30 agosto 2011

o poder simbólico

Recentemente, um amigo dizia-me, em jeito de desabafo, que não vê televisão, pois não acredita naquilo que ela transmite. Diz com considerável satisfação que em casa tem um televisor velhinho desligado há muito tempo. Afirma com convicção que prefere ocupar o seu tempo a ler livros, uma vez que considera que estes, apesar da toda a diversidade e de toda a multiplicidade, são os veículos por excelência do conhecimento humano. Se ambicionamos realmente o saber, será nos livros que o encontraremos.
Tendo a concordar, e cada vez mais, com esta opinião, e mais consciente estou do muito que tenho que ler para saber. Pierre Bourdieu, a propósito do poder dos símbolos (edições 70, 2011), afirma:
“A classe dominante é o lugar de uma luta pela hierarquia dos princípios de hierarquização: as fracções dominantes, cujo poder assenta no capital económico, têm em vista impor a legitimidade da sua dominação quer por meio da própria produção simbólica, quer por intermédio dos ideólogos conservadores os quais só verdadeiramente servem os interesses dos dominantes por acréscimo, ameaçando sempre desviar em seu proveito o poder de definição do mundo social que detêm por delegação; a fracção dominada (letrados ou intelectuais e artistas, segundo a época) tende sempre a colocar o capital específico a que ela deve a sua posição, no topo da hierarquia dos princípios de hierarquização.” (Bourdieu, 2011:8)
Com justiça e razoabilidade poderei associar esta ideia ao tempo e espaço que agora experimentamos e à necessidade de manter em off as televisões. Ainda é um poder simbólico que nos assiste. E não é difícil.

always a great sound

A viagem de mais de oito horas entre Bragança e Porto e, novamente, Bragança, deu para tudo e mais alguma coisa, ou se preferirem, para coisa nenhuma. Para ajudar os segundos a correrem e como aconchego para as deambulações mentais que fui fazendo, trazia nos ouvidos Sia, Eddie Vedder e Radiohead, o que me permitia também ausentar do som que o DJ de serviço obrigava a todos ouvirem, se não me engano sintonizado na RFM… A determinada altura e como viajei, em ambos os sentidos, na segunda linha de lugares e, mais precisamente no lugar número 7, o que para além de me permitir a contemplação da estrada, possibilitou-me um prisma muito interessante de observação da condução do jovem condutor. Mas a determinada altura, dizia eu, ainda absorvido pelo som que trazia nos ouvidos, ao olhar para o condutor, vi-o animado, a bater com as mãos, ritmadamente, no volante e a abanar ligeiramente o esqueleto. Estranhei e retirei os auriculares para tentar perceber que som o embalava. Nem queria acreditar. Todo o autocarro ouvia isto:



... para além do mais, sempre um excelente mote para o combate social que se impõe...

23 agosto 2011

o coleccionador

"Pessoas assim, como este Sr. José, em toda a parte as encontramos, ocupam o seu tempo ou o tempo que crêem sobejar-lhes da vida a juntar selos, moedas, medalhas, jarrões, bilhetes-postais, caixas de fósforos, livros, relógios, camisolas desportivas, autógrafos, pedras, bonecos de barro, latas vazias de refrescos, anjinhos, cactos, programas de óperas, isqueiros, canetas, mochos, caixinhas-de-música, garrafas, bonsais, pinturas, canecas, cachimbos, obeliscos de cristal, patos de porcelana, brinquedos antigos, máscaras de carnaval, provavelmente fazem-no por algo a que poderíamos chamar angústia metafísica, talvez por não conseguirem suportar a ideia do caos como regedor único do universo, por isso, com as suas fracas forças e sem ajuda divina, vão tentando pôr alguma ordem no mundo, por um pouco de tempo ainda o conseguem, mas só enquanto puderem defender a sua colecção, porque quando chega o dia de ela se dispersar, e sempre chega esse dia, ou seja por morte ou seja por fadiga do coleccionador, tudo volta ao princípio, tudo torna a confundir-se."
(José Saramago in Todos os Nomes)

