10 abril 2021

a descentralização e o poder local [parte 2]

(mais do que uma recensão, um exercício de leitura)


(continuação)

A descentralização assimétrica que se define pelo facto de haver diferenças nos poderes administrativos e políticos entre jurisdições, por exemplo a municípios diferentes correspondem atribuições, recursos e competências distintas, tendo em consideração as suas especificidades demográficas, territoriais e económicas. Acontece que a assimetria existe sempre, porque os territórios administrados localmente são necessariamente muito diferentes, mas nem sempre, pelo menos em Portugal, essa diversidade significa competências descentralizadas diferentes.
Este capítulo termina com uma referência ao caso das áreas metropolitanas, pois em Portugal, e também noutros países europeus, a fatia maior da produção encontra-se dependente destas áreas metropolitanas. São territórios que apresentam, como consequência da sua vitalidade, demografia e concentração, um conjunto de desafios e problemas muito específicos, nalguns casos, mais agudizados.
De seguida, no capítulo – “breve retrato do poder local em Portugal”, o autor faz uma abordagem diacrónica e dos principais momentos da existência do poder local português, afirmando o município português como um dos activos mais importantes da nossa identidade territorial. Por exemplo, a existência em Portugal de dois níveis autárquicos – a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia, é uma particularidade singular na Europa. Um outro aspecto fundamental para a vida dos municípios foi e é o acesso aos fundos europeus de desenvolvimento regional, pois permitiu a mobilização dos instrumentos, incentivos e da vontade política, que geraram um ritmo admirável de investimentos públicos nos municípios. Relacionado com esta capacidade de captação de financiamentos, verificou-se a criação do sector empresarial público local, isto é, o incremento de empresas municipais e intermunicipais.
Como não poderia deixar de acontecer, dá-se destaque ao movimento criado pelo “Livro Verde para a Reforma da Administração Local”, que previa uma série de objectivos para alcançar de imediato, entre os quais o mais significativo seria a extinção e fusão de municípios, mas que o Governo e as autarquias abordaram de forma alternativa, reformando o mapa das freguesias e reforçando os mecanismos e incentivos para a cooperação intermunicipal. Esta atitude ou escolha revela uma cultura política nacional muito conservadora, que não convive bem com reformas radicais do sistema administrativo e político.
Por fim, neste capítulo, são apresentados os novos desafios do poder local: demografia, habitação, serviços básicos, planeamento, ambiente, economia regional, competitividade, coesão territorial e sustentabilidade. Assim como se reconhece que os municípios não têm sido capazes de dar resposta de forma equilibrada em todos o país, devido às tremendas assimetrias existentes. A abordagem ideal para estes novos desafios deverá ser uma abordagem integrada, isto é, que enfatizem os problemas de escala e de capacidade das autarquias. Embora a autonomia dos municípios tenha sido reforçada, não houve atribuições correspondentes no âmbito das receitas e das despesas, o que motiva o seguinte comentário do autor:

O nosso modelo de governação é aquilo que poderíamos apelidar de um incentivo à liberdade incapaz: as autarquias locais podem decidir, mas com poucos meios. (página 87)

O último capítulo – “Conclusão: o futuro – regionalização disfarçada ou verdadeira?”, inicia com uma questão muito pertinente: os municípios irão perder importância nas próximas décadas ou irão reforçar o seu papel?
O autor responde à sua própria questão, afirmando que, tendo em consideração que os municípios continuam a trabalhar com base num sistema com mais de quatro décadas, é perfeitamente compreensível que Portugal se empenhe, mais cedo ou mais tarde, numa reforma profunda do seu governo local. E que essa reforma deverá ser um processo integrado e não uma soma de políticas, incentivos e estratégias parcelares e isoladas.
Filipe Teles aponta duas estratégias para o processo reformador:
a) a regionalização, dando cumprimento ao previsto na constituição e com órgãos regionais eleitos estabeleceriam um nível de governo intermédio, com vantagens democráticas, de legitimidade, responsabilidade e com efeitos de escala;
b) o reforço gradual da capacidade e autonomia dos municípios, em que as responsabilidades com as despesas sejam acompanhadas da responsabilidade de financiamento local, para garantir os incentivos adequados para as autarquias locais;
Por outro lado, este processo reformador de descentralização deverá implicar uma abordagem integrada: território, escala de governação, competências de cada jurisdição, autonomia, articulação multinível, lei eleitoral, fiscalidade, funcionamento dos órgãos autárquicos, administração local e capacidade institucional.
Mais, segundo este ensaio, esta descentralização implicará derrotar um conjunto idiossincrasias: incomparável centralização, autonomia limitada, deficiente capacitação institucional e técnica, ingovernável diversidade, irracional multi-territorialização e sobreposição de entidades políticas e administrativas.
Este deverá ser, enfim, um processo longo, maduro, participado, interinstitucional, avaliado e testado, pois importa garantir a flexibilidade dos modelos de governação, permitindo a diversidade.
O ensaio termina com um pequeno texto denominado “os cinco dês da descentralização”: 
- Dar poderes e competências os níveis de governação mais próximos dos cidadãos;
- Dotar de capacidades organizacionais, técnicas, políticas, humanas e financeiras os níveis de governação de acordo com os poderes e competências recebidas;
- Diferenciar as funções e competências adequando-as às realidades territoriais, económicas, sociais e demográficas;
- Democratizar, responsabilizando e legitimando os órgãos de decisão;
- Descomplexificar a relação entre os níveis de governação, clarificando funções, competências e territórios de actuação.

A título de curiosidade, ou como complemento de informação, dizer que na mesma colecção “ensaios da fundação”, que actualmente conta já com 110 ensaios, podemos ainda encontrar outros títulos que se relacionam com este, ou dizem respeito ao mesmo ambiente ou contexto temático, a saber: nº 24 – Portugal: dívida pública e défice democrático; nº 37 – os investimentos públicos em Portugal; nº 38 - parcerias público-privadas; nº 50 – confiança nas instituições políticas; nº 79 – qualidade da democracia em Portugal; nº 92 – administração pública portuguesa; nº 106 – jobs for the boys? Nomeações para a administração pública.

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