31 dezembro 2016

à la palice

Acabo de receber um email com a seguinte pergunta: comeu demasiado no Natal?(apresentam depois umas dicas para se emagrecer ou recuperar desse excesso...)
Eles não querem que eu responda, mas eu respondo, aqui:
Não! Não comi. No Natal eu como sempre é pouco, muito pouco. Natal é dia de fome para mim e a única dica que eu daria, para evitar excessos, seria: não comam.
Simples e barato.

30 dezembro 2016

ad eternum, ou melhor, ad nauseam

Não sou comprador, nem sequer leitor, desta publicação. Muito de vez em quando, lá me vem parar às mãos e, então aí, folheio-a e leio com atenção e interesse um ou outro cronista. A edição cuja capa aqui reproduzo é bem paradigmática das razões pelas quais eu não a leio... Até quando vão repetir a receita? E os ingredientes? É que todos os anos são sempre os mesmos! Para além de estarmos fartos de saber as suas opiniões sobre tudo e mais alguma coisa, fica a sensação de que estas personagens nos acompanham desde sempre e até sempre e, na verdade, já estamos nauseados.

28 dezembro 2016

o regresso aos cromos

A minha criança, há cerca de dois meses, trouxe do jardim infantil uma caderneta de cromos do campeonato nacional deste ano 2016/17. Achou piada e quis fazer a colecção. Eu, confesso, também lhe achei piada e, nostálgico da idade em que fiz inúmeras colecções, passei a comprar-lhe quase diariamente algumas saquetas de cromos. Estão caros! Todos os dias, ou quase, o ritual de abrir essas saquetas de 6 cromos e ver se faltam ou são repetidos, tornou-se hábito cá em casa. Agora, com a caderneta quase completa, tornou-se mais difícil conseguir cromos novos e, ao contrário do que aconteceu na minha meninice, não há por perto com quem trocá-los. A maravilha da internet permitiu-me descobrir vários fóruns e sítios onde se podem trocar cromos de toda a espécie e qualidade - novos, velhos, nacionais, internacionais, entre outros - e cá ando eu todo satisfeito a traficar cromos, em encontros previamente combinados, ou através dos CTT. A verdade é que só já faltam vinte ou trinta cromos para completar a caderneta e não vamos parar até o conseguir.
A minha criança completará assim a sua primeira caderneta, que eu com cuidado guardarei para um dia lha entregar. Eu, tal como noutras situações esperadas na vida dos miúdos, cá ando entretido e divertido com os cromos e a reviver tempos idos.

26 dezembro 2016

panóptica do eu

(primeiras linhas do que está já em produção)
Dez anos, aqui e agora, vertidos em textos. Sinto este volume como uma transparência que permite tudo ver e perceber. O panóptico está aqui, através dele, quem quiser, poderá ver-me a mim, translúcido e desmascarado, às vezes eufórico, outras vezes cáustico, nem sempre optimista, mas sempre crítico. Será, em todo o caso, um bom retrato meu.

22 dezembro 2016

alheado e obcecado

Decisão com algum tempo de vida, esta de me manter, confortável e sossegadamente, afastado da torrente informativa e noticiosa que nos empurra numa vertigem cronológica. Alheado então desse abismo contemporâneo, tenho vivido as minhas horas e dias a fazer o que mais gosto, tranquilo e apenas obcecado pelo cumprimento dos prazos estabelecidos e combinados. Assim, não só os dias crescem, como a produção é mais rentável, possibilitando ainda outros prazeres que, por pudor relativo a todos os meus amigos e amigas que labutam das "9 às 6", me abstenho pronunciar. Por outro sim, importa salientar que neste findar de mais um ano civil, as perspectivas para o novo e próximo ano são muito interessantes e, para ser verdadeiro, nada me é mais catalisador do que perceber que não tenho, ou terei, tempo útil para o tudo que tenho em mãos. Por outro não, talvez seja melhor não estar para aqui com esta atitude de cigarra e regressar ao modus faciendi da pequenina formiga.
Não sei, talvez, há quem diga que sim. Fui.

12 dezembro 2016

regresso da luta, agora com força...

"No dia em que aceitarmos de olhos fechados situações que ferem a nossa inteligência, o senso comum e a tradição científica, não estamos a cumprir as nossas obrigações." (Artur Anselmo in Jornal Público)

Hoje ainda regressarei a este assunto. Vou comprar o jornal Público, pois a entrevista dada pelo Presidente da Academia de Ciências de Lisboa é muito importante para o futuro da língua portuguesa.

(em actualização)

10 dezembro 2016

palestra de Manuel Castells

Esta tarde foi dedicada à conferência que Manuel Castells veio proferir, por convite da Câmara Municipal de Gaia, às Conferências de Gaia, realizada nas Caves Ferreira. Não tendo grande expectativa, nem sendo um seu leitor atento, na medida em que os assuntos sobre os quais versa não me excitam a amígdala, havendo esta oportunidade para o ouvir ao vivo, aproveitei.
A conferência versava sobre "uma cidade inteligente num mundo global e em rede" e, de facto, Manuel Castells é um entendido globalizado dessa conexão em rede que é a sociedade actual. Num tom agradável e, a espaço, com sentido de humor, apresentou a sua perspectiva sobre as sociedades actuais e de futuro, relevando a importância da conexão dos territórios, das instituições e dos indivíduos, alertando para o facto de o futuro estar já captado ou colonizado por aqueles que conseguirem manter-se em rede. Sua visão é, aqui, radical, afirmando que só existem duas possibilidades: ou estamos conectados e sobreviveremos, ou estamos desconectados e seremos dispensados pelos processos globalizantes.
O que percebi, estando perante um "guru" à escala mundial destas matérias, é que a sua perspectiva, a sua opinião, o seu pensamento, estão perfeita e completamente dominados e ajustados pelos paradigmas vigentes e, foi curioso, no período final de perguntas, terem sido várias as questões colocadas sobre a dimensão humana relacionalmente: as implicações deste novo habitat no ser humano; onde fica o Ser ontológico, etc. e ele, habilmente, não deu resposta directa a nenhuma dessas questões, afastando-se de qualquer perspectiva humanista da sociedade.
Relembrando aquilo que foi o seu percurso, o seu brilhante percurso académico até ao estrelato, hoje pude confirmar como evoluiu o seu pensamento, desde os primeiros tempos em que questionava o sistema, os paradigmas e os dogmas, numa atitude que poderíamos considerar anti-sistema, até à actualidade em que se percebe nitidamente o seu à-vontade nos meandros dos poderes, sistemas e instituições do mainstream liberais e capitalistas, naquilo que é a sua apologia da tecnologia, dos sistemas de informação e das redes comunicacionais.
Hoje fiquei a saber que para este ilustre pensador não há possibilidade de existência, não haverá possíveis futuros sem ser em rede, sem ser em permanente e eterna comunicação. Para além de não aceitar este determinismo, acredito que poderemos sempre estar e viver desconexados, desligados da rede. É ainda uma questão de opção.

