Um dia destes tive que me deslocar a um balcão de atendimento de uma grande empresa que, não por acaso, detém o monopólio da distribuição de energia em Portugal. Ao retirar a senha de atendimento, verifiquei que tinha à minha frente cerca de vinte pessoas e a espera seria considerável. Num espaço incrivelmente exíguo para tamanho movimento, aguardei encostado a uma nesga de parede livre e fui observando a performance das três meninas que iam atendendo os clientes, muitos deles, diga-se, pessoas idosas que traziam consigo muitas dúvidas, questões e reclamações. Num exercício de voyeurismo forçado, não pude deixar de ouvir e acompanhar muitas dessas conversas.
Uma das situações era a de um idoso que, com a última factura na mão, se queixava do valor cobrado. Normalmente pagava vinte, vinte e poucos euros, mas esta última apresentava um valor a pagar superior a cinquenta euros. O senhor estava indignado e suspeitava que o contador deveria ter algum problema ou avaria. A menina, depois de verificar no sistema, lá lhe disse que não havia qualquer problema com o contador e que esse valor correspondia à energia consumida nesse período de facturação. Ele teimava que não podia ser. E ela, num volume que inundava toda a sala, lá começou a fazer-lhe perguntas para tentar justificar o tal valor...
- Então o senhor, se calhar deixa as luzes acesas...
- Não deixo nada. Só sou eu e a minha mulher e as luzes sempre foram as mesmas...
- Mas tem ligado o aquecedor?
- Claro, está frio e eu ligo um aquecedor pequenino que lá temos...
- Pois, então é isso. Tem que desligar o aquecedor e embrulhar-se num cobertor...
Eu, assim como outros clientes que aguardavam vez, não queria acreditar no que estava a ouvir. Não consegui outra reacção que não sorrir, pois a vontade era partir para a ignorância e insultar aquela funcionária. Então, quando se sabe que muita gente em Portugal vive em pobreza energética e não consegue aquecer a casa em que habita, o conselho desta senhora é que um casal de octogenários prescindam da única fonte de calor que têm e se remedeiem com mantas e cobertores. Está certo.
Ao se despedir do senhor e enquanto este agradecia e se levantava para sair, reforçou a ideia, dizendo: - E já sabe, não se esqueça de desligar o aquecedor...
Miserável. Triste, muito triste.
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