Na impossibilidade de aqui colocar a apresentação que realizei hoje no 6º Congresso Internacional de Antropologia da AIRB (online), trago o resumo enviado e aprovado da minha intervenção:
Eu sou filigraneiro
percepções, narrativas e estratégias de um património em esquecimento
por Luís Vale.
Gondomar é reconhecido como a “Capital da Ourivesaria”. Nesta terra de ourives e joalheiros, a Filigrana é saber antigo e tem ocupado um lugar de destaque entre as criações dos artistas locais. Quase exclusivamente artesanal, a Filigrana é concebida, na sua maioria, em oficinas de pequena escala, de cariz familiar, cujo saber tem sido transmitido geracionalmente e assim sobrevivido ao tempo. A Câmara Municipal criou a marca “Gondomar é d’Ouro” e desenvolveu um conjunto de acções de natureza colectiva, entre os quais a Rota da Filigrana, para promoção e divulgação da sua produção e do seu território. Este projecto envolve um conjunto de parceiros, de produtores (artesãos, ourives e indústrias) e entidades (CINDOR, ANJE, AICEP e AORP) e é financiado por fundos comunitários, o que obriga a Câmara Municipal a proceder à avaliação qualitativa do projecto. Assim, a nossa participação e o contacto com esse universo de produtores e promotores da Filigrana, através de entrevistas presenciais em profundidade e semi-estruturadas, permitiu-nos não só conhecer essa peculiar realidade, como perceber as diferentes percepções desta actividade económica, ao nível da criação de emprego, da inovação, do empreendedorismo, das estratégias de divulgação e promoção da marca e do concelho, nacional e internacionalmente. Mas permitiu também perscrutar os sentimentos em relação a uma actividade até há bem pouco tempo esquecida e em vias de extinção, entretanto recuperada pela marca “Gondomar é d’Ouro”, cujos intervenientes nos falaram das suas vidas de filigraneiros, suas histórias e futuros possíveis; sobre a sua arte e sobre a filigrana. A construção das suas identidades, a consciencialização do seu valor, a urgência de preservar a sua arte, o sentimento de pertença a uma arte/ofício, a tematização do território, a preocupação com o “seu negócio”, permitem-nos entender o esforço de patrimonialização em curso: naquilo que é um ofício local/regional, marca distintiva geográfica, de qualidade ou excelência e de identidade simbólica; Naquilo que são as narrativas de carácter histórico e remetendo para uma memória comum e partilhada pela comunidade; Também, naquilo que poderá ser o contributo da Filigrana, nos destinos e nas mais-valias financeiras, para o turismo cultural local/regional; E ainda, naquilo que poderá ser o reconhecimento e o prestígio internacional através da candidatura ao estatuto de património mundial da UNESCO. Por outro lado, pudemos perceber as tensões existentes no sector, das quais destacaríamos: a) a tentação pela industrialização da produção, levando à perda da sua autenticidade artesanal; b) falta de mão-de-obra (problema geracional e remuneratório); c) os perigos da reutilização/conversão da Filigrana num produto banal, sem excelência e prestígio, para consumo de massas (turísticas); d) desconfiança da sobrevivência da fileira da Filigrana a médio/longo prazo e sem este apoio institucional do projecto.
Perspectivando a Filigrana em Gondomar, consideramos haver ainda muito para estudar e fazer, não passando este exercício de um pequeno estudo exploratório desse universo, estaremos também a contribuir, de alguma forma, para a sua patrimonialização.
Palavras-chave: filigrana, património, identidade, memória, território, turismo.