08 dezembro 2016

desaparecimento


Este era e é, mas vai deixar de ser, o meu whisky predilecto. Um dos manos andava à sua procura e em nenhum lugar o encontrou, nem qualquer explicação para o seu desaparecimento. Apenas em garrafeiras gourmet e em leilões na net se encontram garrafas destas. Ao comentar comigo eu não reconheci essa dificuldade, nem aceitei os preços que ele me apresentou por garrafa (cento e muitos a duzentos e tal euros). Nem pensar, disse eu, pois recordo-me ter comprado deste whisky abaixo dos cem euros. A explicação surgiu hoje. Esta marca acabou, ou faliu, ou foi vendida, e, por isso mesmo, só se encontra o que estava em stock nos pontos de venda e, agora, com preços altamente inflaccionados. Lamento profundamente.

06 dezembro 2016

a quem interessar...


Eu vou lá estar. Quem estiver interessado poderá inscrever-se gratuitamente até amanhã, 4ª feira, através do seguinte email: conferenciasdegaia@cm-gaia.pt

05 dezembro 2016

01 dezembro 2016

constatação

Alguém que ocupa um lugar público por nomeação e não apresenta declaração de rendimentos, nem quer apresentar, manifesta uma profunda desconsideração pelo Estado. A atitude do presidente demissionário da Caixa Geral de Depósitos é ofensiva para todos nós. Um indivíduo destes jamais deveria ter ocupado um cargo público, pois não quer saber, nem acredita no Estado. Boa viagem.

ecos de uma entrevista

A propósito do colóquio sobre Monsenhor José de Castro que já aqui publicitei, enviei para publicação no jornal Mensageiro de Bragança e para a Voz Portucalense este pequeno contributo sobre a oportunidade e o valor deste iniciativa (fica aqui em primeira mão):

"
No próximo dia 9 de Dezembro a diocese de Bragança-Miranda e a Câmara Municipal de Bragança vão homenagear Monsenhor José de Castro, figura maior do clero e da cultura nacional. Nesse dia, e no âmbito dos 50 anos do seu falecimento, vai ter lugar um colóquio subordinado ao estudo da sua vida, obra e pensamento. Tendo tido conhecimento desse evento através deste jornal (edição de 24 de Novembro), não posso deixar de me associar à iniciativa, pois considero que este ilustre bragançano nunca mereceu por parte das autoridades locais e regionais as devidas honras e considerações, se não vejamos a diferença entre o reconhecimento póstumo à figura e à obra do Abade Francisco Manuel Alves, vulgo, Abade de Baçal e a perfeita amnésia colectiva em relação a Monsenhor José de Castro. Nessa edição de 24 de Novembro do “Mensageiro de Bragança” é publicada uma pequena entrevista ao presidente da Comissão Organizadora deste evento, o Professor Doutor Henrique Manuel Pereira que, de forma simples e bem explicita, se refere à ambição de recuperar para o presente o nome, a vida e, principalmente a vasta obra de Monsenhor José de Castro, possibilitando assim às actuais e às futuras gerações conhecerem o seu extraordinário legado. No fim dessa entrevista Henrique Manuel Pereira perspectiva aquilo que poderá ser o caminho certo para a recolocação de Monsenhor no lugar devido, nomeadamente através de um centro de estudos e um serviço educativo centrado na sua personalidade, ou através do estudo e reedição da sua obra, ou através da edição de textos inéditos e da realização de documentários e afins.
Na referida entrevista, historia-se o que entre nós tem merecido a memória de Mons. José de Castro, sem esquecer de louvar o esforço para a reabilitar por parte de personalidades como Belarmino Afonso e D. António José Rafael. De resto, este não é o primeiro serviço que Henrique Manuel Pereira presta à figura de Mons. José de Castro. Bastará lembrar a competente e rigorosa organização dos livros “D. Frei Bartolomeu dos Mártires e outros textos sobre o venerável” (2014) e mais recentemente “In Memoriam: Pe. Francisco Manuel Alves, Abade de Baçal” (2016), ambos editados pela diocese de Bragança-Miranda.
Das iniciativas para o futuro, avançadas na entrevista a que nos vimos referindo, sem desmerecer qualquer uma delas, merece-me destaque a vertente pedagógica, naquilo que poderá e deverá ser um serviço educativo ao dispor das comunidades escolares e, em particular, dos estudantes da região e para além dela. Será relevante, do ponto de vista educacional, cultural e até social, levar Monsenhor José de Castro até às escolas básicas e secundarias de Bragança e não só, proporcionando assim um efectivo conhecimento do cidadão bragançano, do laborioso estudioso e, não menos importante, do produtor cultural que Monsenhor foi. Importa que essas novas gerações percebam e entendam o seu contributo para aquilo que Bragança hoje é, enquanto diocese e mesmo enquanto cidade e região.
Apesar de já conhecer a figura de Monsenhor e de já conhecer parte da sua obra, o primeiro contacto sério e aprofundado com a sua obra foi no âmbito da minha investigação sobre a vida de D. Manuel António Pires, publicada em 2015. Ao analisar a sua correspondência logo percebi uma proximidade e entre ambos e, se assim poderei dizer, uma relação onde Monsenhor desempenharia um papel tutelar e até paternalista, no melhor sentido do termo, em relação ao então jovem seminarista e estudante em Bragança e Roma e, também, depois sacerdote na diocese de Bragança e bispo em Silva Porto, Angola.
Do que já conheço da pessoa e obra de Monsenhor José de Castro aquilo que mais admiro e mais me impressiona é a sua elevadíssima capacidade de trabalho, seja na investigação, seja na produção escrita e cultural. Tendo sido quem foi e tendo ocupado os lugares que ocupou, como conseguiu ele espaço e tempo para tamanha obra? Teria ele tido consciência da dimensão hercúlea do seu esforço? Teria ele tido consciência que estaria a trabalhar, não para si e para os seus contemporâneos, mas para aqueles que um dia viriam, ou seja, nós?
Estamos perante uma obra singular e que, sem dúvida, urge conhecer e dar a conhecer. Será essa a melhor forma de dignificar a sua vida e a sua memória.

Luís Vale

Vila Boa, 30 de Novembro de 2016 "

29 novembro 2016

peditório

Nunca aqui o tinha realizado, mas chegou a hora de tal acontecer.
Pois é, aproximando-se um evento editorial de substancial relevância para nós, para vós e, quem sabe, até para a própria humanidade, cabe-me, enquanto escrevente da coisa, questionar a comunidade de apurriados se alguém está interessado em patrocinar, apoiar, sustentar ou financiar o dito projecto. O pedido é extensível a familiares, amigos, amantes e afins.
Dar-se-ão alvíssaras e um forte abraço como contra-partida.
Agradece o autor e, depois, agradecerão todos os leitores.
Obrigado.