19 agosto 2011

meu querido mês de agosto

Mês de todos ou quase todos regressarem aos locais de origem e onde cada um representa a sua condição de pessoa em permanente movimento, entre a ruralidade de um pequeno país e a urbanidade de uma qualquer capital europeia. Sendo impossível verificar cada uma das situações e aceitando, desde logo, que cada situação apresentará particularismos, poderemos encontrar algumas configurações recorrentes das diferentes experiências colectivas de diáspora. Desde logo, a manutenção de um território de memória, mais ou menos mitificada, da terra natal, depois, a negação do país e cidade hospedeiros como locais de acolhimento definitivo, logo e consequentemente, a concepção do local de origem como local de futuro retorno. Por tudo isto, se percebe o investimento material, simbólico e imaginário e a consciência de pertencer a uma comunidade, normalmente, a terra de origem.
A relação que cada indivíduo estabelece com a sua terra natal resulta sempre de um processo negocial e os discursos produzidos acerca da terra natal têm que ser abordados a partir da identificação dos seus diferentes produtores. Aqui talvez seja oportuno fazer referência à noção de saudade para ilustrar as possíveis interacções. Durante as décadas de 60 e 70 do século vinte, sabendo dos enormes movimentos migratórios que deslocou milhares de portugueses, o Estado português contribuiu, considerando os emigrantes como parte da nação, para a manutenção de um estilo de vida que se centrava na relação com o lugar de origem. Esse discurso ideológico integrava a palavra saudade, que centralizava simbolicamente os sentimentos que ligavam os emigrantes à pátria. Todos os emigrantes portugueses, enquanto residentes no estrangeiro, dão forma, através de diferentes práticas e representações, ao lugar mítico do seu desejo que é a terra natal, onde periódica e ciclicamente retornam e vivem. Assim, a terra de origem apresenta-se numa comunidade imaginada, onde se vive mesmo quando ausente a viver num outro local.
O momento do regresso para as férias de Verão serão, como podem todos adivinhar, o grande momento, por todos ansiosamente aguardado. As férias são marcadas, na grande maioria dos casos, para o mês de Agosto e segundo o calendário de festividades agendadas, sejam familiares (casamentos, baptizados, comunhões), ou da comunidade (festividades religiosas e/ou civis). Cada período de férias na aldeia contempla uma actividade social intensa e, talvez também por isso, haja sempre a sensação de que o tempo, esse tempo passa depressa demais. A viagem é também um espaço/tempo de relevância para todos. Normalmente, obedecendo a um esquema pré-definido, rigoroso e repetitivo, todos sabem de antemão as horas de partir e de chegar, os locais de paragem para as necessidades fisiológicas, para abastecimentos e alimentação. Ano após ano, viagem após viagem, cristalizam-se percursos e lugares de paragem. A performance da viagem é tema de conversa para os membros da comunidade de emigrantes, tanto à chegada a Portugal, como depois, quando regressam às suas comunidades de acolhimento. Saber quantas horas cada um levou a chegar, que percurso fez, o trânsito e os imprevistos são disputas para horas e horas de confraternização e de copos. A viagem é o tempo da transformação identitária e que os viajantes passam da sua condição de imigrantes – residentes numa terra com a qual mantêm relações de identificação e pertença fracas – para a condição de emigrantes – residentes provisórios numa terra com a qual estabelecem elos de identificação e de pertença.
Esta pequena reflexão acerca das vidas repartidas por diferentes e distantes lugares, não é mais do que um registo empírico daquilo que podemos encontrar em tantos e tantos lugares da região transmontana. Meu querido mês de Agosto, a vontade e o querer de cada um desses indivíduos e famílias que transformam as suas vidas num eterno ir e vir e ir e vir… sempre com a esperança de um dia, num qualquer futuro, poderem vir e não terem que ir.
(adaptado de artigo enviado para a Revista Almocreve - Carção, 2011)

