Chegou-me hoje às mãos, leia-se ao email, o programa eleitoral da candidatura do BE à União de freguesias de Cedofeita, Sto. Ildefonso, Sé, Miragaia, S. Nicolau e Vitória, conhecida como a freguesia do Centro Histórico da cidade do Porto. Da sua leitura, chamou-me à atenção a seguinte proposta:
Exigir que a Câmara Municipal trave o risco de perda da classificação do Centro Histórico da Cidade do Porto enquanto Património da UNESCO.
Já depois, reunido em salutar, convergente e descontraído encontro à beira Douro, entre outras questões debatemos esta ameaça que, qual espada de Dâmocles, se abateu sobre a cidade. O Porto está em risco de perder a sua classificação enquanto Património da UNESCO e, de repente, toda a gente, acriticamente, está preocupada e aqui del Rei que nos estão a violentar e a roubar!
Camaradas, seria sensato reflectir sobre a questão, em vez de se propor, sem mais, uma "exigência" à Câmara Municipal. O meu contributo para essa reflexão será um conjunto de dúvidas que me assaltam sobre a mais-valia desse "rótulo" globalizante e globalizador da UNESCO, que nas últimas décadas foi conquistando e reclamando para si cada vez mais locais e territórios, até se estabelecer como paradigma dominante e inquestionável, reclamado e cobiçado. O Património está na moda, transformou-se num bem consumível que, beneficiando das lógicas do capitalismo global, é promovido, é vendido e é comprado como jamais acontecera, por uma indústria do turismo que, pelo menos, até à actual pandemia cresceu exponencialmente.
Por outro lado, e decorrente destas dúvidas essencialistas, há uma série de questões que considero importantes, pertinentes e que deveriam merecer maior atenção:
a) A que lógicas (interesses) obedece a atribuição desse selo qualitativo?
b) Houve ou há relação entre esse reconhecimento da UNESCO e as brutais alterações verificadas no centro histórico do Porto?
c) Quem é que mais beneficiou com toda a dinâmica e utilização do nosso património?
d) Se o BE critica (leiam-se os programas das nossas diferentes candidaturas) a gentrificação, defende o direito à habitação, ao espaço público e a "história" e "cultura" das populações locais, como poderemos querer, em simultâneo, defender e manter uma das causas principais dos problemas que identificamos na cidade?
e) Qual foi/é a mais-valia para as populações locais desse reconhecimento?
f) Quais foram as consequências na vida quotidiana das nossas populações provocadas directa ou indirectamente por esse reconhecimento da UNESCO e pelas apostas autárquicas para a cidade que daí advieram?
Camaradas, à falta de explicação ou justificação programática, não faz qualquer sentido o BE "exigir" a manutenção da qualificação de património mundial, é aliás, e na minha modesta opinião, um contracenso face a muitas das nossas propostas para a cidade.
Termino com uma infeliz constatação. O facto de hoje ser uma União de Freguesias, que reune aquilo que anteriormente eram seis freguesias distintas, é também consequência da patrimonialização desse território da cidade e dos seus efeitos mais do que deterministas de especulação imobiliária, gentrificação, substituição de actividades económicas (artesanais, comerciais, hoteleiras e da restauração) e esvaziamento através da expulsão de populações locais. Esta União de freguesias é o resultado dessa escolha política na conversão do centro histórico num objecto de consumo para os diferentes turismos. Será que ainda queremos, será que interessa, ser "património da UNESCO"?
(também publicado em convergencia porto)
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