Nos passados dias 20, 21 e 22 de Julho estive em Ortigueira (na Corunha) – pequena e isolada localidade do norte da Galiza encostada ao oceano Atlântico, de onde (crê o povo) nos dias mais claros se consegue avistar a Inglaterra. Ortigueira é, principalmente, conhecida por aí se realizar, anualmente, o maior festival do mundo de música inter-céltica. Durante esses dias participei num encontro promovido pela Universidad Internacional Menéndez Pelayo, subordinado ao tema “Novas Ruralidades na Galiza”, onde técnicos e investigadores de várias áreas do saber reflectiram e discutiram os territórios rurais galegos, analisando a sua história, percebendo a sua actualidade e tentando perspectivar possíveis futuros. Regressado ao lado de cá, dou de caras com a notícia do “Estudo sobre a Pobreza na Região Norte de Portugal” elaborado pelo Centro de Estatística da Associação Nacional das PME e pela Universidade Fernando Pessoa para a Comissão Europeia, que indica Trás-os-Montes como a Sub-Região mais pobre dos 27 países da União Europeia.
Mais do que discutir este documento, gostaria de reflectir acerca da ruralidade que sempre vivemos, da ruralidade que actualmente existe e daquela que nos querem impor. Devemos partir do princípio que o rural se distingue do urbano (espaços, lugares, tempos, espaço-tempos e modos de vida) e que a questão principal será determinar os limites de uma e outra realidade. Esta limitação permitirá perceber as diferentes construções imaginárias de identidades, nomeadamente: a ideia de prestígio associado à vida nas cidades, o fascínio das luzes da cidade, o prestígio de ser migrante: comodidades, dinheiro e aparência, o atraso e a estática rural por oposição à dinâmica da cidade. Portanto, para podermos falar de ruralidade(s) teremos que ter sempre em consideração os processos de urbanização e, mais recentemente, os de metropolização – enquanto capacidade de atracção de indivíduos (rotinas, hábitos e consumos) por parte das cidades e suas regiões. Em Portugal e segundo João Ferrão e Duarte Vala (2002), existirão 4 cidades/regiões com potencial de metropolização – Lisboa, grande Porto, Algarve e região triangular entre Viseu, Aveiro e Coimbra, o que remeterá o restante território para uma existência sem grande capacidade de atrair novos indivíduos e novas actividades. No que a Trás-os-Montes diz respeito, todos já sabemos, por experiência própria e pelos constrangimentos históricos, a situação de extrema periferia em que vivemos e que agora o PROT N vem relembrar e, acima de tudo, legitimar e prolongar por mais algumas décadas.
Falar do mundo rural na actualidade é falar de um mundo em profundas mutações, cujas actividades económicas, dinâmicas sociais e valorizações materiais e simbólicas têm evoluído em vários sentidos. Para além disto, assistimos nos últimos anos a um crescente consumo dos símbolos rurais: a explosão do turismo rural foi o expoente máximo desse consumo; a “descoberta” dos certames temáticos de cariz local (feiras de fumeiro, de caça, de pesca, de produtos da terra, etc) que valorizam aspectos e produtos tradicionais locais; a folclorização de certas actividades agrícolas (matanças, ciclos de produção, etc) e recreativas (grupos de caretos e grupos de gaiteiros, ressurgimento de tradições sagradas e/ou profanas) revivalistas de tempos idos; a destradicionalização, ou seja, a procura de novas formas de expressão em cada momento/actividade (alheiras de Bacalhau, grupo de pauliteiras ou experiências gourmet com o fumeiro) que ao mesmo tempo que mantêm a referência cultural procuram a inovação e a diferenciação; a agricultura biológica que se vende à custa de uma imagem vegetariana, naturalista e saudável; o turismo da natureza (normalmente associado à prática de desportos de aventura e de conhecimento); a preservação e reconstrução de património construído – arqueológico (castros, fornos de telha).
