24 fevereiro 2016

as casas da minha existência (um exercício de memória visual)


Quando vim ao mundo, na cidade do Porto, meus pais estavam mais ou menos estabelecidos em Delães, uma pequena freguesia do concelho de Famalicão que, basicamente, servia de dormitório à mão-de-obra da ainda forte indústria do Vale do Ave. Nesse ambiente e num contexto marcelista, estertor do bafiento salazarismo e antecâmera da revolução, a condição de professores primários não lhes garantia qualquer estabilidade, muito menos tranquilidade financeira. Foi em Delães que terão conseguido efectivar pela primeira vez numa escola e também foi aí que trabalharam pela primeira e última vez os dois na mesma escola. Habitavam uma pequena casa térrea, construída com o granito cinzento-azulado, originário e muito utilizado naquela região e rodeada de arbustos e algumas árvores de frutos. Não guardo qualquer memória do interior dessa casa, mas preservo pequenos fragmentos de momentos passados no seu exterior. Era uma casa muito bonita e cujo perfil e tipologia ainda hoje me seduz.
Casa na avenida das lameiras, em Delães. Casa onde vivi os primeiros meses de vida.

Pouco tempo depois, talvez por causa da gravidez e nascimento do seu segundo filho, os meus pais mudaram-se para uma outra casa na mesma freguesia, igualmente alugada, mas maior, mais espaçosa e com mais área exterior. Localizada mais perto do centro da localidade, leia-se, mais perto da igreja e mesmo em frente ao cemitério, as minhas primeiras memórias de criança são desta casa... As brincadeiras com o meu irmão, as corridas nos triciclos e nos carrinhos a pedais, as bolas que teimavam em ir parar à rua, os banhos de Verão no tanque de pedra construído no pátio da cozinha, a loja do Sr. Sampaio, no piso térreo, uma pequena boutique que servia as necessidades e os gostos locais, e as fantásticas aventuras de cowboys e índios nos terrenos anexos, foram momentos que guardei e ainda hoje recordo com alguma nostalgia e onde gosto sempre de regressar.
Casa no cruzamento entre a rua de Penavila e a rua da Liberdade, em Delães. Casa onde vivi até aos cinco anos.

Em 1979, por força da transferência de escola do meu pai, da minha mãe ou de ambos, não sei, a família mudou-se para Vila Nova de Gaia e para uma das suas freguesias litorais. Pela primeira vez compram uma casa, neste caso, um apartamento, situado numa pequena rua da Madalena. Neste momento tinha cinco anos de idade e vou viver durante oito anos e até aos meus treze, catorze anos na Madalena. São anos de feliz e vadia criancice. Aquela rua era pequena, mas nela moravam inúmeras famílias e muitas crianças e jovens, criando um ambiente propício para a brincadeira, para a aventura e para um crescimento saudável. São daqui as maiores e mais pormenorizadas memórias de pessoas, lugares e momentos da minha infância e pré-adolescência (factos, momentos e nomes que já aqui trouxe num outro texto...).
Apartamento no 1º esquerdo do nº 115, na rua Trás do Maninho, na Madalena. Casa onde vivi até aos catorze anos.

Em 1987, meus pais mudam-se pela última vez e desta vez para uma vivenda em Valadares. Uma vez mais a causa provável para esta mudança terá sido a pressão demográfica que, com a chegada de mais um filho e sequente crescimento, se começou a fazer sentir lá em casa. Na altura, foi para mim um tremendo sobressalto emocional, pois estava a afastar-me de todos aqueles que cresceram comigo e de todas as referências de menino. Era o fim de um ciclo que, por acaso ou não, coincidiu com a minha passagem para uma outra idade. Entretanto, e enquanto me adaptava ao novo bairro e rua, aos novos percursos e vizinhos, foram muitas e fortes as amarras que tive que libertar do lugar anterior. Fizeram-se novos e bons amigos que acabaram por substituir os anteriores e, nalguns casos, por ficar até hoje. A casa do Penedo era, e é, uma excelente casa, como jamais imaginara poder um dia habitar, julgo até que, nem os meus pais algum dia anteciparam poder ter uma casa como esta. Pela primeira vez tivemos direito a um quarto individual para cada um, tivemos anexos que pudemos transformar naquilo que bem entendemos e até animais, embora a custo, pudemos ter. Foi tempo de estudar, chegar à idade adulta e começar a trabalhar. Foi tempo de me ir soltando da família até ao dia em que fui, sem qualquer propósito, ver um prédio novo em Francelos e me apaixonei, vejam só, por um apartamento num condomínio fechado... Depois de duas ou três conversas e visitas, eu e a minha então já cara-metade sinalizámos e depois comprámos a casa. Recordo desse tempo a conversa que tive com o meu pai e a forma como ele me avisou: - Se achas que deves já pôr a corda ao pescoço, força...
Casa na rua da Gestosa, em Valadares. Casa onde vivi até aos vinte e seis anos. 

Estávamos em 1998 e, visto a esta distância, éramos umas crianças e foi com essa alegre, excitada e descomprometida juventude que fomos preenchendo os espaços, então enormes, com a parafernália e indumentária que considerávamos necessária. Era um apartamento com excelentes áreas, se exceptuarmos a cozinha e o condomínio tinha piscina. Era aqui que morávamos quando nasceu a nossa primeira filha. Curiosamente, no mesmo prédio viviam vários jovens casais que, tal como nós, haviam adquirido aí a sua primeira casa e cujos passos coincidiam com os nossos. Isso contribuiu para uma aproximação com alguns desses casais, acabando por se transformar em sólida amizade.
Apartamento na rua Dr. Ferreira Alves, em Francelos. Casa onde vivi até aos trinta e três anos.

Mais tarde, algures na Primavera de 2006, recebemos uma proposta para vendermos a nossa casa, o que rapidamente aconteceu e nos levou por meio ano, e com as tralhas às costas, para casa dos meus pais. Foi um tempo complicado, de readaptação e de incerteza quanto ao lugar onde iriamos morar. Interessante neste processo foi ter percebido na minha filha sentimentos semelhantes, até na argumentação, àqueles que eu senti quando os meus pais promoveram a mudança da Madalena para Valadares.
Enfim, no final desse mesmo ano, a casa que escolhêramos e havíamos comprado, ficou pronta para a habitarmos. Nova mudança, novos desarranjos, novas rotinas e novo filho, para mais rápido ocuparmos todos os cantos e recantos da casa e, assim, termos de novo a sensação de que já não cabemos nela. Ainda lá estamos e estamos bem. Na verdade, sinto sempre a necessidade de mudança, simpatizo com a ideia de mudança e gostaria muito de poder mudar de casa nos próximos tempos, mas não sei se será possível. No entretanto, importa salientar que a minha casa, a nossa casa, é uma excelente casa, confortável, espaçosa e nela, julgo, habita uma família normalmente feliz.
Apartamento na avenida António Coelho Moreira, em Valadares. Casa onde actualmente vivo.

Posfácio
Sincero agradecimento ao Google Street View pela experiência confortável, acessível e barata, ao me permitir viajar pelos lugares da minha memória e assim enriquecer este exercício.