28 novembro 2016

solilóquio

Hábito meu, hábito este de me antecipar à pontualidade. Momento após momento, dia após dia, constato o facto. Sou o primeiro a chegar, sou eu que espero. Sempre.

a quem interessar...

Enquanto membro da comissão organizadora, com certeza, lá estarei.

26 novembro 2016

solilóquio

Se na contemporaneidade o comando da tv é um símbolo de poder, então cá em casa eu estou bem longe desse privilégio.

fidel castro


No dia em que sabe da sua morte, para o bem e para o mal, foi uma figura incontornável do século XX. Por motivações e atitudes questionáveis e com as quais poderemos ou não concordar, conquistou o seu lugar na história universal. Estranho é ver parte da sua população a chorar e outra a festejar.

sexta-feira negra

Para além da triste escolha na designação de "black friday" para o dia de descontos em muitas lojas e marcas que ontem aconteceu, parece-me ridículo e até ofensivo à inteligência das pessoas, se quiserem dos consumidores, apelar às suas carteiras com descontos que não são nada de extraordinário e que vão acontecendo ao longo do ano sem a etiqueta "black friday". Mais uma importação parva. Não sei se houve ou não grandes confusões e se houve ou não um volume de vendas significativo, mas irrita-me saber que mesmo depois dos muitos avisos e alertas, haja portugueses que correram para as lojas ávidos de "promoções".
Depois, ainda há a questão da desonestidade e falta de escrúpulos de muitas empresas que, previamente, inflacionam os preços para depois poderem apresentar os tais descontos fenomenais. Fica uma ilustração daquilo que pretendi manifestar.

hipocrisia à fome

Anda para aí meio país, quer dizer, anda para aí a comunicação social toda, quer dizer, anda para aí alguma comunicação social excitadíssima com a atribuição de estrelas Michelin a restaurantes portugueses. Tratando-se de gostos e de assuntos do palato, não vale a pena discutir, mas caramba, verdade seja dita, ou pelo menos corroborada, trata-se apenas da elegia à gastronomia da fome. Que tipo de sociedade se pode dar ao luxo de premiar este modo de comer, esta forma de vender refeições? Apenas e só uma sociedade hipócrita e sem a experiência ou memória da fome.

23 novembro 2016

she just want to be somewhere
and I,
I will chose to stay here, always.

21 novembro 2016

eles não vão comer tudo

Ainda dizem que não há diferenças entre a esquerda e a direita?! A Carris passou a ser da responsabilidade da Câmara Municipal de Lisboa a partir de hoje. Aqui está um exemplo paradigmático, a ser reproduzido, daquilo que deveria ser o comportamento, a atitude de um estado responsável e preocupado com o interesse do seu povo. Sim, sim e sim. Se a Carris presta um serviço público de transporte na cidade de Lisboa e arredores, porque não estar na tutela da autarquia, em vez de na mão de um qualquer privado? Se estamos a falar do interesse e da qualidade de vida dos habitantes de uma cidade como Lisboa, só tem que ser a Câmara Municipal a cuidar desses serviços. E não me venham falar do lucro, pois considero que se o serviço tiver qualidade e eficiente não terá que ter, obrigatoriamente, lucro, apenas se exige que seja bem gerido.
E ainda que possam, alguns, advertir para a proximidade das eleições autárquicas e, assim, ser esta uma medida eleitoralista, que seja, que digam, pois há inequivocamente um benefício claro e imediato para os seus utentes. Aliás, as medidas agora anunciadas promoverão a Carris e os seus serviços e atrairão novos utilizadores. Fernando Medina, actual presidente da autarquia alfacinha, anunciou hoje várias medidas e várias alterações que pretende implementar com a sua gestão na Carris. Desde logo a aquisição de 250 novos autocarros e a contratação de 220 motoristas e, depois e principalmente, o passe gratuito para menores de 12 anos e descontos para idosos, entre outras medidas. Palmas, se isto não é serviço público, se isto não é interesse público, então expliquem lá!...
A defesa do interesse da população e não do interesse de uma minoria que está habituada a comer tudo, é a atitude correcta da esquerda em que me incluo e acredito.
Muito bem feito. Muito bem.

20 novembro 2016

literato ímpar


Foi a propósito da biografia de Luiz Pacheco, sobre a qual há dias escrevi aqui, que conheci a figura de Vitor Silva Tavares, editor da &etc e conhecedor profundo do universo literário da segunda metade do século XX em Portugal. Desde então tenho andado frenético a descobrir, através dessa maravilhosa ferramenta chamada youtube, todo o material que existe onde ele intervém.
Para além de ter testemunhado os meandros da cena literária de todo esse período histórico e ter privado com os maiores nomes da nossa literatura, entre os quais Natália Correia, Mario Cesariny de Vasconcelos, Luíz Pacheco, Herberto Helder, José Cardoso Pires, Almada Negreiros e João Cesar Monteiro, entre outros, impressionou-me a perspectiva do seu pensamento, liberto das amarras e constrangimentos da indústria do livro, da sua capacidade e facilidade comunicacional e, principalmente, da sua independência e liberdade, num espírito rebelde e anarca.
Vitor Silva Tavares faleceu em 21 de Setembro de 2015 com 78 anos. Com ele acabou também o projecto da &etc que fechou portas e entregou todo o seu catálogo à Letra Livre. Façam busca pelo seu nome e vão ficar surpreendidos com este personagem singular e último testemunho de uma época maior da nossa história literária.

14 novembro 2016

ansiedade de ti

O seu nome não era Luzia, mas a vontade de a encontrar, de a descobrir por entre a gente, era imensa. A sua simples presença era insuportavelmente desejada, a dúvida permanente se estaria ou não, se iria chegar ou não, toldava os sentidos até ao momento em que, finalmente, os olhares se encontravam. Depois, depois não importava, já ali estava e tudo o resto desvanecia.

baú da memória XIV

Um sabor indeterminado, por semelhança ou aproximação, trouxe-me à memória o abominável óleo de fígado de bacalhau. Só de pronunciar ou escrever o seu nome já fico nauseado. Em criança, isto no final da década de 70 e princípio da de 80 do século XX, fui terrivelmente perseguido pela gordura desse miúdo do bacalhau com sabor aromático a banana. Para me tentarem convencer a toma-lo, os meus pais bem diziam que no seu tempo de meninice era bem pior, pois não havia o aditivo de banana, nem de nada, tomavam-no puro, mas eu nunca queria. Tinha pesadelos com ele, chorava baba e ranho para o não tomar, fazia birras do tamanho do mundo, mas nada adiantava, pois o meu pai, determinado e persuasivo, conseguia sempre enfiar-me a porra da colher pela goela abaixo.
Não sei se ainda existe e se alguém o toma ou dá às suas crianças, mas uma coisa é certa, esse óleo era mau demais, não consigo identificar um sabor pior. Naquele tempo, pelo menos à minha volta, sei que eram várias as crianças que o tomavam e todas esperneavam nesse momento.
Desconheço as suas qualidades terapêuticas, quais os princípios activos e quais as indicações médicas, mas desconfio que se tratava de uma daquelas substâncias omnipotentes que os pediatras, nos anos 70 e 80 (pelo menos), prescreviam amiúde.
Foi, bem sei, pela melhor das razões que os pais me obrigaram a toma-lo, mas o trauma foi forte e cá ficou, e a marca do seu sabor vai-me acompanhar pelo resto dos meus dias.

