31 outubro 2020

frugalidades

A notícia é ja do dia 17 de Outubro, mas na altura não tive tempo para a ler com atenção e, por isso, guardei-a no pc. Hoje olhei-a com detalhe e não posso deixar de a comentar. Entre outros pormenores, diz a notícia:

Metade da população portuguesa já ouviu falar em dieta mediterrânica e conhece algumas das principais recomendações a ela ligadas. (...) Foram ouvidos 1000 indivíduos — 60% dos quais disseram já ter ouvido falar deste padrão alimentar. Dentro deste grupo, 80% mostraram conhecimento (o cálculo dos 50% é feito com base nestas duas percentagens) e conseguiu identifi􏰀car pontos importantes como o uso do azeite, o consumo elevado de horto- frutícolas, a preferência dada ao pescado em detrimento da carne ou o consumo de leguminosas. Curiosamente, nota Maria João Gregório, a frugalidade, que é uma das características fundamentais da dieta mediterrânica, não é referida pelos inquiridos. (...) (os dados) revelam é que quem segue este tipo de alimentação são sobretudo as mulheres (33%) e o grupo etário entre os 16 e os 34 anos (33%). À medida que aumenta a idade, a adesão à dieta mediterrânica diminui de maneira expressiva: são só 27% os que têm entre 35 e 64 anos, e a partir dos 65 anos a percentagem cai para 19%. Também o nível de escolaridade tem relevância: no grupo dos que aderem a esta dieta, 35% têm mais de 12 anos de escolaridade e 30% têm um nível económico considerado “confortável ou muito confortável”. (...) Por que é que certos grupos sócio-económicos mostram mais abertura à dieta mediterrânica do que outros (sendo que seria de esperar que a população mais velha e mais rural seguisse, tradicionalmente, este tipo de alimentação, o que não acontece. (...)
Houve nas últimas décadas uma série de mudanças que ajudam a explicar alterações na forma como comemos. (...) Há um “crescente apelo à responsabilidade individual”, uma gestão difícil da casa e do trabalho (74,5% das mulheres continuam a dedicar uma hora ou mais por dia à preparação das refeições), ao mesmo tempo que surgiu uma “oferta mais fragmentada”, com muita comida rápida e transformada, a que se soma um “relaxamento em relação às regras” da hora da refeição. Mas há também “contratendências” que passam pela valorização da produção nacional, dos produtos de proximidade, feitos com menor impacto sobre o ambiente, e ainda de algumas tradições alimentares. É de destacar igualmente a questão do consumo de carne, cuja redução é recomendada pela dieta mediterrânica (e não só). (...)
Quarenta e nove por cento das pessoas ouvidas no II Grande Inquérito à Sustentabilidade, do ICS, dizem-se dispostas a reduzir o consumo de carne, e 26,5% a deixar de comer carne. E também aqui há um dado curioso: os mais dispostos a fazer esta alteração são as mulheres das áreas metropolitanas e com maior nível de escolaridade; os menos disponíveis para o fazer são os homens com mais de 65 anos, dos meios rurais e com menor nível de escolaridade. (...)
Estas são algumas das principais conclusões de um estudo encomendado pelo Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável da Direcção-Geral da Saúde, e apresentado ontem pela directora, Maria João Gregório, na conferência Dieta Mediterrânica à Portuguesa, um evento promovido pelo Grupo Jerónimo Martins e que se realizou no Pátio da Galé, em Lisboa, com transmissão directa online, para assinalar o Dia Mundial da Alimentação. (Jornal Público, 17 de Outubro de 2020, página 37)