18 agosto 2011

a coluna do paladino

Escreveu a história que Paiva Couceiro foi um dos mais combativos monárquicos durante os primeiros anos da república portuguesa. Ao ler a sua biografia escrita por Vasco Pulido Valente conheci com detalhe as suas fantasiosas tentativas de restabelecer a monarquia em Portugal. Foi a partir da Galiza que Paiva Couceiro planeou e organizou as suas incursões no país, sempre acreditando que, mais importante do que a força, seria a sua presença quem iria chamar para o movimento as populações e os poderes entretanto estabelecidos e, assim, derrubar a república. Para além disso, Couceiro acreditava no mito da sua invencibilidade e daí surge a ideia de paladino. Foi na noite de 3 de Outubro de 1911 que o seu exército, com pouco mais de mil homens, quase desarmados, famintos, mal vestidos e mal calçados, partiu à conquista de Portugal. Depois de alguma deriva, perdidos e enganados, marcharam durante vinte horas. Couceiro hesitou entre seguir para Bragança ou para Vinhais, mas ao receber informações falsas de que Bragança teria sido reforçada, decidiu investir sobre Vinhais. Apesar de se temer um confronto em Vinhais, tal não sucedeu porque o capitão das forças republicanas estacionadas – 68 homens de infantaria e 10 de cavalaria - previamente avisado da eminente chegada da coluna de Couceiro retirou para uma aldeia próxima. A entrada da coluna monárquica foi triunfal e eufórica, recebida com entusiasmo pela população, rapidamente Couceiro proclamou a monarquia em Vinhais, hasteando a bandeira monárquica no edifício da Câmara Municipal. A Vinhais acorreram muitas pessoas das aldeias vizinhas, chamadas pelo sucesso da “reconquista” monárquica. Paiva Couceiro consciente da delicada situação reuniu os seus oficiais, anunciando que sem verdadeiros soldados, sem armas e sem munições não se poderia resistir a uma investida republicana, manifestou a opinião que a coluna deveria retroceder para perto da fronteira. Assim se fez na madrugada de 6 de Outubro, deixando Vinhais entregue aos populares entusiastas da causa monárquica que, desorganizados e desarmados, tiveram por missão defender a bandeira monárquica hasteada na Câmara Municipal. Como não podia deixar de ser, os republicanos rapidamente, no mesmo dia, reconquistaram a vila de Vinhais.
Estes são os factos históricos de há cem anos que pude conhecer na leitura da referida biografia e que me permitiram contextualizar algumas das histórias documentadas pelos populares e que ainda hoje se contam na região. Um desses momentos diz respeito a antepassados meus. Reza a história que quando as forças de Paiva Couceiro chegaram e tomaram Vinhais para a monarquia, muitos populares de toda a região confluíram para essa vila. Alguns por iniciativa própria, mas grande parte deles instrumentalizados e influenciados pelos representantes locais da igreja católica. Também de Vila Boa partiram vários indivíduos armados de roçadouras e varapaus. Dois desses homens foram os meus bisavôs, o “tio” Graciano, meu bisavô materno (avô paterno de minha mãe) e o “tio” José António Pires, meu bisavô paterno (avô materno do meu pai) e conhecido por Tio Capador. Quando Paiva Couceiro decidiu retirar de Vinhais, deixou a vila entregue a esse conjunto de homens voluntariosos da monarquia. No mesmo dia, 6 de Outubro de 1911, o capitão republicano Rodolfo de São Ventura Andrade e as suas tropas regressaram a Vinhais e quando se depararam com os populares, estes manifestaram vontade de resistir. A chefiar um conjunto desses populares estava o meu bisavô Capador que quando ouviu o capitão republicano dar a ordem: “- Armar baionetas!” Gritou para os seus homens: “- Desarmar cacetes!” E desataram a correr para todos os lados, tentando fugir ao fogo republicano. Escusado será dizer que facilmente o capitão restabeleceu a ordem republicana e os valentes e ingénuos monárquicos locais foram perseguidos e detidos. Esse meu bisavô também esteve detido uns dias em Vinhais e conta-se que quando o questionavam acerca dessa sua condição, ele confiante dizia: “- Não há problema para um homem, pois quer na prisão, quer na igreja, todos temos uma tábua. É o bastante”.

16 agosto 2011

Anna Karénina

Terminei recentemente a leitura deste clássico da literatura russa (e mundial) do século XIX. Esteve na mesa-de-cabeceira muito tempo à espera e foi leitura nocturna obrigatória durante cerca de quatro meses. Lev Tolstoi, o gigante Leão, como ficou conhecido, através do seu génio retrata-nos a Rússia da segunda metade do século XIX. A História inicia-se em Fevereiro de 1872 e termina em Julho de 1876. A narrativa que dura quatro anos, desenrola-se entre Moscovo e S. Petersburgo e conta-nos a vida de quatro casas de grandes famílias. São protagonistas: Dolli e Stepan Arkaditch, Kitti e Levin, Vronski e Anna, Aleksei Aleksándrovitch. Para além da escrita, aprecio o seu estilo habitual de narrativa lenta e muito descritiva e depois de Guerra e Paz, A morte de Ivan Ilitch e, agora, Anna Karénina, em breve regressarei ao gigante russo. Agora é tempo de conhecer outro clássico, A Peregrinação de Fernão Mendes Pinto.