mediascape: primeiro estranha-se, depois não se entranha

Passada quase uma semana desde as eleições americanas e da vitória de Donald Trump, depois do choque inicial e do estado de negação, passada a ressaca, é tempo de "cair na real" e aceitar o destino que nos espera, pelo menos nos próximos quatro anos. Do muito que se tem dito e escrito acerca do futuro dos EUA e do mundo com a vitória de Trump, nada ou quase nada se aproveita e eu também não estou nada interessado em saber o que é que esses iluminados, que até ao último minuto previam, acreditavam e justificavam uma vitória da democrata Hillary Clinton, têm para me dizer.
Sintoma muito perigoso é a reacção pouco ou nada democrática de muitos que teimam em rejeitar a realidade. Manifestações de repúdio, de rejeição das próprias eleições são uma patetice e inadmissíveis para quem acredita e quer viver em estados democráticos. Podemos não gostar, podemos detestar e ter receio das políticas vencedoras, podemos até não concordar com o formato, ou com as leis que regem as eleições e que permitem que um candidato com menos votos populares do que outro ganhe e seja eleito, mas este não é o momento para se discutir essa questão. Terão todo o tempo para o fazer e sempre em relação a eleições futuras. Numa sociedade como a americana que se gaba de ser a maior democracia do mundo, não fica bem questionar ou duvidar deste resultado.
Por muito que me custe, por muito que não goste da personagem e daquilo que ela significará para o mundo enquanto inquilino da Casa Branca, ele ganhou e temos que aprender a viver com esse facto.
Estranhamos, estranhamos e estranhamos, mas depois, mesmo não entranhando, a vida segue o seu rumo.

12 novembro 2016

licor dos deuses

A confissão saiu espontânea e sem preocupação num encontro de amigos e conhecidos... jamais provara desse valioso e prestigiado vinho. A conversa divergiu e, depois, cada um de nós também seguiu o seu caminho. Passados alguns dias, o telefone toca e pedem-me para descer à rua. Sem tempo para qualquer reacção vejo-me com um embrulho no colo, que pelo formato percebo ser de uma garrafa. Nesse momento, iluminado, percebi o que estava escondido por trás de um papel manhoso e opaco. Tentei resistir à oferta, uma, duas e três vezes, mas a determinação era tremenda, fundamentada por um sentimento genuíno de amizade e consideração... seria para a celebração de uma data especial do casal.
Agora, aí está, tranquila e aguardando essa data que há-de vir e, desconfio, não irá demorar muito.

o escritor maldito


Confirmando a minha iliteracia, ou pelo menos as graves lacunas que possuo face à literatura portuguesa, seja a clássica, seja a contemporânea, a leitura da biografia de Luíz Pacheco, que apresenta o sugestivo título "Puta que os pariu", e que sôfrego li nos últimos dias, foi uma perfeita epifania. Não sendo um completo estranho, não conhecia a sua obra, nem estava consciente da sua personagem, da sua importância no universo da literatura nacional da segunda metade do século XX, do seu carisma e dos seus estigmas. Trata-se de alguém que dedicou toda a sua vida à literatura, que por opção viveu na indigência ou suas fronteiras, que abdicou do conforto do centro, do estabelecimento no mainstream literário lisboeta e preferiu sempre as margens e os seus habitantes, em nome de uma ética, de uma moral, de uma liberdade total para escrever.
Após a leitura da sua biografia percebe-se claramente a simbiose entre a vida e a obra produzida, numa atitude eminentemente auto-biográfica, em que a sua própria vida, as suas experiências e aventuras são a matéria-prima para a sua escrita. Identificado como pertencente à escola surrealista e/ou à escola abjeccionista, estigmatizado por muitos dos seus contemporâneos e pares pela implacável e feroz crítica que produzia, idolatrado por outros pela coragem, despudor e força dos seus escritos, Luíz Pacheco manteve-se fiel a esse princípio maior de liberdade (para muitos libertinagem) até ao fim.
Durante a leitura, investiguei todos aqueles que, aí mencionados, se relacionaram ou conviveram com Pacheco; vi dois documentários sobre ele: "O Libertino" e "A vida e o texto", ambos disponíveis na internet. Agora, terminada a leitura e conhecido o seu percurso, resta-me procurar, ler e conhecer a sua arte. Vou-me pôr a caminho, de imediato.

11 novembro 2016

I'm ready, my Lord *


Foi pela rádio que soube da notícia da morte de Leonard Cohen. Dia triste logo pela manhã. Desapareceu o maior entre os maiores. Morreu-me alguém muito próximo, a voz parceira de tantas e tantas horas, de tantas e tantas leituras, de muita escrita e trabalhos. Morreu aquele que sem nunca o saber, era um confidente da minha solidão, dos meus humores e das minhas incertezas.
Chorei comovido quando o ouvi pela primeira vez ao vivo, em Lisboa. Voltei a estar com ele, uns anos mais tarde, em Ourense (Espanha) e a tempestade foi a mesma. Choro agora o seu desaparecimento. Ficam-me os seus discos, a sua poesia, a sua voz inconfundível, a sua elegância e elevação. Pela vasta obra que deixa como legado, se não estou em erro, 14 álbuns de originais, que eu penso ter praticamente todos, não sou capaz de eleger qualquer canção, pois toda a obra é, como diz um amigo meu, sublime. Estou triste.

* Canta ele na canção "You want it darker", do álbum com o mesmo nome, lançado há poucos meses.

09 novembro 2016

its the end of the world as we know it

Hoje bem cedo, por volta das seis e meia da manhã, incrédulo e em negação, percebi que me enganara e que Donald Trump vencera mesmo as eleições presidenciais americanas. Muito se vai dizer, escrever e discutir sobre este momento e suas causas e consequências. Não importam, nem agora, nem aqui, mas perspectivado deste lado do Atlântico constata-se que desconhecemos por completo a sociedade americana, as suas nações, os seus ethos e seus pathos.
Em frente à TV tentei racionalizar o que estava a acontecer e da memória chegavam-me as palavras de um amigo americano que sempre me disse que os americanos são estúpidos e o título afirmativo desta canção dos R.E.M. A dúvida é se poderemos transformar, por enquanto, esse título numa dúvida ou numa questão. Veremos.


