10 janeiro 2025

desconstruindo, desmantelando, desequilibrando, assim vamos

Nestes últimos dias instalou-se um debate público em Portugal a propósito de uma iniciativa legislativa deste governo. Trata-se de uma alteração ao Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) que, a se efectivar, alterará por completo o território nacional. O Decreto-lei, já promulgado pelo Presidente da República, mas que será ainda levado ao Parlamento e entrará em vigor no final deste mês de Janeiro, permitirá que as câmaras municipais ou as assembleias municipais, que é como quem diz, os presidentes e executivos camarários reclassifiquem solos rústicos em solos urbanos e assim, possibilitarem a urbanização, a construção e a especulação imobiliária em territórios que até agora estavam protegidos dessas agressões.
Segundo o ministro Manuel Castro Almeida, a intenção do Governo é promover "uma mudança estrutural" ao "aumentar a oferta de terrenos para construir habitação como forma de baixar o preço das casas". Acontece que o problema da habitação é sentido, na sua esmagadora maioria, nos grandes centros urbanos e aí os solos rústicos são praticamente inexistentes. Portanto, não é verdade que a preocupação deste Governo, e com esta iniciativa, seja a habitação e sua oferta a custos controlados. E nos solos urbanos há tanta disponibilidade para construir e reconstruir, que não se percebe esta iniciativa legislativa, os seus propósitos ou sequer o seu interesse ou necessidade.
Até hoje, ou melhor, até este Decreto-lei, mesmo com um instrumento anteriormente criado de seu nome "simplex urbanístico" que permitia algumas excepções, não era possível edificar ou urbanizar em solos rústicos ou solos classificados como Reserva Ecológica (REN) ou Reserva Agrícola (RAN), mas ao alterar desta forma o Regime Jurídico e ao capacitar os municípios desse poder de reconversão dos solos, aquilo que o governo está a fazer, na verdade, é mais um ataque ao património natural protegido em benefício de uns quantos especuladores imobiliários, que não olharão a meios para atingir os seus inquestionáveis fins. Ao mesmo tempo, esta alteração não fará mais do que potenciar e até legitimar os esquemas do clientelismo e as promiscuidades entre o poder autárquico e o sector imobiliário. Escancara-se a porta de acesso para a avidez insaciável dos capitais aos solos e territórios que deveriam permanecer salvaguardados e imunes a essa voragem.
A percepção que fica e se instala é que para este governo não haverá limites para a desconstrução ou desmantelamento do Estado e do que é público. Mais um crime lesa-pátria que esta a ser "legalmente" cometido, mas pelo qual ninguém, jamais em tempo algum, será responsabilizado.
Senhores, não é por acaso que existe a classificação de "solo rústico" e este assim deve permanecer, pois é aí que os equilíbrios do território, do ambiente e da biodiversidade acontecem. Imperativo.

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