Para um melhor entendimento do imaginário rural será preciso também ter em conta os actores sociais que permitem este novo cenário. Hoje em dia podemos identificar diferentes tipos de indivíduos no espaço rural, que se caracterizam por interesses divergentes, mas que se manifestam num mesmo território. Utilizando uma classificação de Paulo Castro Seixas, diria que temos: a) os sobreviventes – aqueles que apesar de tudo permaneceram e trabalham no rural (…que nos remetem para o conceito de resistência); b) novos pendulares – aqueles que apesar de trabalharem no sector secundário e terciário e num espaço urbano, optaram por viver no espaço rural e no seu dia-a-dia viajam entre os dois “mundos”; c) os regressados – aqueles que depois de uma vida de trabalho noutras geografias e noutros contextos laborais, regressam à comunidade rural de origem; d) consumidores rurais – todos aqueles que, tal como vimos atrás, procuram os símbolos rurais como divertimento, férias, descanso, aventura, etc; e) investidores rurais – aqueles que apesar de urbanitas procuram o rural e adquirem um espaço, que adoptam como sendo “seu”. Uma casa, uma quinta, uma propriedade, etc. Muitas vezes trata-se de puro investimento; f) novos rurais – a chegada de estrangeiros que no país de origem tinham um modo de vida urbanizado e cá optam por se estabelecer numa comunidade rural. Outro exemplo são os novos povoadores que saem das cidades e procuram novas oportunidades no interior rural do país (até existe uma empresa que fomenta e incentiva essa movimentação).
Os habitantes das comunidades rurais, ao contrário do que possam pensar, não têm o poder e a influência de decisão na construção dos seus futuros. Por muito que se inventem novos programas e incentivos para o desenvolvimento local, por muito que se venda o discurso da valorização dos recursos naturais e culturais, serão sempre interesses exógenos a ditar o presente e possíveis futuros. Interesses que não são mais do que respostas procedentes de certas classes urbanas e grupos sociais que, utilizando diversas estratégias, se sentem legitimadas para decidir o futuro das comunidades rurais, sem ter em conta, normalmente, a opinião dos locais do mundo rural.
Por último, assumir que os dados aqui apresentados mais do que certezas serão dúvidas e, por isso, mais do que afirmações, devem ser entendidas como meras hipóteses que importa estudar e/ou explorar. Serão ou não novas ruralidades? Serão ou não, sequer, ruralidades? Não creio. O rural está na moda, vende-se e por isso, actualmente, valoriza-se. Apenas.
Mais do que discutir este documento, gostaria de reflectir acerca da ruralidade que sempre vivemos, da ruralidade que actualmente existe e daquela que nos querem impor. Devemos partir do princípio que o rural se distingue do urbano (espaços, lugares, tempos, espaço-tempos e modos de vida) e que a questão principal será determinar os limites de uma e outra realidade. Esta limitação permitirá perceber as diferentes construções imaginárias de identidades, nomeadamente: a ideia de prestígio associado à vida nas cidades, o fascínio das luzes da cidade, o prestígio de ser migrante: comodidades, dinheiro e aparência, o atraso e a estática rural por oposição à dinâmica da cidade. Portanto, para podermos falar de ruralidade(s) teremos que ter sempre em consideração os processos de urbanização e, mais recentemente, os de metropolização – enquanto capacidade de atracção de indivíduos (rotinas, hábitos e consumos) por parte das cidades e suas regiões. Em Portugal e segundo João Ferrão e Duarte Vala (2002), existirão 4 cidades/regiões com potencial de metropolização – Lisboa, grande Porto, Algarve e região triangular entre Viseu, Aveiro e Coimbra, o que remeterá o restante território para uma existência sem grande capacidade de atrair novos indivíduos e novas actividades. No que a Trás-os-Montes diz respeito, todos já sabemos, por experiência própria e pelos constrangimentos históricos, a situação de extrema periferia em que vivemos e que agora o PROT N vem relembrar e, acima de tudo, legitimar e prolongar por mais algumas décadas.