08 novembro 2016

nervoso miudinho

No próprio dia das eleições presidenciais americanas é num estado de alguma ansiedade que me encontro para saber o seu resultado final. Gostaria de estar tranquilo e confiante na inteligência dos americanos, mas não consigo, pois a mera suposição ou a mais ínfima hipótese de Trump vencer, deixa-me preocupado e expectante até ao último momento.
Na verdade e bem lá no meu fundo, porque ainda acredito no bom senso e nos valores democráticos, sei que Hillary Clinton sairá vencedora, com uma votação tranquila e com uma diferença bem acima daquilo que as últimas sondagens indicavam.
Esta vai ser uma longa noite e eu pretendo acompanhar até ao fim essas emissões, repletas de especialistas, cartomantes, adivinhadeiros e jornalistas encartados que nos entreterão madrugada dentro até à confirmação dos resultados. Como disse, estou confiante e será com horror que assistirei ao meu engano e à improvável vitória de Donald Trump. Neste possível último dia da civilização ocidental tal qual a conhecemos.
We will see.
God bless America.

31 outubro 2016

perguntar ao tempo, o tempo que faz

Último dia do mês de Outubro e anda gente de manga curta e de calções na rua. Fim-de-semana prolongado e por causa dos mortos e santos fiéis, meio país deslocado em romaria para os cemitérios e eu também. Afastado dessa parafernália consumista de velas, vazos e flores e flores, aproveito o tempo para me ocupar das minhas coisas, aquelas que ninguém gosta, ninguém quer, ou sequer valoriza. Mas raio, não precisava desta temperatura, deste sol, deste calor. O relógio biológico já vinha à procura do aconchego da lareira, de alguns bilhós e, quiçá, de uns tragos de jeropiga. Mas não, anda-se na rua e bebe-se cerveja para refrescar. No último dia de Outubro.

28 outubro 2016

medo

Aí está o número oito da revista Granta Portugal, cujo tema é o medo. Desta vez mais cedo e mais barata, pois resolvi assina-la. A acompanhar a encomenda que chegou hoje pelos correios, vinham três livros de oferta, dos quais destaco a biografia de Luiz Pacheco, "Puta que os Pariu", que já comecei a ler.
Ainda bem que chegou mesmo a tempo de viajar comigo para um fim-de-semana maior e mais tranquilo que o habitual. Vamos lá.

25 outubro 2016

serões sem ditadura


Como são bem mais agradáveis os serões sem a TV ligada. Escolher manter o aparelho, todo poderoso da vida de todos nós, desligado, liberta-me para tantas outras opções tão bem mais interessantes e aprazíveis que a ditadura da televisão impede ou oculta. Ainda por cima é sem qualquer tipo de sacrifício que a mantenho em off, pois o lixo televisivo é cada vez mais tóxico e prejudicial à saúde e à inteligência de cada um de nós. É cada vez mais, para mim, um modo de vida. Poder escolher aquilo que queremos ouvir e fazer uma selecção musical ao sabor do humor; lermos aquilo que queremos ler em paz e sem ruídos perturbadores; procurarmos as notícias e o ritmo do mundo que nos rodeia em modo self-service, sem promoções e sem adds; escrever, teclar e bloggar sem interferências e o vinho, generoso e velho.
Longa e boa noite.

regresso à grande tela

Num fim-de-semana pachorrento como este último, pûs-me a ver, com olhos de quem está mesmo interessado, a lista de filmes que estão disponíveis nas salas de cinema. Nada de interessante que segurasse os meus sentidos e a minha curiosidade, a não ser um filme que está em exibição apenas no Arrábida Shopping e num único horário, às 17:50 horas - para um pai de família não deve haver pior hora para decidir ir ao cinema. Não havendo alternativo, acomodadas as crianças, lá fui eu, no Domingo, ver "Um editor de génios" de Michael Grandage e com um elenco superior onde se destacam os papeis desempenhados por Jude Law, Colin Firth, Nicole Kidman e Laura Linney, num ambiente dos "loucos" anos 20 e sobre a relação de um editor conceituado e respeitado no mundo literário com um jovem brilhante escritor. Gostei muito do filme e, uma vez mais, Jude Law e Colin Firth, jovem escritor e editor, respectivamente, demonstram toda a sua arte enquanto actores.
Tendo em conta o horário da única sessão disponível, sempre pensei que iria estar sozinho ou quase na sala de cinema. Enganei-me. Éramos oito pessoas e eu fui acompanhado pela pessoa com quem mais gosto de ir ao cinema.

23 outubro 2016

o que elas são

Na semana passada, estava a caminhar por uma rua de Dublin - o tempo estava assim como hoje; suave, de final de Primavera, início de Verão - quando uma rapariga passou por mim e eu apanhei o perfume dela no ar: um perfume maravilhoso... Só os homens conseguem captar esta espantosa essência feminina, feita delas mesmas. Não é um perfume artificial; é o cheiro delas, das mulheres e do que elas são. Por momentos, fiquei num estado de felicidade absoluta. (John Banville, in LER)

18 outubro 2016

para este outono

Não sei qual ou quais as razões, mas a edição desta revista está cada vez mais difícil. Dá a sensação que é a custo que a publicam. É pena, pois faz-me sempre falta. É com avidez que a procuro nas bancas e, depois, a leio. Obter informações sobre ela é quase impossível, pois o seu portal está desactualizado e mesmo a página do facebook não tem quase actividade.
Este número de Outono apresenta, tal como tantas outras vezes, uma capa lindíssima. Vamos LER.

14 outubro 2016

materialidade e metamorfose de joan miró

(sem título, óleo sobre cartão, 1935)

Aproveitando o vazio do inicio de tarde desta sexta-feira, tentando fugir às confusões dos fins-de-semana, fui a Serralves ver a famosa e mediática colecção de Joan Miró. Instalada em várias salas da casa principal de Serralves, a colecção contempla setenta e oito obras do artista catalão. Expressiva, intensa e impressionante obra, nalguns casos pela simplicidade do traço, das cores ou das morfologias, noutros pela complexidade das perspectivas e pela exploração dos materiais. A mim impressionaram-me particularmente seis ou sete trabalhos e a que mais gostei é a que em cima reproduzo (pedindo desculpa pela fraca qualidade da câmara do meu telemóvel).
Numa outra abordagem, agora e com mais propriedade, eu diria que aqueles que um dia pensaram desfazer-se deste imenso património são umas bestas, sem uma réstia de sensibilidade e incultos, mercadores do vil metal cujo fito é sempre e exclusivamente o dinheiro.
Meus senhores, minhas senhoras, meninos e meninas, não deixem de visitar esta colecção, pois é o único e o autêntico em todo o seu esplendor.

(na sala 4 da exposição, junto do referido quadro e para memória futura)

13 outubro 2016

pedrada no charco da escrita

Para espanto generalizado da ortodoxia literária mundial, soube-se hoje que a Academia Sueca atribuiu o Nobel da Literatura a Bob Dylan. Não sendo eu um admirador da sua música, respeito e considero a sua carreira e portanto está bem entregue. A única consideração que esta escolha me merece é confessar que, tendo em conta o meu conhecimento, o meu gosto e a minha sensibilidade musical, preferia que o escolhido fosse Leonard Cohen. Digo eu para mim.