Não querendo ferir ou suspeitar da qualidade e da importância do estudo realizado, acho sempre alguma piada a esta coisa das "dietas" e das generalizações a propósito dos hábitos alimentares das diferentes comunidades por associação ao território em que vivem. Claro que sim, as comunidades sempre se alimentaram daquilo que a sua terra sazonalmente propiciava e só muito recentemente foi possível introduzir nas suas "dietas" produtos não autóctones e não sazonais. Esta estranheza face à resistência ao consumo disto e daquilo, ou as preferências, são perfeitamente compreensíveis. Por exemplo, na "minha" aldeia, na terra fria transmontana, até ao final do século XX, comer um citrino, como uma laranja ou tangerina, era um luxo e raramente possível. O limão não fazia parte dos ingredientes para o tempero na cozinha transmontana. Portanto, quando alguém queria presentear outro, era comum oferecerem-se laranjas. Um bem escasso e apetecível. Em relação ao consumo de carne, não sei qual é o espanto de serem os mais velhos a resistirem ao seu abandono, pois são aqueles que têm memória do tempo em que ela era escassa na sua alimentação (os tempos da fome), portanto, agora que a podem consumir, porque raio haviam de não o fazer...
Dois pormenores: a frugalidade e a tradição. Em relação a esta, considero que a tradição alimentar, seja de que região, geografia, ou comunidade for, disse sempre respeito ao leque disponível de produtos alimentares nessa região, transformando-se numa espécie de habitus social e, por isso, hoje podemos encontrar uma gastronomia regional - temperos, modos de preparação e apresentação, doçaria, entre outros. Em relação à ideia de frugalidade, é parva a ideia de que, durante gerações e gerações, e também ainda hoje, as comunidades, com excepção dos grupos sociais mais abastados, viveram com abundância alimentar. Muito pelo contrário, a frugalidade foi uma constante na condição de maior parte das comunidades humanas.
Por último, la pièce de résistance, não deixa de ser curioso e até metafórico do tempo que vivemos, o facto deste evento ter sido promovido pelo Grupo Jerónimo Martins, esse expoente nacional da comercialização de bens alimentares e "comida rápida e transformada", tão saudáveis e tão frugais.

30 outubro 2020

mano mais novo


O mano mais novo está imparável. Gosto muito deste vídeo. 

25 outubro 2020

um novo início

O título destas linhas terá dois sentidos ou duas possíveis significações. Por um lado, a pandemia que teima em nos cercar e sitiar, obriga-nos a reforçar cuidados e a reiniciar processos e rotinas que se julgavam ser já pretérito; por outro lado, esta grande incerteza naquilo que é o nosso presente, faz-nos questionar se algum dia iremos ter acesso a uma qualquer normalidade livre e a salvo deste maldito vírus.
Esta pequena reflexão, que me tem acompanhado nos últimos dias, deixa-me inquieto e, ao mesmo tempo, resignado. Inquieto porque estou saturado desta clausura auto-imposta e resignado porque tenho consciência, face aos números actuais da pandemia em Portugal e no resto da Europa, de que não haverá alternativa a um novo confinamento imposto por lei e para a totalidade do país.
Hesito se devo, ou melhor, se quero iniciar aqui uma segunda série de textos "enclausurado", dedicados a essa experiência pessoal que foi o primeiro confinamento. Irei aguardar mais uns dias para perceber o desenvolvimento da situação pandémica e as consequentes medidas das nossas autoridades.
Relembrando as palavras de George Steiner, pergunto-me: Teremos nós direito a um novo início?

mediascape: ridícula

Vão-me desculpar, não é má vontade, nem sequer birra, mas não faz qualquer sentido este tipo de iniciativas. A vontade de agradar aos munícipes, aliada a uma vontade de se mostrarem actualizados e nesta moda "à distância", não se adequam com determinadas actividades ou eventos. Apenas ridícula a intenção de promover concursos "online" de produtos naturais locais e regionais.

22 outubro 2020

constatação

Habituei-me, ao longo dos últimos anos, a registar a minha agenda quotidiana no telemóvel, prescindindo das velhas e clássicas agendas de bolso ou de secretária. Acontece que há um par de dias essa agenda digital (a minha secretária particular, como eu a chamo), que transporto no écran principal do meu telemóvel, teima em afirmar: "nenhum evento nas próximas duas semanas". Não sendo totalmente verdade, eis a constatação do vazio em que se transformou o meu futuro próximo.

19 outubro 2020

ciência ingénua

Só por ingenuidade poderíamos pensar que a ciência moderna é uma sólida fonte de sabedoria. Na maioria dos casos, como bem escreveu Nietzsche, a ciência moderna não produz pensadores, mas operários especializados que se limitam a cumprir ordens, como soldados no campo de batalha.
Viriato Soromenho Marques, in jornal de Letras nº 1305 - Outubro 2020.