20 fevereiro 2016

Umberto Eco (RIP)


A notícia já é de ontem à noite, mas só agora tive tempo para aqui vir e dedicar-lhe este pequeno texto. Tal como milhões de pessoas por todo o mundo, o primeiro contacto que tive com ele e com a sua obra, foi através do romance "O nome da Rosa" de 1980, entretanto adaptado ao cinema. Aliás, vi primeiro o filme e só depois li o romance. Mas foi muito mais tarde que passei a conhecê-lo e a admirá-lo. Foi a Antropologia e seus arrabaldes que me levaram aos seus escritos - artigos, ensaios e livros. Foi com gosto e com respeito pelas suas ideias que passou a ser uma das minhas referências, naquilo que é o contexto e o enquadramento teórico, em muitos dos meus trabalhos, investigações e escrita. Ainda agora tenho andado com um dos seus trabalhos sobre semiótica... Na minha humilde "biblioteca" tenho alguns títulos da sua vasta produção:
- O nome da Rosa;
- Baudolino;
- Pêndulo de Foucault;
- O conceito de texto;
- Sobre o espelho e outros ensaios;
- História do feio;
- Como se faz uma tese em Ciências Sociais;
- Dizer quase a mesma coisa sobre tradução;
- Semiótica e Filosofia da Linguagem;
Foi sem qualquer dúvida um dos grandes intelectuais da segunda metade do século XX e do início deste século. Fica o pensamento civilizacional mais pobre com a sua morte...

"Fazer progredir o pensamento não significa necessariamente refutar o passado: significa por vezes revisitá-lo, não só para compreender o que foi efectivamente dito, mas o que se poderia ter dito, ou pelo menos o que hoje pode dizer-se (talvez apenas hoje) relendo que então se disse."
- in Eco, Umberto (2001), Semiótica e Filosofia da Linguagem, Lisboa, Edições Instituto Piaget;

18 fevereiro 2016

mediascape: os gatos esperam por Cesariny


A história vem hoje contada no jornal Observador e diz mais ou menos isto...
Mário Cesariny faleceu no dia 26 de Novembro de 2006, aos 83 anos e foi sepultado num gavetão anónimo (o número 29) do Cemitério dos Prazeres, em Lisboa. Quando faleceu deixou mais de um milhão de euros depositados nos bancos e no seu testamento, como não tinha descendência, deixou esses valores à Casa Pia de Lisboa. Em vida, o poeta tinha manifestado a vontade de não ser cremado, nem enterrado. Assim, para além de se lhe fazer a vontade, a Casa Pia comprou-lhe um jazigo nesse mesmo cemitério, para onde ele seria transladado mais tarde.
Só que passados nove anos continua tudo na mesma, ele sepultado num gavetão anónimo, no talhão dos artistas, e a Casa Pia sem resolver a situação do jazigo comprado no outro lado do cemitério... Segundo o Observador, o problema está num conflito entre a Casa Pia e Manuel Rosa, amigo, editor e também testamenteiro do poeta. A Casa Pia diz que aguarda projecto e orçamento para a requalificação do jazigo, que Manuel Rosa ficou de apresentar. Manuel Rosa diz que a Casa Pia não mostrou interesse em ver os planos, nem em financiar as obras necessárias.
O jazigo de Cesariny fica na ponta oposta do cemitério, longe do gavetão onde foi sepultado. É um jazigo modesto, construído “talvez nos anos 40”, com uma “porta de jardim”. “Fica num lugar simpático, onde existem muitos gatos”, salientou Manuel Rosa. “O Mário gostava muito de gatos.”
Entretanto, na outra ponta do cemitério, os gatos continuam a guardar aquela que deveria ser a última morada de Mário Cesariny. Deitados ao sol, observam indiferentes a passagem dos estranhos. É como se continuassem à espera.
Mais pormenores desta história podem-nos encontrar acima, no link do jornal Observador.

presente...


...da minha criança com a indicação que era o desenho do carro do pai.

14 fevereiro 2016

tédio e má consciência

É verdade que quando cumpria horários de segunda a sexta-feira, detestava os dias de Domingo, principalmente as suas tardes e noites, mas depois, quando passei a ser quase-dono do meu tempo, esse sentimento desvaneceu, transformando-se o tempo numa sequência de horas, dias e semanas, às quais eu dava, ou tentava dar, resposta, mas sem qualquer importante distinção entre manhã ou tarde, entre semana ou fim-de-semana. Importava e ainda importa aquilo que tenho em mãos ou em projecto e aquilo que tenho para fazer.
Acontece é que, ultimamente e neste preciso momento, sinto um profundo tédio, sem vontade de fazer o que seja, mas consciente de que o tempo não para e tenho aqui ao lado muito trabalho à espera. O desespero aumenta ao perceber que as horas estão vazias e continuo sem nada fazer... Caminho dum lado para o outro, ando às voltas por aqui e acolá, pego num livro que quero ler, mas pouso, abro o portátil para recomeçar algo, mas logo o fecho, projecto a semana que aí vem, mas depressa me arrependo, porque vai começar com uma viagem que não apetece fazer, olho as horas e tento fechar os olhos na esperança que o tempo passe...
Assim foi esta tarde de Domingo, vazia e de má consciência.

em jeito de esclarecimento

As histórias que tenho aqui publicado nos últimos dias, foram retiradas do livro "histórias de escano e soalheira", que publiquei em 2008 nas edições Cosmos. Relembrei-me delas porque continuo a encontrar fontes e relatos de momentos experimentados e vividos num passado mais ou menos longinquo e que vão sobrevivendo na memória individual e colectiva das e nas comunidades e que deveriam ser recolhidas e registadas. Não sei se algum dia voltarei a esse registo, mas gostaria muito, pois estamos a falar de etnografia vadia ou indigente, ou seja, de material que, normalmente, é desvalorizado e pouco importa aos etnografos ou académicos. Entretanto, vou coleccionando.

12 fevereiro 2016

do escano e da soalheira (11)

Até meados da década de 60, eram muitas as pessoas que se deslocavam à feira de Bragança. As tecedeiras e os fuseiros eram certinhos na esquina, em frente à praça do mercado e ao portão por onde entravam e saíam as alunas do liceu.
Num desses dias a caminho de Bragança, entre outras pessoas, iam a tia Cândida d’às Portas e a Felicíssima, as duas já falecidas. Uma das características da Felicíssima era ser boa conversadeira e ter um vocabulário maior e mais fluente do que era normal nas pessoas da aldeia. Ora, no decorrer da conversa, aplicou o termo repugna-me, o que meteu confusão à tia Cândida, pois não conhecia esse termo. Contudo, não o esqueceu e fixou-o...
De regresso à aldeia e nos dias seguintes, por tudo e por nada, a tia Cândida aplicava esse termo no seu discurso:
– Ó Riaga, repugna-me aí as tenazes!... ou: – Ó Júlio repugna-me aí a tua malga!... – mas ninguém reagia. Andava cada vez mais intrigada com o significado dessa palavra, até que um dia lá perguntou o que queria dizer. Depois de ouvir a explicação desabafou:
– Áh... atão é por isso que o meu Riaga não me repugna as tenazes!...
(in Sardão nº 13)

11 fevereiro 2016

do escano e da soalheira (10)

Noite de Inverno. Nos idos anos setenta, o Mâncio ia, como fazia quase todas as noites, belar para casa do tio Xenxo. Taberneiro amigo, pois deixava que toda a gente que quisesse, fosse para sua casa, para junto dos tições, aquecer-se e cavaquear durante essas longas beladas das noites de Inverno.
O Mâncio, como bom vizinho, era sempre dos primeiros a chegar, tomando o seu lugar no escano junto à lareira. Consoante iam chegando outras pessoas, iam-lhe pedindo:
– Chega-te um pouco para lá Mâncio!...
Depois chegava outro e repetia:
– Chega-te um pouco para lá Mâncio!...
Depois de uns tantos terem entrado, diz o Mâncio, já chateado:
– Ora... ando eu a aquecer o cu para todos!?!...
(in Sardão nº 6)