15 agosto 2011

dr. schweppes

Filho de uma família de classe média baixa do Oregon, estado do Pacífico, o Shawn é professor de Antropologia na Universidade de Louisville, no estado de Kentucky e tem uma paixão do tamanho da sua vida por Portugal e, em particular, pelo norte do país. Conhece melhor o país e os portugueses, a sua história, os artistas e suas obras, melhor que a maioria de nós. Desde 1992 tem visitado todo o país e tem feito trabalho de campo, desde então, em Covas do Douro, no concelho de Sabrosa, onde é carinhosamente tratado por Jonas. Shawn reconhece que nunca imaginou vir a ser antropólogo nem ser reconhecido enquanto tal. A propósito das suas origens, diz que nada apontava para que viesse a ser um estudioso e intelectual e que até poderia ser muito rico, mas nasceu no lado pobre da família. É que os seus antepassados maternos são a família Schweppes, nome que ele ainda transporta e que terão chegado aos EUA na segunda metade do século XIX. Curiosidades…

psicologia canina

O Sábiu era um cão rafeiro de média estatura e pelo castanho claro. Viveu entre as décadas de oitenta e noventa de mil e novecentos na aldeia de Vila Boa. Temperamental ladrava a todos e a tudo que mexia, parecendo mesmo que só não ladrava ao próprio dono. Vivia no largo da Portela e passava parte dos seus dias nos degraus da escadaria de casa. Também gostava de acompanhar o dono nas suas tarefas e deslocações pelos campos e montes, mas era junto de sua casa que ele demonstrava todo o seu carácter. Sempre que sentia um carro aproximar-se vindo da Igreja, do Casal, do Nubledo ou do Cerdeiro, ele desatava a correr e a ladrar atrás desses carros até que eles desapareciam do largo. Depois vendo que os carros se afastavam, calava-se e regressava triunfante e calmamente aos seus degraus. Se por acaso outro carro se aproximava, novamente ele investia sobre essa viatura até ela desaparecer. A explicação do dono para esse comportamento obsessivo era a questão territorial, pois o Sábiu sempre pensou que os carros fugiam dele e do seu ladrar. O seu esforço era sempre recompensado pela renovação ou reforço do seu domínio sobre o seu território. Cada perseguição implicava também uma marcação urinária numa qualquer esquina desse território. Sábiu era também um animal muito obediente a seu dono e sempre que este queria que ele ficasse quieto, bastava passar-lhe qualquer objecto (um baraço, uma palha) pelo pescoço que ele, de imediato, ficava imóvel sentindo-se preso. Curioso.

13 agosto 2011

roupa nova...

o regresso

Inicialmente previsto para o dia 8, 2ª feira, o regresso ao Porto foi antecipado para o dia anterior pois, tendo em conta aquilo que conseguimos fazer e visitar, para além do cansaço, os objectivos deste empreendimento estavam plenamente alcançados. Depois de um farto e "americanizado" breakfeast que incluiu alheira de Vinhais, presunto, chamuças do hipermercado e pão de trigo, saímos de Vila Boa. O percurso estava traçado: Pedra Bolideira, Castelo de Monforte, e cidade de Chaves, almoço em Vila Real com director da faculdade de história e Política e, depois de almoço, Lamego, Tarouca, Ponte de Ucanha, e casa de José Leite Vasconcelos (grande, grande...), mosteiro de Salzelas e, depois, regresso ao Porto através da Régua, Mesão Frio e Amarante. Conseguimos visitar todos os lugares que pretendíamos. Chegamos ao Porto já bem perto das vinte horas. Depois de uma semana a empanturrarmo-nos com a excelência das carnes e fumeiros transmontanos, foi com elevado prazer que nos sentámos à beira-mar a saborear uma sopa de peixe e um arroz de marisco. Fim de trabalho de campo. Agora, reunir documentação e bibliografia para começar a escrever. Projecto em construção... Afinal, prevê-se um projecto de longa duração que poderá mesmo alcançar as duas décadas de investigação. Veremos. Por fim, dizer que foi um prazer conhecer (melhor) e trabalhar com o grande, enorme antropólogo Shawn Parkhust.
(Valadares, 7 de Agosto de 2011)

