Recordo o meu avô paterno, o avô João, a ler os jornais que lhe chegavam às mãos, trazidos pelos filhos, netos ou outros familiares. Com toda a calma e soletrando baixinho todas combinações frásicas, ele que apesar de quase analfabeto, sabia ler, devorava qualquer papel que encontrasse lá por casa. Se não fosse um jornal, poderia ser uma bula de um qualquer remédio, mas aquilo que mais o detinha eram secções de necrologia dos jornais e convém relembrar que, naquele tempo e ao contrário de hoje, essas secções ocupavam mais espaço e muita tinta.
Hoje, nas deambulações quotidianas, apercebi-me de um ajuntamento, talvez de três ou quatro senhoras de idade avançada, que olhavam e comentavam a fotografia de mais uma pessoa que deixou de respirar e, isso, fez-me reflectir de que é um facto que dou comigo, agora, a olhar com relativa atenção para esses anúncios e para os rostos e nomes daqueles que vão falecendo e são anunciados nos jornais e, principalmente, expostos nas montras do comércio local. Em cada localidade há sítios específicos, leia-se lojas, onde sabemos que iremos encontrar essas novidades. Para além do implícito e obrigatório voyeurismo, poderá isto ser um sintoma de idade e da consciência crescente de que um dia, cada vez mais próximo, será a vez da minha fotografia e nome aparecerem assim escarrapachados, desnudados e indefesos. Eu não quero e, se for feita a minha vontade, jamais se saberá que eu já cá não estou.
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