10 fevereiro 2016

do escano e da soalheira (9)

Nos tempos de miséria, o Marloco, um senhor de Ousilhão, que era muito amigo do Pitês, foi a Vila Boa na tentativa de conseguir um empréstimo de 5 mil escudos, naquele tempo, uma soma avultada. A conversa entre os dois, foi mais ou menos assim:
– Ó Pitês... desenrasca-me 5 contos, pois preciso deles!?...
– Se tibesses bindo onte... é que fui a Bragança ao banco e meti-o lá.
– Ladrão de mim, estibe p’ra bir!!!
(in Sardão nº 4)

09 fevereiro 2016

do escano e da soalheira (8)

Certo dia a Zufina, mulher do Luís Bouça, precisando de mercearia pediu ao marido para ir à taberna saber das coisas em falta. Lá chegado, o Luís Bouça faz o seu pedido e, atento, vê o taberneiro formar as parcelas dos preços das compras. Ao somar o taberneiro ia dizendo:
– ...e vai um... e vão dois...
Sem deixar o taberneiro acabar a sua conta, o Bouça atira o seguinte comentário:
– Com essa do vai um e do vão dois é que tu me fodes!...
(in Sardão nº 5)

08 fevereiro 2016

epistemologia

A ler...

do escano e da soalheira (7)

Aqui há uns anos atrás, fui fazer uma operação ao coração, pôr uma pilha para que a máquina não pare. Estava lá eu a preparar-me, quando uma enfermeira vira-se para mim e diz-me:
– O Senhor vai ter que tirar o ouro todo que tem, vai ter que tirar o relógio e vai ter que tirar os dentes!...
– Bô!... Caralho!... Tiro agora os dentes!?...
– Vai ter que tirar!
– Tiro o caralho!!!
Por fim a enfermeira lá se apercebeu que os dentes eram os meus e lá me deixou ir com eles...
(Novembro, 2007)

mediascape: compromissos assumidos e honrados

António Costa tinha avisado que "com acordo ou sem acordo, isto não fica assim". Mal tomou posse tratou logo de iniciar contactos e negociações com os privados que haviam ficado com a maioria do capital da empresa. Independentemente dos pormenores e dos custos inerentes, a verdade é que António Costa cumpriu aquilo que dissera sempre, o Estado terá sempre uma palavra nas decisões estratégicas da empresa de aviação portuguesa. Muito bem. É bom para a empresa, é bom para o Estado e é excelente para os portugueses ter um governo e um primeiro-ministro que, pelo menos, tenta honrar os seus compromissos.

05 fevereiro 2016

do escano e da soalheira (6)

Em noite em que os ladrões roubavam os animais e o diabo as almas às pessoas, encontram-se à porta da tia Olívia, um ladrão e o diabo.
– Que estás aqui a fazer? – Pergunta o Diabo ao ladrão.
– Vim roubar a burra da tia Olívia. E tu?
– Eu vim roubar-lhe a alma.
Assustado e preocupado com a sua própria alma, o ladrão pergunta ao Diabo:
– E como se faz para que não consigas roubar a alma a uma pessoa?
– Basta que, quando essa pessoa espirrar, alguém diga: Deus te ajude criatura. Assim já não poderei levá-la comigo...
Entretanto, os dois dirigem-se para a loja da burra, que ficava mesmo por baixo do quarto onde dormia a tia Olívia. Quando o ladrão se preparava para agarrar com uma corda a burra, ouvem a tia Olívia a espirrar e o ladrão, rapidamente, diz:
– Deus te ajude criatura!
O Diabo irritado com o ladrão, diz em voz alta:
– Olívia vem à loja que te roubam a burra!...
E assim, ambos são obrigados a fugir sem conseguirem aquilo que pretendiam.
(Abril, 2007)

04 fevereiro 2016

mediascape: valor supremo, liberdade


Apesar de não ser propriamente uma novidade, é ao ler notícias como esta do jornal Público de hoje que nós deveríamos valorizar tudo quanto, enquanto comunidade, enquanto civilização, conquistámos. Saber que noutras geografias do planeta, noutros estados e noutras civilizações, alguém como este poeta, ou um blogger, ou um qualquer cidadão que ouse manifestar uma opinião, pode ser condenado à morte, a uma prisão perpétua, a ser violentamente castigado pelo Estado é aterrador e aterrorizante.
Valorizemos sempre e em cada momento a liberdade, esse valor supremo que nunca poderemos encarar como certo, adquirido e ad eternum. Será sempre necessário relembrar a sua importância e estar atento às manifestações e acções que o possam coactar ou prejudicar. 

do escano e da soalheira (5)


A realização das várias tarefas agrícolas e domésticas, estão intimamente ligadas com o sagrado, na medida em que se acredita que o sucesso dessas realizações depende também da intervenção divina.
Um dia, uma mulher, depois de pôr o pão no forno, ritualmente, faz o sinal da cruz, na boca do forno e, para espanto de uma ajudante que ali se encontrava, diz as seguintes palavras:
– Tanto cresças tu, como as nalgas do meu cú! 
(Abril, 2007)

03 fevereiro 2016

mediascape: não sei se hei-de rir ou chorar


O jornal i noticia que José Rodrigues dos Santos foi considerado o melhor escritor português. Através de um questionário a 28 mil portugueses este senhor foi o eleito (repito) o melhor escritor português. Mas foi ele como poderia ter sido, desconfio eu, o Paulo Coelho, o Pedro Chagas Freitas, ou mesmo a Margarida Rebelo Pinto. Qualquer um destes expoentes máximos da medíocre literatura lusa e significantes da fraca exigência dos leitores nacionais. Salvem-nos da santa, eterna e lusa ignorância. Tantas e tantos bons escritores, tanta obra de qualidade superior em Portugal e em português. Sei lá, um Mário de Carvalho, um Lídia Jorge, um Gonçalo M. Tavares, uma Inês Pedrosa, um Afonso Cruz, ou até um Mia Couto ou um José Eduardo Agualusa. Tanta gente a escrever bem e com qualidade.
Já agora, por mera curiosidade, se me perguntassem, não teria qualquer dúvida ou hesitação em indicar o escritor José Rentes de Carvalho, como o melhor e maior escritor português da actualidade.
Com tais factos, fico preocupado com a sua mais que certa consagração futura, fico na expectativa assustadora de um dia vê-lo como candidato a candidato ao Nobel da Literatura. É bem menino para promover uma campanha dessas...