09 outubro 2016

mediascape: a morte

Hoje no Jornal Público é publicada uma entrevista ao Padre José Nuno, capelão do Santuário de Fátima, onde, a propósito da Eutanásia e da proposta sobre a morte assistida, se refere à actual erradicação da morte do espaço público e de como a sociedade vive convencida, perante o poder da tecnologia e da ciência (medicina) para iludir a morte, que a vida não contempla a morte. Tem razão, e não só tem razão como apresenta uma proposta, em tese, muito interessante, de incluir o ensino sobre a morte nas escolas. Não importa se estamos ou não a falar da morte "religiosa", ou se ele não está mais do que a defender a manutenção e o reforço da disciplina de Religião e Moral nos programas escolares, mas releva o facto de ser verdade que a nossa sociedade - a família, a escola, as organizações e até as religiões - nos terem vindo a educar de costas para esse momento último da vida. Haverá, com certeza, várias causas e explicações para isso ter acontecido, das quais talvez eu destacasse duas: a 1ª) a alteração do modo de vida, ou seja, a urbanização dos indivíduos e famílias às custas da desruralização do país (reparem como há, ainda hoje, enormes diferenças entre os enterros no mundo rural e nas grandes cidades) e, a 2ª) o paradigma dominante do elixir da eterna juventude, em que as diferentes indústrias apostaram e fizeram acreditar que, nos modos, nos trajes e na alimentação, as idades não contam e a morte, essa, estará sempre bem longe e bem iludida.
Uma das características mais notórias dessa nova percepção da vida e que remete a morte para espaços e tempos de exclusão, é o completo e obcecado afastamento das crianças desses rituais de passagem, dando razão ao referido padre quando sugere "levar a morte" para a escola. Bem sei que quando se é ainda jovem a noção do tempo, a noção desse inolvidável fim é algo muito abstracto e sem importância, talvez por isso também, os adultos queiram proteger as suas crianças e suas consciências desse fatídico momento.
Uma boa reflexão para os próximos tempos.

05 outubro 2016

mediascape: não me toquem nos 'cojones'

Chamaram-me hoje à atenção para este pequeno vídeo de uma conferência de imprensa de um jogador de futebol espanhol. Nunca na vida vi nada assim. Surpreendido, fiquei siderado com a qualidade, com a coerência e com a veemência, mas também com a coragem, a potência e a elevação com que o jogador se dirigiu a um determinado jornalista. Aqui fica o vídeo e aqui o link para a notícia com todos os detalhes deste magnífico momento.


É que o estereótipo de jogador de bola nunca coincidiu com tal personalidade, com tal discurso. Estamos habituados ao futebolês de sempre, do vira-o-disco-e-toca-o-mesmo, das frases feitas, das perguntas e respostas mais que previsíveis, do graças-a-Deus, dos tropeções à língua, etc., etc.
Ficou-me uma questão final por responder. Deixo-a aqui à comunidade para reflexão e, se assim entenderem, responderem:
Conhecem algum jogador português, actual ou do passado, capaz de realizar algo parecido? Eu, com dificuldade e com sérias reservas, identifiquei um, mas vou esperar por algum comentário para identifica-lo.

04 outubro 2016

hortelã mijada

Não gosto do cheiro nem do sabor da hortelã. Com grande certeza serei dos poucos que não aprecia tal aroma, dada a proliferação desta planta por todos os cantos e recantos da nossa civilização. Diz a história que a hortelã-vulgar, cujo nome científico é Mentha Spicata, sempre esteve presente na farmacopeia chinesa, que os romanos acreditavam que o seu consumo beneficiava a mente e, em concreto, a inteligência, mas terão sido os egípcios os primeiros a documentarem a sua utilização. Os entendidos na coisa dizem-nos que esta planta aromática e com inúmeras propriedades medicinais é indicada para variadíssimas patologias, tais como as más digestão, as náuseas, os vómitos, febres, dores de cabeça e constipações. Para além disto, é anti-séptica, diurética e estimulante. Depois, temos as diferentes formas de a consumir, sendo que a mais habitual é a infusão, mas também há registos da sua mastigação para cuidar do hálito e para cuidar da garganta, assim como a relativa secagem das suas folhas para compressas e para inalação de vapores. Mais recentemente, assistimos à sua transformação num produto gourmet e na moda, através da sua utilização massificada na actual culinária de empratamentos, de autores e de grandes fomes. Iguaria omnipresente em tudo que é saladas, sobremesas, bebidas, gelados, doçarias, rebuçados, pastilhas elásticas e afins, serve igualmente como aroma para anular qualquer outro cheiro ou sabor presente, naquilo que eu chamaria de ditadura da hortelã...
Se a enquadrarmos num ambiente popular e tradicional, facilmente a encontramos e verificamos que a sua utilização motiva não só a sua procura, como principalmente, o seu cultivo, naquilo que poderemos entender como uma autonomia de produção e consumo. Aquilo que esta sabedoria popular nos diz desta planta não difere muito daquilo que a sapiência afirma, muitas vezes divergindo apenas na nomenclatura dos males ou aflições em que é remédio santo. Também é neste ambiente e neste conhecimento popular que encontraremos todas as divergências geográficas relativas ao seu uso e consumo, ou seja, o conhecimento acerca da planta e suas especificidades poderá variar geograficamente, levando a relativas diferenças no seu uso.
Terá sido algures na segunda metade da década de noventa, numa conversa com um velho conhecido, homem já na sua oitava década de existência, bem perto da porta de sua casa e aproveitando a sombra de uma velha parede semi-ruída e a ligeira brisa que o estreito canelho proporcionava, que ele me revelou o segredo de tamanho sucesso da hortelã. Ele tinha por hábito mascar as folhas frescas ou já algo secas desta planta. Dizia ele que como fumava muito, a hortelã o ajudava na tosse e no catarro. Quando estava à rasca nada lhe fazia melhor do que a hortelã. Ao mesmo tempo que me ia dizendo estas coisas, também afirmou, num tom de confidência mas com um certo ar trocista, que o segredo da hortelã era o mijo. O mijo dos animais e das pessoas. Perante a minha admiração, disse ele:
- Já reparaste que a hortelã aparece em todo o lado aqui pela aldeia, nos lameiros e pelo monte? Se vires com atenção, ela cresce por aí encostada a qualquer muro... e sabes, principalmente onde os homens, os cães, os gatos e até as raposas vão mijar. Eu até acho que nós procuramos o sítio delas para nos aliviarmos. Elas chamam por nós porque precisam do nosso mijo. Os homens quando saem da taberna vão sempre mijar em cima das hortelãs e elas estão lá sempre mimosinhas. Porque será? Nunca tiveras pensado nisto?!
- Não senhor. Respondi eu, com certeza, incomodado. Às tantas, por causa deste saber adquirido há tanto tempo, sempre que em contacto com esse aroma ou sabor, não consigo deixar de os relacionar com urina e de questionar se o segredo para o seu sucesso não será mesmo essa rega suplementar.