12 agosto 2011

o couto de ervedosa

Foi à hora de almoço, num restaurante em Vinhais, que se falou das minas da Ervedosa como um lugar muito interessante para visitar. A conversa tida com o nosso informador casual versava a guerra civil espanhola e como Vinhais foi um porto de abrigo para muitos "vermelhos" (comunistas) e ponto de passagem para muitos fascistas que fugiam para a América do Sul. Pelos vistos, ainda hoje são muitos os episódios e as histórias desse período que sobreviveram na memória das gentes deste concelho raiano. Durante o almoço foi com muita atenção e avidez que ouvimos contar como Vinhais e alguns dos seus habitantes foram protagonistas nesse enredo terrível da guerra civil em Espanha. Uma dessas histórias está directamente relacionada com as minas de Ervedosa e seus donos. Contaram-nos mais ou menos isto:
Naquele tempo os "vermelhos" fugiam para Portugal e escondiam-se das autoridades nos montes, nas fragas e nos buracos e minas que encontravam, tendo o apoio das populações locais para os alimentarem e avisarem dos perigos. É que a GNR tinha ordens superiores para perseguir e executar todos os indivíduos que fossem capturados. Pelos vistos no termo de Nuzedo de Baixo existe um lugar recôndito e de difícil acesso que lhe chamam as fragas amarelas, onde estariam escondidos alguns espanhóis. O Tenente do posto da GNR de Vinhais, tendo tido ouvido rumores dessa presença e porque sabia da extrema dificuldade de verificar o terreno, pediu ao sócio-gerente das minas que o levasse no seu pequeno avião para um patrulhamento aéreo e confirmar a presença de qualquer espanhol. Dizem que Carlos Lindly, sócio e então gerente da empresa, concordou. Tinha comprado um pequeno avião a um indivíduo a quem o avião saíra numa rifa do Jornal O Século e que não sabendo pilotar quis vender o avião. Carlos Lindly também não tinha licença para voar, não tinha muitas horas de voo e aprendera a pilotar sozinho, através de um manual de pilotagem. Dizem também que o Tenente da GNR era um homem grande e pesado e que quando tentaram levantar voo, a pista foi pequena e o avião não conseguiu evitar o choque com uma árvore, despenhando-se e provocando a morte aos dois ocupantes. O corpo de Carlos Lindly foi sepultado em frente à sua casa de então, bem sobranceira ao complexo das minas e à aldeia de Nuzedo de Baixo. Consta também que a morte deste sócio terá sido o início do fim das minas...
Esta e outras histórias foram o suficiente para nos fazer ir à Ervedosa e à descoberta do complexo mineiro, agora em ruínas e devorado pela vegetação. Lugar impressionante, sombrio e, ao mesmo tempo, belo. Um mundo passado, impregnado de vestígios de vidas difíceis e miseráveis. Soube que em tempos um arqueólogo com responsabilidade concelhia propôs e apresentou um projecto para a preservação e musealização deste complexo industrial, mas a Câmara Municipal de Vinhais não acolheu tal iniciativa. É pena.
(Vila Boa, 6 de Agosto de 2011)
Deixo aqui dois links para imagens desta mina, que aconselho verem sem som...
http://www.youtube.com/watch?v=t2qbSUqEfkM
http://www.youtube.com/watch?v=YX4vb9m94Dg&NR=1

em Trás-os-Montes não se chamam assim...

... são Romeiros.

11 agosto 2011

it's better...

lorga de dine

Lacuna grave no meu conhecimento regional, a visita à Lorga e aos Fornos de Cal em Dine. Sabia que havia uma senhora responsável e zeladora desses locais e, curiosamente, fui directamente ao encontro dela. Estranhamente nada desconfiada pela minha abordagem, falou, falou e falou. Abriu e guiou a visita ao núcleo interpretativo da Lorga. Referiu-se aos achados arqueológicos e às suas datações com tal desembaraço, falando do Paleolítico e do Neolítico, do período Calcolítico e da Idade do Ferro e do Bronze, como eu não falo aos meus alunos. Quis saber quem éramos e de onde vínhamos. Disse-lhe que era de Vila Boa e ela logo exclamou: "- Da terra do Lexinho!"
Depois, procurando logo encontrar pontos de contacto e de proximidade, disse que a minha cara não lhe era estranha, ao que o Shawn respondeu mostrando-lhe um dos meus livros que ela tinha lá em escaparate e à venda. Surpreendida, quis saber mais sobre mim e eu, aproveitando esse interesse e a sua disponibilidade, depressa comecei a fazer trabalho de campo em relação à questão das nomeadas. Uma vez mais, surpreendida pelo assunto, disse-me que nunca tinha pensado no assunto, mas lá foi debitando algumas das nomeadas da sua aldeia e das aldeias vizinhas. Aproveitei para a questionar sobre a toponímia de Dine e ela, afirmativa, disse conhecer todo o termo da aldeia pelo nome. Combinei com ela regressar depois do dia 15 de Agosto para conversarmos acerca disso.
Depois disto, lá fomos visitar a Lorga, agora fechada por causa do vandalismo e dos possíveis furtos e os Fornos de Cal, em bom estado de conservação. A indústria artesanal tradicional em revelação. Muito interessante.
(Vila Boa, 5 de Agosto de 2011)