A fotografia ao alto, representa bem o ambiente da sua prosa, à pretensão literária, adiciona-se a pretensão adivinhatória, típica dos seres que habitam uma dimensão superior, plasmada na questão que serve de chamariz para a venda de um livro seu.

do escano e da soalheira (4)


No princípio do século XX existia no bairro da Trapa um homem que passava as noites na taberna. Quando saía já costumava estar bem bebido.
Uma noite, no tempo da ceva dos porcos, em vez de entrar na porta de casa, foi entrar na loja dos porcos e deitou-se ao lado de uma porca, que nessa altura, era alimentada, sobretudo, à base de castanhas. Pensando que estava ao lado da mulher exclama:
– Vira-te p’rá í ó Rosa, que te apesta o bafo!
(Abril, 2007)

02 fevereiro 2016

do escano e da soalheira (3)


Numa manhã, em que já tinha bebido umas boas cachaças, o Bouça, tal como fazia todos os dias, estava a mungir as suas cabras, mas não deu pela diferença e, em vez de apanhar uma cabra, agarrou um bode (chibo) e vai de lhe apertar violentamente os testículos, tal qual fazia com as tetas das cabras. O pobre do animal mais não podia berrar e o Bouça estranhando isso e o facto de não sair uma gota de leite diz:
– Berres que não berres, o litro hás-d’o botar! 
(Março, 2007)

01 fevereiro 2016

mediascape: da putice

Dias depois das últimas eleições legislativas, o governo PSD-CDS aumentou os salários de três dirigentes da Autoridade Nacional de Aviação Civil em cerca de 150%. Com retroactividade ao mês de Julho, o presidente da ANAC passou a auferir 16.075 euros por mês (em vez de 6.030), o vice-presidente 14.468 (em vez de 5.499) e uma vogal 12.860 (em vez de 5.141). Resta acrescentar o facto de estes aumentos terem sido mantidos até agora em segredo, não obstante a lei exigir a sua divulgação pública e o facto de ser a ANAC a responsável pela tarefa de apreciar (a decorrer) se o processo de privatização da TAP respeita, ou não, a legislação europeia. Mafiosas coincidências!

do escano e da soalheira (2)

O Luís Bouça era um pobre pastor (cabreiro), amigo da cachaça e muito convencido da sua esperteza. O Mâncio era um solteirão convencido da sua beleza e da cobiça de todas as mulheres. Certo dia, na taberna do Xenxo sai-se o Luís Bouça: 
– Pois olha... se eu tibesse a bonitura do Mâncio e ele a minha finura não habia homes p’ra nós dois!...
(Março, 2007)

mediascape: casta de intocáveis

Notícia desta manhã:
"Médicos reformados que voltarem ao SNS podem acumular pensão e salário" (Expresso online)

Algo vai mal no reino dos Algarves e arredores quando lemos uma notícia com este título. Mas se essa estranheza e uma certa dose de curiosidade nos fizer ler o seu texto ainda mais confusos ficamos, pois se por um lado são precisos médicos no SNS ao ponto de ter que repescar os médicos já reformados, por outro lado, diz-nos o bastonário da ordem dos médicos que “o número de novos médicos é muito alto, é o dobro dos reformados e, portanto, se prevê que no futuro um terço não tenha emprego”. Desculpem-me, mas não entendo este paradoxo. Se há muitos médicos novos, porquê é que não colocados no SNS? Porquê se deixa escapar para o estrangeiro esse capital humano? Algo de estranho se passa e tratando-se de médicos, essa casta rara e tão corporativismo, não devemos ter dúvidas que continuarão a impor a sua vontade e manterão a sua condição de privilegiados.

31 janeiro 2016

do escano e da soalheira (1)

Um certo dia, na operação diária de mungir as cabras, o Bouça diz para uma vizinha que também estava ocupada na mesma tarefa:
– Óh Senhora Antoninha, eu sou tão fino, tão fino, que se soubesse ler, até fazia contas sem cabeça! 
(Março, 2007)

nove anos, aqui e disto...

Começa a ser hábito esquecer-me de assinalar a efeméride. No passado dia 24 de Janeiro, este meu espaço completou nove anos de existência. São já muitos anos e muito tempo de dedicação, são já muitos textos e muitas pantominas, muitos momentos e muitos equívocos.
Sem poder fazer futurologia, manifesto desde já a intenção de o manter e de assinalar convenientemente o décimo aniversário em 2017. Sem poder e sem querer adiantar o que seja, alguma coisa há-de surgir. A ver vamos como decorre este próximo ano.

depois da tempestade


Deixei passar o sobressalto da morte do artista e consequente ávida procura da sua discografia, para agora, com calma e paciência, ouvir o seu derradeiro trabalho - black star. A primeira e segunda audição foram difíceis, pois o som é estranho aos ambientes de Bowie, mas à medida que se vai ouvindo começamos a perceber e a entranhar a música, chegando ao ponto de, afinal, reconhecermos muitos pormenores dos seus tão característicos ambientes. Bowie no seu melhor, ele que foi sempre bom. Vou continuar a ouvi-lo nos próximos dias.

29 janeiro 2016

a greve sem razão válida

Estamos a viver um dia de greve da função pública promovida pelos sindicatos associados à CGTP, cuja motivação é o regresso às 35 horas de horário semanal, mas na verdade esse é, quanto a mim, um dos males menores de toda a malfeitoria do governo PaF contra os trabalhadores do sector público. Tantas foram as medidas, os cortes e as taxas implementadas durante os últimos quatro anos, que me parece ridículo promoverem esta greve para exigirem o regresso imediato ao referido horário semanal (é preciso referir que o actual governo garantiu esse regresso para o mês de Julho...). Por outro lado, num momento político como o actual, parece-me muito perigoso promover esta greve, pois o governo socialista, apoiado também pelo PCP, está empenhado na apresentação do orçamento de estado de 2016 e tem à perna os condicionalismos burocráticos de Bruxelas e arredores, que a todo o custo querem combater as políticas já promovidas de inversão daquilo que foi realizado nos últimos anos. No fundo, este momento não é mais do que uma prova de vida para o partido comunista que, depois dos miseráveis resultados nas urnas, precisa de uma manifestação pública do seu poder. Estava nas mãos do PCP o cancelamento desta greve, não o fez, preferiu mantê-la, irá pagar o preço dela.

28 janeiro 2016

vergonha civilizacional

Outra notícia destes dias que nos envergonha a todos, pelo menos àqueles que partilham os valores da civilização ocidental, é a lei aprovada pelo parlamento dinamarquês que permite o confisco dos bens monetários e de valor dos refugiados que chegam às suas fronteiras. Uma vergonha para quem ainda tem na sua memória colectiva aquilo que os alemães, ali bem perto, fizeram com os judeus e com outras minorias. Esta crise dos refugiados apresenta-se como um problema que a Europa não está a conseguir resolver e razão terá António Guterres, ex-comissário para os refugiados, quando afirma que a não resolução desta crise poderá ser o fim da Europa, tal qual a conhecemos nas últimas décadas. Ainda assim, não deixa de ser vergonhoso, ver cada estado a tentar salvar o seu quintal, sem se preocupar com o dos vizinhos. Assim vai a Europa.

mediascape: cobarde submissão


A notícia já é de ontem ou mesmo do dia anterior, mas é digna de registo pelas piores razões. O estado italiano resolveu cobrir as estátuas de nus nos locais que seriam visitados pelo presidente iraniano. Inadmissível. Das duas, uma: ou se trata de uma submissão cultural, ou o estado italiano tem vergonha da sua história milenar. Inadmissível. Itália não tem que se preocupar com o embaraço de terceiros perante as manifestações culturais que fazem parte da sua história. Era o que mais faltava, até porque em situações análogas, o Irão ou qualquer outro estado dessa região não altera os seus hábitos e costumes, só porque um qualquer ocidental os visita, ainda que um chefe de estado. É uma vergonha para Itália e uma ofensa para a sua história este tipo de comportamento.

a quem interessar...

Eu vou lá estar.

25 janeiro 2016

I'm on my way

"não somos capazes de mudar"


Foi esta a confissão final de Jerónimo de Sousa, ontem, no rescaldo do péssimo e humilhante resultado que o candidato comunista, Edgar Silva, obteve. Mas o pior da sua intervenção, que acabou por se transformar na pior intervenção da noite, foi quando, paternalista, se referiu à candidata do Bloco de Esquerda, nos seguintes termos:
"Podíamos arranjar uma candidata mais engraçadinha e com um discurso ajeitadamente populista..."
Inadmissível este tratamento sexista e paternalista, principalmente vindo de um partido de esquerda e que se gaba de ser um defensor dos direitos das mulheres e da igualdade de género. Também não se percebe a indiferença da comunicação social perante tal afirmação. Fosse outro dirigente partidário a falar assim e seria um pé de vento. Não pode ser. Seria bom para todos que a atávica ortodoxia comunista pudesse mudar...

