O mundo contemporâneo liquidou a política como espaço de deliberação e entregou-se a um fatalismo muito pior do que aquele que na tragédia grega era atribuído ao capricho dos deuses. Hoje o destino é o comboio sem travões de uma sociedade que se atrelou aos automatismos da economia mundial de mercado. Nem sequer temos o coro trágico para nos avisar. Estamos sozinhos, dentro de uma espécie de máquina do juízo final. Se a deixarmos funcionar a todo o vapor, poderemos almoçar e jantar, mas estaremos a tornar inevitável o colapso ambiental e climático global, num horizonte que se irá acumulando ao longo de décadas, até se transformar numa realidade hostil e inabitável. Se a quisermos reformar, ou travar o seu curso, corremos o risco de descarrilar o sistema inteiro, transformando a inércia numa implosão caótica de estilhaços cortantes. É a esta situação aparentemente aporética que Naomi Klein chamou o calabouço planetário em que o neoliberalismo sequestrou a história humana.
* Viriato Soromenho-Marques, in Jornal de Letras nº 1299, Julho 2020.
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