Quando estruturei e alinhavei esta intervenção, a vontade era chegar aqui e dizer-vos simplesmente que acabou, que todos os valores do 25 de Abril afinal de contas apenas têm servido determinada retórica e que neste Abril de FMI, este ritual seria pífio e comprovadamente inconsequente. Depois, a própria realidade se encarregou de me dar materiais e, acima de tudo, alento para resistir e persistir na defesa desses mesmos valores. Agora, mais do que nunca.
A vertigem do tempo actual precipitou-nos num carrossel catastrófico. Têm sido assim os últimos meses, em Portugal, na Europa e no mundo. Quem pressentiria a tempestade, não de areia mas de liberdade, gerada nos desertos do Norte de África de onde sopra o familiar vento suão? E a onda não parou: apesar de o povo líbio estar encurralado entre os tanques de Kadhafi e os mísseis da NATO, ela expande-se até à Síria, Iémen e Arábia Saudita, governadas por reis e déspotas petrolíferos, todos “bons amigos do Ocidente”. Recentes são as ondas sísmicas e o tsunami japonês que abalaram o mundo, sobretudo pela catástrofe nuclear de Fukushima, cujo alcance ninguém hoje consegue medir…onde param os arautos do nuclear!!!!???
Também o velho continente foi abalado por tempestades, mas de outro tipo, que já colheram a Islândia, a Grécia, Irlanda e agora Portugal. Mas não vão ficar por aqui… Não se trata de catástrofes naturais, mas provocadas pela ganância financeira num mundo desgovernado pelo neoliberalismo. A bolha especulativa da economia de casino estava programada para rebentar, como alertavam há mais de uma década vários prémios Nobel da economia. Desde finais de 2008, os Estados cuja intervenção nos mercados foi diabolizada ao longo de décadas, injectaram triliões para salvar bancos cujos activos estavam ao nível do lixo, apesar de receberem notas elevadas das agências de rating. As mesmas ratazanas e os mesmos bancos que, a partir de 2010, lançaram a gigantesca operação especulativa contra as dívidas soberanas dos Estados que os salvaram. Eis o capitalismo neoliberal em todo o seu esplendor!
Nos 37 anos da madrugada libertadora do 25 de Abril, Portugal está colocado perante desafios que tocam directamente os fundamentos da celebrada “revolução dos cravos”. QUE DIA É HOJE? Citando “FMI” de José Mário Branco, um clássico cada vez mais actual, “o FMI não aterrou na Portela, coisa nenhuma”… Mas a dura realidade é que eles aí estão! E, ao contrário do que nos querem fazer crer, nem todos perdem com a sua chegada: os bancos, por exemplo, já sonham com o seu quinhão de liquidez dos 80 mil milhões de euros a baixo juro para subirem as taxas que impõem à economia produtiva e a dezenas de milhares de cidadãos ameaçados de despejo por já não conseguirem pagar a prestação da casa.
A grande questão hoje é: quem ganha e quem perde com o FMI? Quem paga a dívida externa e a enorme dívida social aos trabalhadores e aos dois milhões abaixo do limiar da pobreza? A esta pergunta crucial, só há duas respostas: a do bloco FMI, e a do bloco anti-FMI, consubstanciada pela esquerda nacional. Há alternativas em Portugal e na Europa, indiciadas no processo judicial contra as agências de rating, interposto pelo grupo de economistas encabeçado pelo professor José Reis. Não é caso inédito: a Islândia varreu do poder os políticos responsáveis pela crise, elegeu uma nova Constituinte e meteu os banqueiros corruptos na prisão. Mais ainda: recusa, e bem, pagar a dívida aos bancos ingleses e aos agiotas que especulam sobre a dívida soberana.
Nos ásperos tempos que vivemos, Abril volta a ser tempo de luta, volta a ser tempo de resistência, volta a ser tempo de afirmação nacional.
Recuperemos a velha lírica de Sérgio Godinho: “Só há Liberdade a sério quando houver a Paz, o Pão, Habitação, Saúde, Educação, quando houver liberdade de mudar e decidir, quando pertencer ao povo o que o povo produzir…”
Obrigado.
(intervenção na Assembleia Municipal de Bragança, mais ou menos a esta hora...)
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