coisas de um outro mundo

Na capital de Moçambique, Maputo, e por precisar de tratar de assuntos muito importantes, Jim dirige-se à embaixada de um país vizinho para tentar falar com o próprio embaixador. Na recepção é recebido por um funcionário que, depois de querer saber o motivo para tal reunião, amavelmente lhe indica a escadaria para o quarto andar desse mesmo edifício. Jim calmamente sobe pelas escadas até esse piso e aguarda que alguém se lhe dirija. Pouco tempo depois é recebido pelo embaixador, que naquele caso era o mesmo indivíduo que o acabara de receber na recepção e que, entretanto, subira por um elevador de serviço, vestira um melhor blaser e se apresentou então como embaixador. Jim não queria, mas teve que acreditar.

10 agosto 2011

portagem

A beleza de uma portagem à moda antiga. Ponte de Ucanha, terra de José Leite de Vasconcelos.

instante urbano XV

Almoço combinado com personagem de relevo na cena académica nacional e até internacional. O estilo do próprio e de sua companheira, pelos trajes e trejeitos, causam estranheza. Sempre educados e cordiais recebem-nos no seu lar. Falam em inglês, o que por vezes me dificulta a comunicação, mas não dou parte fraca. Indicam o restaurante apropriado para almoçarmos e saimos. A mulher, estranha mulher esta, enquanto fala vai mastigando cigarros atrás de cigarros, que ela própria prepara e enrola. O almoço, gostoso, demorado e bem disposto, passa-se a recordar histórias e estórias de uns e outros. A mulher interrompe o seu almoço por duas ou três vezes para ir mastigar cigarros. Regressamos a casa deles para os deixarmos. Ao entrar no pátio da habitação, a mulher que mastiga cigarros e segue à nossa frente, vira-se para trás e atira para o chão da rua dois pacotes de tabaco vazios que trazia nos bolsos. Sorrindo diz que não está a poluir, mas sim a reciclar. Para incómodo e espanto meu, os outros riem da atitude. Não são de cá, são daquela Europa civilizada do norte que nos trata por PIGS...

09 agosto 2011

as crianças não, mas os adultos...

estrada nacional 206

Um impulso do Shawn perante o topónimo levou-nos de Rebordelo até à Bouça e daí até à Torre de Dona Chama. Mal nos afastámos do cruzamento da Bouça, determinadas memórias de há vinte, trinta ou até mais anos invadiram-me o cérebro e, assim, não pude deixar de viajar no tempo e recordar aquela recta, a outra curva, a velha e estreita ponte de pedra e a sombra fresca onde tantas vezes parei para demonstrar e minha indisposição momentânea.
Relembro as dezenas, provavelmente centenas de viagens entre Gaia e Vila Boa e Vila Boa e Gaia, utilizando sempre e sempre a nacional 206, estrada que liga a Póvoa de Varzim às imediações da cidade de Bragança, mais concretamente à Mosca, onde entronca na nacional 15. Dessas mesmas viagens recordo com especial nostalgia aquelas que fazia na época de Natal - e agora ao escrever os olhos humedecem... - apenas com o meu pai, deixando em Gaia ou Delães a restante familia, sendo que o meu irmão Daniel ficava sempre num pranto por não o deixarem viajar também. Épicas essas viagens, em que eu viajava no banco da frente e tudo, o que para um miúdo de dez ou doze anos era uma promoção à condição adulta. Mas aquilo que mais gostava dessas longas viagens de cerca de cinco horas, era poder questionar o meu pai acerca dos locais por onde iríamos passar - e a seguir que terra é?
O percurso entre a Torre de Dona Chama e Vila Boa era sempre muito ansiado, pois utilizando o relógio, em prata, de bolso que o meu pai usava sempre no bolso direito das calças, para controlar, eu questionava-o acerca do tempo que demoraríamos até à próxima aldeia, e depois até à seguinte e assim sucessivamente até chegarmos ao destino. Curioso, e grandioso para uma criança como eu era, como o meu pai acertava sempre, ao minuto, essas distâncias o que me deixava extremamente satisfeito e orgulhoso da velocidade a que o meu pai percorria, na sua R12, aquelas distâncias.
Depois de tantos anos sem ter circulado por essa estrada nacional, cheguei à conclusão ou ao entendimento que um dia, talvez num futuro próximo, irei revisitar todos esses lugares da minha memória, levando agora comigo as minhas crianças que experimentarão assim a verdadeira dimensão de uma viagem nacional, sem recorrer a esses túneis da velocidade que nos fazem chegar a todo o lado mais depressa e nos impedem de conhecer o país. Assim farei.
(Vila Boa, 4 de Agosto de 2011)

