeto, incapaz de protagonizar uma cidadania republicana, num outro sujeito histórico, capaz de ler o mundo, com novos direitos e deveres a traçarem novas formas de vida social. A concretização desta alquimia cultural e cívica ficaria a cargo da educação, uma educação que se queria massiva, generalizada, mensageira de uma nova sociedade, com um papel central no modus vivendi das diferentes comunidades que compunham o grande fresco da sociedade portuguesa do início do séc. XX.
Há já muito que a propaganda do Partido Republicano vinha preparando, e mais que isso, concretizando essa vocação educacional. O destaque ía para a “Educação Nova” que mais tarde, já regime, a República iria levar por diante, ainda que se tenha ficado muito aquém do que era proposto, não só quantitativamente, mas também sob ponto de vista da qualidade do ensino, dado o objectivo minimalista da alfabetização.
Por outro lado, a ética republicana de serviço público ocupará um lugar de destaque na ecologia política deste novo tempo. O primado do público sobre o privado, as regras de rigorosa democratização da vida interna do partido impondo a rotatividade dos cargos, bem como a realização anual de congressos decisórios, vão ser, entre outros, aspectos estruturantes desta ética procedimental de que a democracia portuguesa se reclama, não obstante a efectiva prática política com que hoje nos deparamos.
Haverá, seguramente, outras impressões digitais impressas na substância da democracia que hoje vivemos. É que um projecto global de mudança social e política, como a República pretendeu ser, não se dissipa com facilidade, mesmo com o sopro feroz de uma ditadura.
Que a República viva.
(intervenção Sessão Solene da República - Assembleia Municipal de Bragança - 5 de Outubro de 2010)
- O que foi a República?
Já Antero de Quental respondeu, advertindo:
“A República não é somente o direito abstracto e filosófico proclamado com paixão aos ventos do vago céu da história; é o direito económico, fiscal, administrativo, prático e palpável, realizando-se palmo a palmo, visivelmente, experimentalmente, na sociedade de cada dia, na vida de cada hora, no indivíduo como na colectividade, encarnando nos factos e movendo-se como a realidade mais palpitante.”
Terá sido um período de desmando, uma vertigem anómica, uma “anarquia” que Portugal vivenciou durante dezasseis anos, ou pelo contrário, um regime cuja obra se apresenta plena de virtudes, com dirigentes veneráveis, misto de visionários e intelectuais cuja acção teria sido tolhida por ventos adversos… Estas têm sido as posições sustentadas, por um lado, pela historiografia estadonovista, e por outro, pelos hagiógrafos da República.
São ângulos de visão que têm hegemonizado a análise do tempo republicano, colocando, naturalmente, escolhos no caminho a percorrer para a compreensão deste riquíssimo período da história de Portugal.
Compreender até que ponto a actual democracia portuguesa é herdeira legítima de uma fibra republicana, é recuperar uma memória identitária forjada na combustão de um ideário que se foi afirmando até ser poder e quando poder se cumpriu e incumpriu, mas se manteve enquanto corpus ideológico, enquanto património político que atravessa todo o século XX português.
A análise da sociedade portuguesa contém marcas indeléveis desta persistência do pensamento republicano no tecido ideológico da democracia.
Da República recebemos o Estado laico, bandeira liberal contra a confessionalidade da Monarquia Constitucional, que outorgava à igreja católica uma omnipresença visível no quotidiano português. Omnipresente no desempenho de funções administrativas, na ascendência que a hierarquia católica, apostólica e romana tinha sobre o Estado, na autoridade eclesiástica que se fazia sentir com o peso e o treino de séculos.
A laicização da sociedade portuguesa era perspectivada como condição sine qua non para a vitória do progresso, da modernidade, meta alcançável apenas quando o país se conseguisse libertar da atávica influência do clero obscurantista, retrógrado, apegado ao atraso e por ele responsável.
Ao Estado laico assacava-se ainda a responsabilidade da completa transformação que a República perseguia, a metamorfose civilizacional do analfabeto, incapaz de protagonizar uma cidadania republicana, num outro sujeito histórico, capaz de ler o mundo, com novos direitos e deveres a traçarem novas formas de vida social. A concretização desta alquimia cultural e cívica ficaria a cargo da educação, uma educação que se queria massiva, generalizada, mensageira de uma nova sociedade, com um papel central no modus vivendi das diferentes comunidades que compunham o grande fresco da sociedade portuguesa do início do séc. XX.
Há já muito que a propaganda do Partido Republicano vinha preparando, e mais que isso, concretizando essa vocação educacional. O destaque ía para a “Educação Nova” que mais tarde, já regime, a República iria levar por diante, ainda que se tenha ficado muito aquém do que era proposto, não só quantitativamente, mas também sob ponto de vista da qualidade do ensino, dado o objectivo minimalista da alfabetização.
Por outro lado, a ética republicana de serviço público ocupará um lugar de destaque na ecologia política deste novo tempo. O primado do público sobre o privado, as regras de rigorosa democratização da vida interna do partido impondo a rotatividade dos cargos, bem como a realização anual de congressos decisórios, vão ser, entre outros, aspectos estruturantes desta ética procedimental de que a democracia portuguesa se reclama, não obstante a efectiva prática política com que hoje nos deparamos.
Haverá, seguramente, outras impressões digitais impressas na substância da democracia que hoje vivemos. É que um projecto global de mudança social e política, como a República pretendeu ser, não se dissipa com facilidade, mesmo com o sopro feroz de uma ditadura.
Que a República viva.
(intervenção Sessão Solene da República - Assembleia Municipal de Bragança - 5 de Outubro de 2010)
02 outubro 2010
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