Falar do mundo rural na actualidade é falar de um mundo em profundas mutações, cujas actividades económicas, dinâmicas sociais e valorizações materiais e simbólicas têm evoluído em vários sentidos. Para além disto, assistimos nos últimos anos a um crescente consumo dos símbolos rurais: a explosão do turismo rural foi o expoente máximo desse consumo; a “descoberta” dos certames temáticos de cariz local (feiras de fumeiro, de caça, de pesca, de produtos da terra, etc) que valorizam aspectos e produtos tradicionais locais; a folclorização de certas actividades agrícolas (matanças, ciclos de produção, etc) e recreativas (grupos de caretos e grupos de gaiteiros, ressurgimento de tradições sagradas e/ou profanas) revivalistas de tempos idos; a destradicionalização, ou seja, a procura de novas formas de expressão em cada momento/actividade (alheiras de Bacalhau, grupo de pauliteiras ou experiências gourmet com o fumeiro) que ao mesmo tempo que mantêm a referência cultural procuram a inovação e a diferenciação; a agricultura biológica que se vende à custa de uma imagem vegetariana, naturalista e saudável; o turismo da natureza (normalmente associado à prática de desportos de aventura e de conhecimento); a preservação e reconstrução de património construído – arqueológico (castros, fornos de telha).
Para um melhor entendimento do imaginário rural será preciso também ter em conta os actores sociais que permitem este novo cenário. Hoje em dia podemos identificar diferentes tipos de indivíduos no espaço rural, que se caracterizam por interesses divergentes, mas que se manifestam num mesmo território. Utilizando uma classificação de Paulo Castro Seixas, diria que temos: a) os sobreviventes – aqueles que apesar de tudo permaneceram e trabalham no rural (…que nos remetem para o conceito de resistência); b) novos pendulares – aqueles que apesar de trabalharem no sector secundário e terciário e num espaço urbano, optaram por viver no espaço rural e no seu dia-a-dia viajam entre os dois “mundos”; c) os regressados – aqueles que depois de uma vida de trabalho noutras geografias e noutros contextos laborais, regressam à comunidade rural de origem; d) consumidores rurais – todos aqueles que, tal como vimos atrás, procuram os símbolos rurais como divertimento, férias, descanso, aventura, etc; e) investidores rurais – aqueles que apesar de urbanitas procuram o rural e adquirem um espaço, que adoptam como sendo “seu”. Uma casa, uma quinta, uma propriedade, etc. Muitas vezes trata-se de puro investimento; f) novos rurais – a chegada de estrangeiros que no país de origem tinham um modo de vida urbanizado e cá optam por se estabelecer numa comunidade rural. Outro exemplo são os novos povoadores que saem das cidades e procuram novas oportunidades no interior rural do país (até existe uma empresa que fomenta e incentiva essa movimentação).
Os habitantes das comunidades rurais, ao contrário do que possam pensar, não têm o poder e a influência de decisão na construção dos seus futuros. Por muito que se inventem novos programas e incentivos para o desenvolvimento local, por muito que se venda o discurso da valorização dos recursos naturais e culturais, serão sempre interesses exógenos a ditar o presente e possíveis futuros. Interesses que não são mais do que respostas procedentes de certas classes urbanas e grupos sociais que, utilizando diversas estratégias, se sentem legitimadas para decidir o futuro das comunidades rurais, sem ter em conta, normalmente, a opinião dos locais do mundo rural.
Por último, assumir que os dados aqui apresentados mais do que certezas serão dúvidas e, por isso, mais do que afirmações, devem ser entendidas como meras hipóteses que importa estudar e/ou explorar. Serão ou não novas ruralidades? Serão ou não, sequer, ruralidades? Não creio. O rural está na moda, vende-se e por isso, actualmente, valoriza-se. Apenas.
(texto enviado para o Jornal Nordeste e publicado hoje, dia 4 de Agosto)
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