17 outubro 2020

macaco de ano

Acabei ontem de manhã a leitura deste livro, o último de Patti Smith. Ainda que permaneça no universo das suas memórias e num tom confessional, neste texto Patti Smith escreve sobre os seus últimos anos, sobre as suas amizades e projectos, viagens, encontros e desencontros, até às vésperas do confinamento, já em 2020. Patti Smith é, para mim, acima de tudo, uma boa escritora e lê-la é também conhecer parte da cultura popular americana, com suas estrelas e ídolos, dos últimos cinquenta anos.

O acto de escrever em tempo real com a intenção de obrigar o presente a desviar-se do rumo que está a tomar, de lhe escapar ou de fazer com que abrande, é obviamente fútil, se não mesmo totalmente estéril. E é claro que, ao escrever este epílogo de um epílogo, estou ciente de que já estará obsoleto quando chegar aos leitores. Contudo, como sempre e tendo ou não um objectivo específico em vista, sinto-me compelida a escrever com fervor e esperança, entrelaçando realidade, ficção e sonho. Ao regressar a casa, sento-me à secretária que pertenceu ao meu pai e transcrevo o que escrevi. (página 274)

mediascape: infantilização

Passámos de ser uma sociedade europeia que privilegiava o pensamento e a racionalidade, a filosofia e a literatura, ou a literatura como filosofia moral, a uma sociedade de crianças grandes que brincam umas com as outras ou mutuamente se agridem com furor por coisas sem importância. A agressão tem como contrapartida a lisonja, propiciada por fotografias idiotas em pose e dando a ilusão da beleza e da viagem, ou do luxo e da intimidade, do erotismo empacotado. É um filme inofensivo de banalidades que nada acrescenta nem diminui, serve de sintoma da infantilização.
Clara Ferreira Alves, in revista E (jornal Expresso), 17 Outubro 2020.

16 outubro 2020

Gato Morto

O novo projecto musical do mano mais novo chama-se Gato Morto e, nos últimos dias, lançaram o primeiro single do álbum que vai ser lançado em 2021. Gosto deste som. Para o caso de não conseguirem identificar, o mano mais novo é o da guitarra.

13 outubro 2020

mediascape: ver para crer

A expressão que se utiliza na minha aldeia quando o pobre desconfia da grandeza da esmola é: - Finta-te! E foi a minha reacção instintiva ao ler esta pequena notícia de hoje, no jornal Público. Mas alguém acreditará que, depois de décadas de desmantelamento da rede ferroviária nacional, principalmente no interior do país, agora vão investir e reconstruir a rede de forma a servir todas as capitais de distrito? Eu não acredito, mas gostava muito de ver isso concretizado. Infelizmente, não passa de mais um aparatoso anúncio, tal como aconteceu com o TGV, os aeroportos e outros que tais. Bem típico das governações socialistas.

09 outubro 2020

ainda as jornadas culturais em Balsamão

Chegaram-me hoje alguns registos fotográficos da minha passagem pelas XXIII Jornadas Culturais de Balsamão. Partilho alguns desses momentos:






04 outubro 2020

cultura e Igreja

Tal como aqui tinha informado e anunciado, participei nas XXIII Jornadas Culturais de Balsamão que decorreram este fim-de-semana (de 1 a 3 de Outubro). Estive em Balsamão no dia 2, dia da minha intervenção, e tive a oportunidade de assistir e participar no programa completo desse dia. Uma das intervenientes, no início da sua intervenção, partilhou com a audiência uma pequena reflexão que me deixou pensativo e também a reflectir sobre esse "pormaior". Disse ela, algo do género: - Não deixa de ser interessante e até curioso o facto de, num tempo em que não se fala de cultura em lado nenhum, seja aqui e seja a Igreja a estar disponível e interessada em promover espaços e jornadas onde podemos partilhar conhecimento e cultura. 

Apenas quero manifestar a minha simpatia e concordância com tal raciocínio, realçando o facto de as Jornadas Culturais de Balsamão se realizarem há vinte e três anos consecutivos. Uma realidade que transforma, sem qualquer dúvida, estas Jornadas em património que importa preservar, promover e apoiar. Hei-de regressar.