23 janeiro 2016

o neo pós-colonialismo lá da terrinha*

Eu até acho que já falei deste assunto aqui, mas como não me apetece ir à procura desse texto, nem sei quando foi que o escrevi, aqui vai:
Aqui há dias levaram-me a um restaurante cuja especialidade é o rodízio brasileiro, lá para os lados de S. João da Madeira. Era fim-de-semana e até música ao vivo tinha. O ambiente quente contrastava com o frio que se fazia sentir na rua e foi com algum prazer que nos pudemos aliviar dos trapos de Inverno.
Não recordo a última vez que entrei num restaurante destes, pois por iniciativa própria nunca os frequento. Eu sou daqueles que gosto de pagar para comer bem, que gosta de viajar para comer. Mas dos rodízios não, não gosto deles e vou explicar porquê.
Gosto de comer aquilo que me apetece, quando me apetece, mas nestes restaurantes são os empregados que determinam o que eu como e quando como. Não pode ser;
Gosto muito de algumas das carnes que estão incluídas no rodízio, mas detesto que me estejam, durante várias dezenas de minutos, a impingir legumes, frutas e mandioquices, como quem nos tenta encher o estômago, antes de trazerem as carnes que importam;
Não gosto de pagar tanto por tão pouco;
Mas acima de tudo, não gosto da filosofia que estrutura estes negócios, pois para além de não serem honestos, querem fazer-nos de parvos e idiotas, numa atitude sobranceira de chicos-espertos. Aliás, se repararmos, o desenvolvimento da própria refeição é, em si, uma manifestação dessa sobranceria cultural;
Incluo este negócio, vindo originalmente do Brasil, naquilo que são os discursos e as práticas pós-coloniais, que normalmente se traduzem numa inversão da supremacia cultural, económica e até social das comunidades anteriormente colonizadas. Actualmente, estaremos já numa fase posterior a essa inversão cultural e, numa lógica globalizadora, o equilíbrio cultural ter-se-á imposto com naturalidade, salvaguardando as identidades e suas diferenças. Estaremos assim numa fase de neo pós-colonialismo, onde cada comunidade exporta e importa aquilo que entende e gosta.


* aproveito a designação dada por um jornal brasileiro ao referir-se à super-modelo portuguesa Sara Sampaio, como sendo lá da "terrinha", ou seja, lá de Portugal. Ora aqui está mais um exemplo daquilo a que chamo de discurso neo pós-colonialista.

22 janeiro 2016

depois de tudo, depois dos nadas...

presidenciais 2016


Aproveitando o último dia da campanha eleitoral para a presidência da República, mesmo numa perspectiva de relativo afastamento ao processo, apesar de comprometido, não posso deixar de manifestar a minha opinião, em jeito de balanço, sobre aquilo que fui percebendo ao longo desta campanha eleitoral.
Tal como referi anteriormente nada tenho contra as iniciativas individuais de qualquer cidadão se candidatar à presidência da República, considero até que, em teoria, quantos mais candidatos houver, melhor será o debate e mais enriquecida sairá a nossa democracia republicana. Infelizmente não foi nada disso que aconteceu nesta campanha. Muito pelo contrário, não só o debate foi paupérrimo, como o nível dos candidatos mediu-se, regra geral, pela mediocridade, transformando um acto da maior importância para a nossa vida colectiva, em algo desprestigiante e caricaturável. Se não, vejamos:
a) ao nível do ridículo e da vergonha alheia:
Vitorino Silva ("Tino") - o seu ego do tamanho do mundo e a sua sede por notoriedade e reconhecimento, não lhe permitem conhecer o seu Complexo de Peter, ou seja, não lhe permite reconhecer as fortes limitações e como é baixo o seu tecto de competências. Pertencerá sempre ao burlesco nacional, conseguindo satisfazer o seu propósito de notoriedade ao aparecer nas TV's e nas revistas da especialidade. Qualquer coisa sirva para evitar o seu posto de trabalho e, com certeza, irá regressar, mais tarde ou mais cedo, num outro papel, num outro formato;
Jorge Sequeira - não se percebendo minimamente qual o seu propósito, este arauto da parafernália motivacional e das auto-ajudas metafísicas, nunca foi além das trocas e baldrocas semânticas, parecendo que o seu propósito era ter os seus 5, 10 ou mesmo 15 minutos de alguma notoriedade. O triste, nem isso conseguiu;
b) ao nível do populismo e da falta de vergonha:
Cândido Ferreira - o que terá motivado este senhor a candidatar-se a Presidente da República? É que projecto, ideias e políticas não apresentou nenhuma. Limitou-se a barafustar, reclamar e a dizer mal de toda a gente. Pelos vistos tem dinheiro, deve-lhe é faltar reconhecimento e prestígio, por isso, mal, veio aqui à procura dele;
Paulo Morais - na minha opinião, o mais triste dos candidatos, porque sempre tentando dar de si uma imagem de pessoa séria e rigorosa, nunca conseguiu transmitir uma ideia, um pensamento para o país, enredando-se exclusivamente na ladainha da corrupção, sem nunca apresentar um facto ou um nome concreto, acabou por se enquadrar ao nível dos ridículos desta campanha;
c) ao nível da intriga político-partidária:
Maria de Belém - como ficou bem explícito no caso das subvenções vitalícias, esta candidata sob a manta da seriedade e da experiência política, apresentou-se aos portugueses ao serviço da facção segurista e numa lógica de contra-poder interno no PS. Muitos dos que a apoiaram pertencem aos escorraçados da direcção socialista, protagonizada por António Costa. Demonstrou que não trazia uma única ideia para a campanha, que não tem qualquer carisma, nem capacidade agregadora. Prestou-se a uma figura muito triste e humilhante;
d) ao nível da fidelização do voto:
Edgar Silva - o candidato proposto e apoiado pelo PCP revelou-se uma aposta fraca e sem perfil para este papel de candidato à Presidência da República. O seu mérito político e a sua luta na região autónoma da Madeira, não foram suficientes para catalizar a sua mensagem no resto do país, para além da gente e das estruturas do PCP . Em teoria, esta fraqueza do candidato e do PCP seria uma vantagem para a candidata do BE. Veremos;
Marisa Matias - tenho para mim que tanto esta candidatura, como a de Edgar Silva só existiram porque surgiu a candidatura de Maria de Belém. Caso contrário, Sampaio da Nova seria o candidato dos vários partidas da esquerda. Para além de um ou dois equívocos e gafes, Marisa Matias fez uma boa campanha, percebeu e aproveitou-se das fragilidades de outras candidaturas, nomeadamente da de Edgar Silva e Maria de Belém. É, por mera aritmética partidária a minha candidata;
e) ao nível da disputa final:
Marcelo Rebelo de Sousa - passeou a sua "beleza" pelo país, quase sozinho, sem máquina partidária e sem espalhafato. Muito pragmático, percebeu há muito que o modelo tradicional de campanhas eleitorais em Portugal estava esgotado. Passou os dias e os momentos a beber, a comer, a brindar e a conversar com as pessoas. Foram os quinze dias da sua consagração. Campanha fê-la durante todos os anos que esteve nas televisões, sem contraditório, a educar e mentalizar os portugueses;
Sampaio da Nóvoa - desde o primeiro momento o meu candidato. De ilustre desconhecido, passou a única alternativa à candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa. Sem o apoio de qualquer partido (se excluirmos o moribundo LIVRE), e apesar de lhe terem sido garantidos apoios do PS, fez o percurso e chegou ao fim sem esse apoio. Bem organizada e estruturada e agregadora, esta candidatura foi crescendo e juntando cada vez mais apoios. Teria sido o meu candidato, caso Maria de Belém não tivesse aparecido. Assim, sê-lo-á na segunda volta.

