Esta notícia saiu ontem, dia 14, no jornal Público e, quase de imediato, me motivou a escrever o texto que se segue. Depois, fui contactado para ceder o texto para uma petição a apresentar ao executivo da Câmara Municipal do Porto, o que aceitei com a condição de ser subscrita apenas por trinta e oito "não-ilustres". A ver vamos.
O sobressalto cívico ao ler a notícia da edição de hoje do jornal Público - “Estátua de Camilo deve ser removida após petição que invoca questões de gosto e moral” de Lucinda Canelas, não poderia ser maior. Então porque há trinta e sete indivíduos que não gostam de uma obra colocada num espaço público da cidade, o Presidente da Câmara Municipal decide, unilateralmente, retirá-la e remetê-la ao pó e ao esquecimento dos depósitos municipais?
Estamos, de facto, perante mais uma manifestação de um poder discricionário e arbitrário que não revela mais do que o tique da soberba elitista que gere e governa os destinos do município. Não importa quem são os trinta e sete signatários de tal petição, na medida em que se tratando de uma petição entregue na Câmara Municipal, ela carece de representatividade na manifestação de uma proposta, reclamação ou indignação da população do município. Quantas petições não terão sido já entregues na autarquia com bem mais signatários que não mereceram qualquer atenção do executivo e do Sr. Presidente? Mais, pelo que se percebe da notícia, a petição não foi merecedora de debate em sede de Assembleia Municipal ou, sequer, de executivo, apenas uma decisão de “mande-se retirar” porque há trinta e sete “tão ilustres cidadãos” que a consideram um “desgosto estético” e uma “desaprovação moral”. Tanto haveria a dizer sobre a tormenta e o constrangimento destas trinta e sete almas por causa da referida estátua, mas aquilo que importa é, uma vez mais, a atitude sobranceira de Rui Moreira. A autarquia, num determinado momento, promoveu ou apenas aceitou a instalação deste monumento escultório da autoria de Francisco Simões, o que significou liberdade de expressão e de criação para um artista. Trata-se de uma representação, de uma abstracção e não, como garante o autor, de um retrato de Ana Plácido ou de Camilo Castelo Branco. Citado nesta peça, o mesmo afirma que “cada um tem direito à sua interpretação, à sua subjectividade. Não tenho a pretensão de agradar a todos. A unanimidade em arte não existe.” Reforçando esta ideia de Francisco Simões, mau, muito mau sintoma é quando assistimos a unanimidades culturais. Por outro lado, o gosto individual - o meu, o teu, o dele e o do presidente da autarquia - não deve ser critério para escolhas ou decisões políticas e de gestão autárquica. Parafraseando os signatários desta peculiar petição eu diria que “favor higiénico” para a cidade e seus cidadãos seria respeitar a diversidade e a criatividade das manifestações artísticas e culturais. O “gosto estético” e a “aprovação moral” devem-na reservar para os espaços próprios, privados e íntimos, onde, aí sim, nem sequer são necessárias petições ou signatários.
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