03 outubro 2016

provinciano és tu e a tua tia

A propósito da instalação definitiva(?) da colecção Miró na Fundação Serralves da cidade do Porto, apanhei um pequeno comentário do colunista do jornal Público, Manuel Carvalho, sobre declarações de um tal Nuno Vassalo Silva, director-adjunto do Museu Gulbenkian. Desconhecendo essas palavras fui à sua procura e lá acabei por encontrar isto:
“É uma decisão lamentável, a ceder ao imediato, e que só demonstra como em Portugal é difícil implementar um programa de cultura, porque a tentação mais imediata é seguir os caminhos mais fáceis e atractivos”;
“Se expor a colecção em Serralves é uma boa ideia”, decidir que ela fique depois na cidade manifesta “uma visão provinciana”, acrescenta Vassalo e Silva, descrendo que ela faça “desviar os turistas que vão a Barcelona, a Madrid ou a Nova Iorque” ver os Mirós.
Que raio de mania desta elite da metrópole de considerar que o mundo centrifuga à volta de Lisboa e que o país se esgota para lá dos seus arrabaldes. Meus senhores, há muito país, muita gente, muito conhecimento, arte e cultura para além dos Pastéis de Belém e dos pseudo-cosmopolitas da capital. O problema destas afirmações é que são o espelho da real perspectiva que estas personagens têm da cultura, do seu acesso às comunidades e aos indivíduos e do próprio país; o problemas destas personagens é que são elas que estão no poder ou no seu círculo e determinam ou influenciam as políticas culturais não só para a cidade capital, mas também para o resto do país que, provavelmente, não conhecem.
Mas regressemos ao comentário de Manuel Carvalho, bem mais acertivo na crítica a Nuno Vassalo Silva:
Alguns intelectuais da capital não resistem ao disparate sempre que no ar há um ténue perfume de descentralização cultural. A história repete-se com a colecção Miró, cuja instalação no Porto levou Nuno Vassallo Silva, director-adjunto do Museu Gulbenkian a falar de uma “visão provinciana” que denuncia a tentação do poder político em seguir “os caminhos mais fáceis e atractivos”. Bom, que se saiba, “os caminhos mais fáceis e atractivos” são os que levam ao umbigo dos agentes culturais lisboetas, uma constatação do corporativismo da elite que não vale mais do que um vintém. Mas, agora, dizer que a instalação de uma colecção de arte do Estado fora de Lisboa se sustenta numa “visão provinciana” da cultura já expressa com exuberante luminosidade o que pensam e que ideia projectam estes cérebros sobre o país. Para a oligarquia cultural lisboeta, na qual o responsável pelo museu Gulbenkian se inclui, o mundo só existe se rodar em torno da pequena corte do Terreiro do Paço. Ó doutor Nuno Vassallo Silva, haverá algo mais provinciano do que essa mundivisão? (2/10/16)

escrito por aí...

O Governo não está em risco pelos desentendimentos interiores da coligação, nem pela hostilidade da opinião pública, com as sondagens a revelarem uma queda crescente do PSD, está em risco porque existe uma enorme coacção sobre a sua política e um dia a corda quebra.

Uns e outros não olham da mesma maneira para os mesmos lados: o PSD e o CDS são os guardiões da ofensiva fiscal sobre o trabalho, os salários, pensões e reformas e sobre a débil melhoria que uma parte da “classe média” teve em Portugal depois do 25 de Abril, o Governo pretende “reverter” essa situação.

O actual Governo é sustentado pela política no mais nobre sentido da palavra, pela política em democracia, sem se disfarçar de “realidade”, como hoje a ideologia de direita faz. O actual Governo é o único da Europa assente neste tipo de alianças partidárias. Convém lembrar que o que permite a sua existência é a recusa liminar de que o PSD e o CDS governem (que o PS português aceitou e o PSOE espanhol não, com as consequências desastrosas que se conhecem), e esse acto genético é traumático para a direita, que nunca conviverá com ele.

(José Pacheco Pereira, in jornal Público, dia 1 de Outubro de 2016)

vamos à luta...

(in Jornal Público, 1 de Outubro de 2016)

mediascape: o diabo não veio, mas há-de vir

João Miguel Tavares (JMT) na sua crónica deste Sábado escreveu sobre o vaticínio que Passos Coelho em Julho fez sobre a chegada do Diabo para depois das férias. JMT critica essa estratégia adivinhatória pois não só foi mais uma promessa por cumprir, como o adivinhador acabou por fazer figura de parvo. Segundo o autor não adianta a dramatização excessiva do futuro próximo, pois com isso só se está a ajudar o governo de António Costa.
O que é curioso nesta ilustre opinião é que se considera que o Diabo não chegou agora, mas há-de chegar e, pelos vistos, a sua aparição está já programada para 2017, ou seja, critica-se o anúncio prévio do tempo de Belzebu, mas o que ele próprio faz logo a seguir é precisamente o mesmo, ao dizer que o cheiro a enxofre sente-se no ar.
Os cavaleiros do apocalipse não se cansam, não desistem, não aceitam, não compreendem. Mais do mesmo.

26 setembro 2016

mein kampf


Nos últimos dias de descanso deste Verão, dei comigo sem ter nada para ler. Esgotado o stock de livros levados para esses dias de remanso, socorri-me da pequena biblioteca que meu pai vai construindo na casa da aldeia e dei com os olhos nesta nova edição da Guerra & Paz do famoso livro de Adolf Hitler.
Na verdade, apesar de saber há muitos anos da sua existência e do estigma que sempre possuiu, nunca foi personagem ou assunto que me tenha despertado qualquer tipo de interesse ou sequer curiosidade. Contudo, nesse dia ao folhea-lo pensei que talvez já fosse tempo de, pelo menos, tentar lê-lo.
Foi o que fiz ao longo deste último mês, nas horas vagas e mentalmente disponíveis, pois a sua leitura obriga a alguma concentração e atenção. A este propósito dizer que esta edição tem uma letra pequena e muito texto por página, o que complica ainda mais a sua leitura. Apesar de possuir uma capa dura e visualmente ser bonito, não gostei do livro (objecto). Tal como percebi logo nas primeiras páginas, o melhor mesmo foi fazer uma ficha de leitura da obra, o que me facilitou a sua compreensão, mas atrasou a leitura. Nessa ficha de leitura fui coleccionando inúmeras passagens que, aos meus olhos, são significativas daquilo que é a própria obra, daquilo que foi a consequência prática do nacional-socialismo, assim como daquilo que me permitiu fazer um juízo, em jeito de recensão, do pensamento político de seu autor. Eis algumas passagens...