Acima de tudo, importante é que todos e todas as portuguesas vão votar no próximo Domingo. Essa será sempre a melhor resposta a dar ao desencanto que se pressente na sociedade portuguesa. Até lá.

odioso e sem populismo

Mesmo consciente de todos os aproveitamentos partidários e políticos que a decisão do Tribunal Constitucional sobre as subvenções vitalícias proporcionou, considero uma cobardia aquilo que os referidos deputados fizeram. Não estará em causa a justiça ou legalidade da medida e desta decisão do TC, para mim o mais importante é o próprio procedimento, numa época em que a todos os portugueses foi exigido sacrifício e empobrecimento, estes deputados, quais casta superior, privilegiados, não quer, não aceita ser sacrificada tal como os demais portugueses. Relembro que este procedimento de fiscalização é um poder vedado ao comum dos portugueses e entregue aos seus representantes na Assembleia da República. Para mim o odioso (sem populismo ou demagogia) é esse, pois os mesmos ilustres deputados não se lembraram de pedir ao TC a fiscalização de todos os cortes de rendimentos e pensões que os portugueses sofreram nos últimos anos.
Maria de Belém foi apanhada no meio desta tempestade. Propositadamente ou não, não sei, a verdade é que acabou por ser reveladora do seu carácter e, acima de tudo, do seu pathos. As consequências na sua candidatura só podiam ser estas, e ainda bem, fez-se justiça, pois a sua razão de existir era, única e exclusivamente, o rancor intestino e a sede de vingança dos espoliados seguristas. Toda a gente percebeu isso e a candidata termina a campanha a falar sozinha.

20 janeiro 2016

baú da memória XII

A propósito da quantidade de informação e dados que vamos armazenando nos gadgets à nossa disposição, naquilo que são contactos, notas, agendas, etc., lembrei-me do meu velhinho filofax que, à época (década de noventa), era uma das ferramentas mais bem estruturadas e úteis que podíamos ter. Com o advento das novas tecnologias e consequente desmaterialização da informação, a grande maioria das pessoas abandonou o sistema analógico dos filofax's e similares e adoptou com facilidade as novas ferramentas que essa tecnologia digital possibilitava. Eu não fiz diferente e passei a usar o telemóvel, o portátil e o Ipad como agenda, como lista de contactos e como bloco de notas, sincronizando (essa maravilhosa capacidade) toda a informação entre os diferentes aparelhos que possuo, acrescentando às informações alarmes, lembretes e recados sonoros. Apesar disto, continuo a sentir a necessidade de transportar sempre comigo um pequeno bloco de notas, onde posso assentar e escrever aquilo que, a qualquer momento, necessite. Já não uso o filofax, que sei perdido algures por aqui em casa, mas mantenho o gosto de escrever as notas, contactos e compromissos em agendas de papel.
O meu filofax, que não consegui encontrar, foi comprado naquele tempo em que a marca surgiu com grande fulgor e adesão por parte dos portugueses. Era azul e dos mais simples e baratos, mas permitia-me transportar nele quase toda a minha documentação pessoal, cheques e demais documentos.
A esta distância parecerá obsoleto e calhau, mas eu gostava mesmo de o usar.


Adenda: ao reler aquilo que acima escrevi, apercebi-me que faltou referência à questão importantíssima e ainda actual da fiabilidade e perenidade das ferramentas, ou seja, dura mais tempo a informação escrita numa folha de papel, ou aquela que desmaterializamos num qualquer disco digital? É uma questão pertinente, pois o papel já deu provas de longuíssima durabilidade, o digital ainda está para provar a sua perenidade, mas pelos exemplos que conheço, a verdade é que os suportes digitais são muito falíveis...

15 janeiro 2016

mimetismo

Conversa com o meu filho, no carro, a caminho de casa:
- Pai, a mana está doente?
- Sim, está mal da barriga.
- Pai, a mim também me está a doer a barriga.
- Queres ir à casa-de-banho?
- Não. Estou com o período...

11 janeiro 2016

David Bowie (RIP)

Acordei com a triste notícia da sua morte. O genial e versátil Bowie não resistiu a um cancro aos 69 anos. Morte precoce. Lamento muito. Desde muito novo comecei a ouvir a sua música, a sua voz inconfundível e, desde então, passou a fazer parte da minha shortlist de música para todos e qualquer momento e que, sei, vai-me acompanhar até ao fim. Neste momento triste e de reflexão sobre a sua obra, não consigo eleger uma música ou um álbum para o elogiar, pois são tantos os momentos de pura genialidade musical. Estou desde o início da manhã a ouvir a sua música e vou passar o dia a ouvi-la. Aliás, essa será a melhor forma de o celebrar, de o recordar. Dia triste para todos nós.

09 janeiro 2016

globalization and stupidification

Abriu recentemente a primeira loja na região do Porto, no El Corte Ingles de Vila Nova de Gaia, a marca americana Starbucks, que pelos vistos é a loucura para os mais jovens. Tal como seria de esperar, a jovem que temos cá em casa não se calou enquanto não foi experimentar as famosas bebidas quentes, servidas em copos plásticos ou de papel.
Foi hoje o dia em que em família lá fomos conhecer e experimentar os exóticos e fabulosos líquidos. Para além de um espaço exíguo e com poucos lugares sentados, um serviço impessoal e confuso, a pastelaria, apesar de muito colorida e apelativa, mais parecia plástica. As bebidas, tal como eu suspeitava e, agora, pude confirmar, não valem nada. O café é uma água tingida, mais parecido com uma cevada manhosa escaldante e servido num copo enorme e as restantes bebidas eram igualmente fracas e com nomes esquisitos que eu não recordo. Para além de tudo isto, foi uma visita interessante, pois as elevadas expectativas que a jovem levava, transformaram-se rapidamente em relativa desilusão.
Impressionante como qualquer porcaria que venha com o carimbo EUA e cujo prestígio assente na indústria televisiva e/ou cinematográfica, é facilmente exportável, e depois recebido e adoptado pelo resto do mundo, sem resistências ou estranhamento, num processo de globalização e de autêntica alienação, eu diria de estupidificação!


05 janeiro 2016

"Portugal é um pais de escritores ricos"

Não tenho por hábito transcrever para aqui textos escritos e publicados por outras pessoas, mas de tão interessante e tão verdadeira a opinião da autora, achei por bem transcrevê-lo na íntegra. Os negritos são meus, dando destaque às ideias, para mim, centrais neste contexto.