08 agosto 2011

antropologia

o inferno ou ladrão

Ao passar pela aldeia de Agrochão fomos visitar o Museu Etnográfico. Instalado na antiga casa paroquial, reúne um conjunto de alfaias associadas ao ciclo do pão, ao ciclo da lã, assim como outras relacionadas com a tracção animal. A guia do museu, jovem simpática e prestável, foi-nos mostrar o lagar de azeite, localizado num outro edifício na espectacular rua do vale. Aqui explicou-nos o processo tradicional do ciclo do azeite. Ficamos a saber que uma das últimas etapas desse ciclo implicava a utilização do "Inferno" ou "Ladrão", recipiente em pedra para onde escorria o azeite depois da separação da água. Acontece que o lagareiro (dono do lagar) quando fazia o transvaze do azeite desse recipiente para os vazilhames dos produtores, ficava sempre com uma determinada quantidade de azeite no fundo desse recipiente. Daí ser conhecido por "Inferno ou Ladrão", pois todos sabiam que seria aí que poderiam ser roubados e/ou a sua produção prejudicada. Era uma percentagem de maquia extra, desonesta e não negociada. Metáforas populares.
(Vila Boa, 3 de Agosto de 2011)

Báu da Memória V

Esta almofada tem, certamente, a minha idade. Reencontrei-a recentemente em casa dos meus pais, aliás onde sempre esteve, e todo um conjunto de memórias infantis me ocorreram. Não queria exagerar, mas lembro-me de ver o meu irmão Daniel, enquanto bebé, deitado nesta almofada... A sua qualidade, concerteza, permitir-lhe-á sobreviver-nos.

05 agosto 2011

a porta do parque

Pareceu-me aconselhável, num primeiro dia dedicado ao território do Parque Natural de Montesinho (PNM), iniciar o percurso visitando a sede do PNM em Vinhais para, de alguma forma, contextualizar a ida para o seu território. Foi a primeira vez que visitei tais instalações e, apesar de ter conhecido o espaço anteriormente, ainda em reínas, e de reconhecer a necessidade e importância da requalificação do imóvel, aquilo que foi projectado e construído em termos programáticos (temas e conteúdos) é muito fraco. Não sei de quem é a responsabilidade, se da Câmara Municipal de Vinhais ou do Instituto da Conservação da Natureza (ICN), mas fiquei preocupado com o mais que aparente subaproveitamento daquele espaço e com a miserável qualidade dos conteúdos apresentados. Felizmente a visita in loco realizada imediatamente a seguir ao PNM e as surpreendentes descobertas a cada curva topográfica do seu relevo, retirou-me do espírito a desqualificação da meta-línguagem utilizada pelos serviços.
(Vila Boa, 2 de Agosto de 2011)

a viagem

Com destino último Vila Boa, o dia passou-se pendurado num Toyota, pelos desvios do ainda IP4. Para atenuar as dores da alma e alegrar o estômago, uma prolongada paragem em Sabrosa para, numa "quinta" amiga, saborear uma alegre churrascada. Daí nasceu o compromisso de trabalho para os próximos dois anos, incluindo participações no Congresso de Sociologia Rural, em Lisboa no Verão de 2012 e publicação conjunta para finais de 2013. Finalmente, já tarde, chegamos ao pretendido destino.
(Vila Boa, dia 1 de Agosto de 2011)