Só conhecendo os judeus, se pode compreender os propósitos íntimos e, por isso, reais da social-democracia. (p.137)

Com o decorrer dos séculos, o aspecto do Judeu havia-se europeizado e ele tornara-se parecido com um ser humano. (p.137)

Acredito agora que ajo de acordo com a vontade do Criador Omnipotente lutando contra o judaísmo, realizo a obra de Deus. (p.144)

Não se deve esquecer nunca que o mais elevado fim da existência humana não é a conservação de um Estado ou de um governo, mas o de conservar o seu carácter racial. (p.159)

Se na luta pelos direitos humanos, uma raça é subjugada, isso significa que ela pesou muito pouco na balança do destino para ter a felicidade de continuar a existir neste mundo terrestre, pois quem não é capaz de lutar pela vida tem o seu fim decretado pela Providência. (p.159)

O mundo não foi feito para povos covardes. (p.159)

O pecado contra o sangue e a raça é o pecado original deste mundo e o fim da humanidade que o comete. (p.239)

O judaísmo nunca foi uma religião e sim sempre um povo com características raciais bem definidas. (p.269)

Do ponto de vista ariano, é impossível imaginar-se, de qualquer maneira, uma religião sem a convicção da vida depois da morte. Em verdade, o Talmude também não é um livro de preparação para o outro mundo, mas sim para uma vida presente voa, suportável e prática. (p.269)

Os judeus foram responsáveis por trazer negros para o Reno, com o intuito final de abastardar a raça branca, por eles odiada, e assim diminuir o seu nível cultural e político, para que o judeu pudesse dominar.  (p.279)

A força motriz dos grandes avanços, em todos os tempos, não foi o conhecimento científico das grandes massas, mas sim um fanatismo entusiasmado e, às vezes, uma onda histérica que os impulsionava. (p.285)

O novo movimento é, na sua essência e na sua organização, anti-parlamentarista, isto é, rejeita, em princípio, qualquer teoria baseada na maioria de votos, que implique a ideia de que o líder do movimento se degrada à posição de cumprir as ordens dos outros. Nas pequenas como nas grandes coisas, o movimento baseia-se no princípio da indiscutível autoridade do chefe, combinada com uma responsabilidade integral. (p.288)

A concepção racista não admite, em absoluto, a igualdade das raças e sente-se no dever de promover a vitória dos melhores, dos mais fortes e exigir a subordinação dos piores, dos mais fracos. (p.308)

Não pode aprovar a ideia ética do direito à existência, se essa ideia representa um perigo para a vida racial dos portadores de uma ética superior.(p.308)

Os princípios políticos do partido em formação devem ser como os dogmas para a religião. (p.309)

Não passara pela ideia de ninguém que essa piolheira judaica, que, no Oriente, fala o alemão, só por isso deve ser vista como de ascendência alemã, como pertencente ao povo alemão. (p.312)

A condição essencial para a formação de uma humanidade superior não é o Estado, mas a raça. (p.313)

A paz do mundo não se mantém com as lágrimas de carpideiras pacifistas, mas pela espada vitoriosa de um povo dominador que põe o mundo ao serviço de uma alta cultura. (p.315)

Deve-se providenciar para que só pais sadios possam ter filhos. Só há uma coisa vergonhosa: é que pessoas doentes ou com certos defeitos possam procriar, e deve ser considerada uma grande honra impedir que isso aconteça. (p.319)

A rapariga deve conhecer o seu cavalheiro. Se a beleza física não se ocultasse hoje, completamente, sob as vestes da moda idiota, a sedução de centenas de milhares de moças, por judeus bastardos, de pernas tortas e desengonçados, não seria possível. Está também no interesse da Nação que se chegue à formação de corpos perfeitos, a fim de se criar um novo ideal de beleza. (p.323)

A missão de um Estado nacionalista é a de se esforçar para que seja escrita uma história do mundo em que a questão racial seja o problema dominante. (p.328)

O Estado nacionalista racista deve resumir o ensino intelectual, reduzindo-o ao que é essencial. Só depois disso é que se oferecerá a possibilidade de uma educação especializada, sobre bases sólidas. (p.328)

A educação deve ser orientada de tal modo que um jovem, ao deixar a escola, não seja um pacifista democrata ou coisa que o valha, mas um verdadeiro a alemão, na mais ampla acepção da palavra. (p.330)

Realizações criadoras só podem surgir quando se dá a aliança do saber com a capacidade. (p.331)

Deve partir do princípio de que a prosperidade do género humano nunca é devida às massas, mas às cabeças criadoras, que, por isso, devem ser vistas como benfeitoras da espécie. (p.340)

Todas as grandes modificações históricas foram devidas à palavra falada e não à escrita. (p.356)

A força vital de um povo, o seu direito à vida manifestam-se da maneira mais impressionante, no momento em que esse povo recebe a graça de um homem que o destino reservou para a realização das suas aspirações, isto é, para a libertação de um grande cativeiro, para a supressão de amargas dificuldades. (p.374)

Não devemos ter a mínima dúvida de que o inimigo mortal , inexorável, do povo alemão é e será sempre a França. (p.432)

O judeu é hoje em dia o grande instigador do absoluto aniquilamento da Alemanha. Todos os ataques contra a Alemanha, no mundo inteiro, são da autoria de judeus. (p.434)

...os defensores da ditadura universal judaica... (p.441)

Seja qual for o destino que o céu nos reserve, hão-de reconhecer-nos pelo nosso altivo programa. (p.456)

Entre outras passagens mais extensas e mais complexas, este livro condensa em si todo o pensamento desse homem que depois veio a ser o responsável máximo pelo holocausto. A história está escrita e não adianta querer reescrevê-la. Não haverá nunca espaço para qualquer epifania ad hoc e qualquer tentativa nesse sentido será sempre num modo self-service e sem futuro. Este não é um livro de ódio, como tantas vezes foi e é nomeado, ou pelo menos, não é um livro apenas de ódio, pois para quem o conhece e leu, são vários os sentimentos que nele se encontram, tais como a xenofobia, o racismo, a soberba, a ignomínia, o ego e o etno-centrismo, a inveja, o narcisismo e a eugenia. Enfim, um livro de horrores.
A sua leitura permite também perceber a debilidade autoral, pois não é preciso ser um conhecedor ou um estudioso para encontrar alguns erros históricos e uma propensão para a análise superficial e para o julgamento ou valorização rápida.
Apesar de tudo e com o estigma ou com o carisma, dependendo do ponto de vista, do seu autor, percebe-se a transformação deste livro num objecto de culto, veneração e admiração, ou por outro lado, num objecto maldito e interdito.
No fim fica a profunda convicção que tudo aqui vertido é o resultado de uma mente doente, de um indivíduo com um enorme complexo de inferioridade e com uma imensa inveja da cultura judaica e do indivíduo judeu.