Portugal é um país de escritores ricos
por Alexandra Lucas Coelho, in Público (3/1/16)

1. Há quase 20 anos um poema de Nuno Moura dizia Portugal é um país de poetas ricos. Hoje podemos dizer mais, Portugal é um país de escritores ricos. Ao contrário dos alemães, que não têm onde cair mortos e são pagos sempre que vão fazer uma leitura para poderem continuar a escrever, ou dos pelintras dos ingleses, que em 2015 bateram o recorde de candidaturas a subsídios de escrita, os portugueses são tão ricos que não precisam de dinheiro para pesquisar um livro, nem para viver enquanto o escrevem. Entretanto, dão o seu tempo a câmaras, bibliotecas, festivais, centros e demais instituições cada vez mais envolvidas na promoção da literatura. Em suma, se os escritores portugueses já não precisavam de dinheiro, em 2016 também já não precisam de tempo. Superaram a fase da criação, estão em pleno criacionismo: o livro é um PDF de Deus, vem já revisto e tudo.
2. Eis a ficção que tende a enredar estes abastados imortais que cada vez mais não escrevem a futura literatura portuguesa. Há dois motivos para falar deles agora: primeiro, Portugal voltou a ter Ministério da Cultura, e se o actual Governo fez disso bandeira há que cobrá-la na prática, ver como lidará com a falta de meios e equipas exauridas; segundo, nunca em Portugal tantas câmaras, bibliotecas e instituições com orçamentos se envolveram tanto na promoção da literatura. O Ministério da Cultura pode, por exemplo, retomar de alguma forma as bolsas de criação literária. Câmaras, bibliotecas e instituições com orçamento podem apoiar a criação. E esses apoios devem coexistir com meios novos na Internet, porque não asseguram o mesmo, como explicarei adiante.
3. Começando pelas bolsas. Entre 1997 e 2002, o Ministério da Cultura atribuiu 12 bolsas anuais (poesia, narrativa, banda desenhada, dramaturgia) de 250 contos por mês (o equivalente hoje a 1250 euros, quando os preços eram bem mais baixos). Os júris variavam com os anos, e entre os contemplados contaram-se Al Berto, Armando Silva Carvalho, Maria Velho da Costa, Mário de Carvalho, Luísa Costa Gomes ou Almeida Faria; então desconhecidos como Gonçalo M. Tavares e Dulce Maria Cardoso; ou ainda Pedro Rosa Mendes, Mafalda Ivo Cruz, José Luís Peixoto, Paulo José Miranda, Adília Lopes, Nuno Moura, Rita Taborda Duarte, Carlos Luís Bessa, Filipe Abranches, José Carlos Fernandes, Inês Pedrosa. Quando as bolsas foram suspensas, era já possível contar uma grande maioria de projectos publicados nos três primeiros anos. Para dar ideia da diversidade de opiniões na altura, Inês Pedrosa propôs separar o concurso de estreantes e já publicados, Francisco José Viegas era contra bolsas para primeiras obras, Maria Velho da Costa privilegiava primeiras obras, e Vasco Graça Moura opunha-se a qualquer apoio estatal directo. Chegou a ser feito um novo regulamento em que primeiras obras não podiam concorrer e os escritores tinham de cumprir o prazo, senão devolviam o dinheiro, mas não avançou. De resto, o investimento do Ministério da Cultura na literatura foi diminuindo, mantendo-se só o apoio a alguns prémios e à tradução, com as ajudas à internacionalização a assentarem no Instituto Camões (Ministério dos Negócios Estrangeiros).
4. Entretanto, câmaras, bibliotecas e demais instituições multiplicaram iniciativas em que convidam escritores. Por vezes são festivais, por vezes programas ou séries, funcionários, moderadores, entrevistadores ou outros artistas recebem, mas não quem escreve. Presume-se sempre que o escritor está a divulgar os livros e a ganhar pela venda, mesmo quando lhe pedem que fale sobre outro tema, mesmo quando aparece meia dúzia de pessoas e ele não vende nada (e, quando vende, ganha dez por cento). O escritor é, assim, o pretexto de iniciativas que alimentam programações com assalariados e colaboradores, sendo ele o único a deslocar-se para dar o seu tempo e pensamento, quando não textos. Tudo a bem da literatura, mas certamente para mal da literatura que entretanto não está a ser escrita, e dizer isto não menospreza o contacto com os leitores. Para quem o faz com prazer ou por convicção, esse contacto é tão parte do trabalho como dar entrevistas, muitas vezes até um encorajamento ou reajuste. Mas não só o escritor tem o direito, por natureza ou convicção, de apenas escrever, como o prazer e convicção de quem divulga o que escreve não devem ser explorados até ao absurdo de inviabilizar a escrita. Todas estas iniciativas, sempre apertadas de orçamento, têm de buscar alternativas para remunerar o escritor. E as instituições que as programam poderiam pensar em residências, workshops, comunidades de leitores, subsídios, tudo ajudas à criação, através de trabalho pago, de tempo e espaço, ou simplesmente de dinheiro. Uma ressalva: festivais remunerados podem beneficiar leitores e indirectamente a criação, mas os escritores não são malabaristas do sinal vermelho. O escritor escreve; os convites para falar devem partir do seu trabalho; e só ele pode decidir falar de replicantes ou do exílio de Cavaco Silva.
5. Escrever um livro leva meses, anos. Há quem tenha, de facto, livros na cabeça mas entre sustentar casa, filhos e trabalhar no que paga tudo isso, acabe por nunca os escrever (sobretudo mulheres, não tenho espaço agora, mas é todo um tema). E mesmo que roube um par de horas à madrugada não fará esses livros se eles precisarem de pesquisas longas, bibliografia, viagens. Escrever um romance pode custar milhares de euros, e a esmagadora maioria dos escritores portugueses não tem adiantamentos (não sou adepta, mas há quem os ache úteis). Isso também determina a amplitude de livros que uma literatura tem, ou não. No cinema, há apoios para a escrita de argumento, na academia há bolsas para teses, mas em Portugal não há um único fundo regular, sem limite de idade ou âmbito, para escrita de poesia, romance, não-ficção literária, dramaturgia, banda desenhada.
6. Hoje existem meios como a Unbound ou a Kickstarter, plataformas de crowdfunding para criação ou edições que os leitores viabilizam. Um crowdfunding viabilizou o trabalho fotográfico do Condor, de João Pina, em vários países da América Latina (não a edição). Estes e outros meios permitirão não apenas livros clássicos como formas novas. Mas nada disto, acredito, exclui a necessidade de apoios institucionais à criação. No Reino Unido, onde as plataformas online são vibrantes (pagando livros e revistas como The White Review, que por sua vez dá trabalho a escritores e organiza encontros), a Sociedade de Autores gasta por ano 100 mil libras em fundos para escrita, mais bolsas de 2000 libras para sócios, e no ano passado bateu o seu recorde de pedidos, incluindo escritores estabelecidos. Ou seja, sim, há cada vez mais meios para viabilizar livros, mas os autores, mesmo com obra, ganham cada vez menos. Para além disso, o apelo junto dos leitores, à partida, não pode ser critério único para um livro existir. É bom que leitores viabilizem livros, mas também será bom que livros que não sabiam o que iam ser, que não eram sequer “projectos”, muito menos “apelativos”, possam existir, porque houve tempo para o escritor chegar a eles, e isso, sim, será a riqueza de uma cultura. O que quem está no Governo, nas câmaras e por aí fora tem de pensar, creio, é se quer ter ainda algum papel nisso, o fortalecimento de um país pela criação.

(copiado daqui...)

03 janeiro 2016

a quem interessar...

mediascape: candidatos presidenciais em debate

Apesar de nada ter contra o facto de haver muitos candidatos à Presidência da República, aceito as reservas de alguns comentadores quanto ao facto de ser muito difícil reunir sete mil e quinhentas assinaturas válidas para legalizar uma candidatura destas. De facto, mesmo para os aparelhos partidários não é tarefa fácil, quanto mais para um simples cidadão. Terá o Tribunal Constitucional verificado correctamente todos os processos concorrentes antes de os validar? É a questão que persiste.
Por outro lado, aquilo que assistimos ontem é por demais deprimente. Nada contra debates entre candidatos, mas assim não. Ninguém vai ver, ninguém tem paciência para isso. A consequência será óbvia, abstenção. Houve mesmo um candidato à Presidência da República que no seu primeiro debate, quando lhe deram a palavra, teve que ler um papel para dizer que não concorda com o formato dos mesmos e com a diferenciação dada pela comunicação social aos diferentes candidatos e que, por isso, se iria retirar do debate. Coitado, pensou que estaria a chamar para si todos os holofotes, mas não, apenas teve direito aos seus escassos minutos de fama e regressou à sua insignificância.
Assim, estamos a contribuir para o descrédito das instituições nacionais, do sistema e da própria república. Deveria haver mais cuidado com a selecção dos candidatos e depois sim, dar-lhes iguais condições e oportunidades.

novo ano, jornal novo

Com o regresso à Invicta, depois de uns dias no remanso da aldeia, dou com um novo jornal Público, pelo menos ao Domingo e pelo que já pude ler e ver, esta mudança não é muito feliz. Passo a justificar. Sou seu leitor desde os primeiros tempos de vida do jornal, algures no início da década de noventa do século passado. Época coincidente com as minhas primeiras preocupações com a realidade e actualidade, que me levavam a comprar, ainda que por motivações distintas, o Público e o Independente. Durante todos estes anos, o jornal evoluiu, actualizou a sua linha gráfica, os seus colaboradores, o seu projecto editorial, a sua imagem e eu, umas vezes mais, outras vezes menos agradado, mantive-me fiel e quase diariamente seu leitor. Agradou-me em particular, a não adopção do novo acordo ortográfico. Até mesmo quando surgiram as novas plataformas de leitura e formatos de jornal, mantive-me leitor do Público. Contudo, nos últimos meses tenho vindo a notar e a sentir uma tendência editorial que não me agrada mesmo nada. A escolha declarada pelo apoio à PaF, a desqualificação das oposições e a falta crescente de contraditório, somadas às edições que, por vezes, são autênticos vazios, autênticos nadas de informação e, agora, esta nova roupagem ao Domingo, levam-me a por em questão a sua manutenção como "o meu jornal diário". Em Editorial, é-nos dito que "foi pensado como uma edição para ler sem pressa, centrada na escolha de temas importantes da actualidade e no seu aprofundamento. (...) Deixamos hoje de publicar a Revista 2. não é sem mágoa que o fazemos, mas o jornalismo pensado para ler devagar passa a dominar agora todo o jornal."
Pois bem, façamos a recensão desses temas importantes da actualidade
a) Capa com grande destaque para a fotografia do candidato Marcelo Rebelo de Sousa;
b) Sete páginas dedicadas a uma entrevista a Marcelo Rebelo de Sousa (2 a 8);
c) Seguidas de duas páginas em que se questiona as duas candidaturas femininas, só por serem mulheres e por putativas alterações do paradigma?!? (10 e 11);
d) Uma peça de duas páginas sobre as utopias e seus lugares comuns, apresentadas graficamente como se houvesse alguma novidade ou nova perspectiva para o futuro (12 e 13);
e) Depois, quatro páginas de guerra, Daesh, Hollande e afins (14 a 19);
f) Notícias do mundo, duas: Maduro na Venezuela e Execuções na Arábia Saudita;
g) Reportagens sobre sobrevivência de negócios do tempo de antanho e sobre ser africano em Cabo Verde (?!?) (24 a 28 e 32 a 39);
h) Peça sobre os primórdios da fotografia, com destaque para Julia Margaret Cameron e outras pioneiras da fotografia (40 a 42);
i) Caderno de desporto com seis páginas (futebol nacional e europeu e Paris Dakar (53 a 58);
j) Apresentada como novidade desta nova edição, a secção Curtas contempla sete "notícias" 

Gostei da peça sobre a loja de cidadão que vai de aldeia em aldeia (44 e 45) e do artigo da Alexandra Lucas Coelho (43). Sobreviveram (ainda bem) alguns comentadores e algumas rubricas: Miguel Esteves Cardoso, Jorge Almeida Fernandes, Alexandra Lucas Coelho, Vasco Pulido Valente, Frei Bento Domingos e Teresa de Sousa mantém o seu espaço;
A verdade é que também não tenho grandes e boas alternativas, pois toda a imprensa diária está pautada pela fraca qualidade. Talvez o Diário de Notícias seja aquele que se apresenta como a melhor entre as más opções possíveis. Estou disponível, ainda assim, para dar mais dois ou três Domingos de tolerância ao Público. Veremos.

estado da saúde

Não é que fosse uma novidade para mim, ou para todos nós portugueses, mas quando nos acontece a nós ou a alguém próximo ou familiar, sentimos a questão com outro vigor. Também é só um caso, mais um caso entre tantos outros, que se repetem aqui e ali, em toda a parte, mas que não deveriam acontecer. Eis o caso:
Noite de passagem de ano numa aldeia de Trás-os-Montes, senhora de 86 anos, levanta-se da cama para urinar, escorrega e cai desamparada sobre uma perna. Com fortes dores, levanta-se e arrasta-se para a cama, onde fica sem dizer nada aos familiares até de manhã. A filha quando se apercebe leva-a imediatamente, e em carro próprio, à urgência do hospital distrital de Bragança, onde chegam por volta das 11 horas do dia 1 de Janeiro. Depois da triagem é vista por uma médica de clínica geral que pede um raio X à perna da senhora. Depois do raio X, mandam-na para a sala de espera da urgência onde, sentada numa cadeira de rodas, espera até às 16 horas pelo resultado dessa radiografia. Volta à presença da médica que lhe diz que não há qualquer lesão grave ou fractura, receita-lhe alguns analgésicos para as dores e manda-a para casa. Mesmo tomando esses comprimidos a noite seguinte foi passada entre gemidos e mal-estar, não estando bem em qualquer posição. Na manhã seguinte e porque as dores aumentavam cada vez mais, a filha resolve regressar ao hospital com a mãe. Nova consulta, novo médico, nova visualização da radiografia, novo exame (TAC) e o diagnóstico: fractura total do osso, internamento e nova espera pelo especialista que a irá operar, pois nos feriados e fins-de-semana não está no hospital.
Este é o estado em que está a saúde pública em Portugal. A racionalidade e a excelência do anterior ministro da saúde deu nisto, ou seja, na desqualificação, no esvaziamento dos serviços, no encerramento de valências nos hospitais. A vergonha de ter o poder de deixar morrer doentes e utentes dentro dos próprios hospitais por falta de assistência. É por todos estes casos e exemplos que acredito cada vez mais que o SNS é um dos elementos centrais e prioritários para as políticas públicas nacionais. Esperemos que com os novos protagonistas no sector e, principalmente, com as novas políticas, o Serviço Nacional de Saúde reganhe qualidade, proximidade e esteja ao serviço efectivo e eficaz de todos os portugueses.

na volta do correio

No final do mês de Abril enviei ao Papa Francisco um exemplar do livro que escrevi sobre a vida de D. Manuel António Pires, acompanhado de uma pequena carta onde manifestei alguns sentimentos relativos ao processo de investigação que desenvolvi nesse projecto. Agora, passados cerca de oito meses, recebi uma cordial missiva em resposta a essa carta e oferta. Esta carta chegou-me no dia 22 de Dezembro de 2015, via Nunciatura Apostólica de Lisboa, vem assinada por um assessor da Secretaria de Estado do Vaticano e trazia apensa uma fotografia do Papa Francisco. Chamou-me a atenção o meu pai para a benção apostólica que a carta contém. Fica o registo.