01 janeiro 2019

primeiro de Janeiro

Novo ano, vida nova, costumam dizer. Não sei, tenho dúvidas quanto a essa "novidade", mas aquilo que acontece logo neste primeiro dia do novo ano, não pode deixar de me preocupar e de me alertar os sentidos. A vida nova do Brasil começa hoje com a tomada de posse de Bolsonaro. Um mau presságio para o resto do ano e dos tempos que hão-de vir.
Também por isto, a palavra escolhida como lema para 2019 é a mais adequada: resistência. Há que resistir, temos e vamos resistir. Bom ano.

31 dezembro 2018

últimas horas, dias, de 2018

Aproveitando o frio da capital transmontana, mantenho-me refugiado e embrulhado em mantas e cobertores, ou melhor, agora são ederdons quem nos mantém a temperatura e aquece a estrutura. Para além do estado semi-dormente que esse aconchego propicia, vou aproveitando os intervalos lúcidos para ler. São vários os livros que se acumularam nos últimos meses e estão em fila de espera para meu prazer e sabedoria.
Hoje, último dia de 2018, por volta das seis da manhã iniciei a leitura desta obra, obrigatória para qualquer cidadão deste mundo, e que por estúpida omissão e gritante ignorância, ainda não li. Aliás, não conheço de todo a obra de André Malraux. Aí está uma das provas da minha enorme ignorância. Ainda assim, vou tentando recuperar e melhorar essa minha condição.
Bom ano de 2019 para toda a gente.

28 dezembro 2018

um escritor feliz

Porque escreve afinal?
Porque amo estar o dia inteiro fechado em casa a escrever; porque o cheiro do papel e da tinta é um vício; e porque acredito na imortalidade das bibliotecas.
É, então, um escritor realizado?
Sim, sou um escritor feliz.
E o que é a felicidade?
Uma vida com sentido. Tudo o que aconteceu comigo foi porque escrevi. A minha única religião é a Literatura.
(Orhan Pamuk, na FIL de Guadalajara, 2018)

a igualdade

Boaventura Sousa Santos (esse mal amado pela lusa pátria das ciências e afins...), no Jornal de Letras (nº 1258), escreve sobre o desafio que lhe propuseram para a sua participação no 1º Fórum Mundial do Pensamento Crítico, que se realizou em Buenos Aires, no passado mês de Novembro. O repto era: explicar a igualdade aos 1% mais ricos do mundo.
Daquilo que escreveu, saliento e transcrevo as seguintes ideias:

No século XXI, e depois de todas as vitórias dos movimentos feministas e antirracistas, seria mais correcto explicar não a igualdade mas a diferença. A igualdade não existe sem ausência de discriminação, ou seja, sem o reconhecimento de diferenças, sem hierarquias entre elas.
(...)
Temos o direito a ser iguais quando a diferença nos inferioriza e o direito a ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza.
(...)
A filosofia eurocêntrica - e as epistemologias do Norte que dela nasceram e deram origem à ciência moderna - assenta na contradição de defender em abstrato a igualdade universal e ao mesmo tempo justificar que parte da humanidade não é plenamente humana e não é, por isso, abrangida pelo conceito de igualdade universal, seja ela constituída por escravos, mulheres, povos indígenas, povos afrodescendentes, trabalhadores sem direitos, castas inferiores.
(...)
Uma metáfora menos chocante será a de pensar que a ajuda ao desenvolvimento ajuda de facto os países a desenvolver-se. Ao contrário do que promete, ela contribui não para desenvolver os países mas para os manter subdesenvolvidos e dependentes dos mais desenvolvidos.
(...)
As epistemologias do Sul que tenho vindo a defender partem dos conhecimentos nascidos nas lutas daqueles e daquelas que viveram e vivem a desigualdade e a discriminação, e resistem contra elas. Estes conhecimentos permitem tratar a igualdade como denúncia das desigualdades que oculta ou considera irrelevantes para a contradizerem. Permitem também tratá-la como instrumento de luta contra a desigualdade e a discriminação. Apenas para dar um exemplo: as epistemologias do Sul permitem reconceptualizar o capital financeiro global, o verdadeiro motor da extrema desigualdade entre pobres e ricos e entre países ricos e países pobres, como uma nova forma de crime organizado.
(...)
À luz das epistemologias do Sul, os crimes cometidos pelo capital financeiro global serão uns dos principais crimes de lesa-humanidade do futuro. Junto com eles e articulados com eles estarão os crimes ambientais.

27 dezembro 2018

eu vou lá estar

26 dezembro 2018

o tédio

Ausente da blogosfera e da actualidade global, local e até pessoal, no último par de meses, aproveito agora o ritmo mais vagaroso das horas para espreitar e, retroactivamente, ler aquilo que fui deixando escapar. Num desses lugares, bem frequentado e com excelente memória, encontrei este excerto que aqui transcrevo e descontextualizo do seu ambiente natural. Parece-me bem, bem demais.

Temos hoje horror ao tédio. A nossa atenção e sentidos são permanentemente convocados, estimulados e titilados por um vendaval ininterrupto de notícias divertidas, vídeos engraçadinhos e outros excitantes palermas. Tudo é programado ao milímetro e ao segundo para impedir o ennui e para eliminar os pensamentos melancólicos do nosso espírito, cada vez mais infantilizado. A principal função do polegar oponível do Sapiens consiste agora em deslizar imagens patetas no ecrã de um smartphone. Nas praias e nos cafés, nos jardins ou nas ruas, tudo agarrado ao telemóvel. A toda a hora, de dia e ou de noite, levamos connosco uma Coney Island de bolso, muito portátil. Com isso evacua-se o tédio, decerto, mas perde-se também o seu enorme valor cultural e civilizacional. Sem falar no "ócio criativo", outrora muito apreciado nas melhores universidades inglesas, eram as tardes lânguidas da puberdade que levavam os adolescentes a ler. A ler horas a fio, sob o incentivo do tédio e da circunstância singela, mas decisiva, de não haver nada para fazer, absolutamente nada. Devoravam-se obras quilométricas, intermináveis mas fundamentais, que hoje amarelecem nas prateleiras, esmagadas pelo pó da ignorância e pela sujidade da desmemória. Para um teenager, entre a gratificação imediata de um like e a lenta e densa trama de Guerra e Paz a escolha é óbvia, irrecusável. Sem tédio, perdendo-se a capacidade de lidar com o tédio, é impossível aprender uma língua morta, estudar com afinco o latim ou o grego antigo, repetir à náusea os exercícios de violino ou harpa, gastar os dias a contemplar as nuvens do céu ou as avezinhas dos bosques. Não é por acaso que a Inglaterra, cinzenta e húmida, sempre foi grande terra de birdwatchers.
Matámos o tédio, muito bem, paz à sua alma. Mas, com essa morte, matámos também o que restava da nossa cultura humanista, baseada no livro e na leitura, na música dos planetas, no espanto da Natureza. Duvidam? Uma em cada cinco das livrarias registadas no Ministério da Cultura já não existe. Das restantes, apenas um terço reúne os requisitos para ser considerada livraria; e 40% dos livros ali expostos acabarão por ser devolvidos às editoras, por falta de compradores. Depois do tédio, as trevas. 

António Araújo, in "Entre as brumas da memória", dia 26/12/2018.

12 novembro 2018

mediascape: porque não?

A história noticiada há dias é simples de contar. Um holandês de 69 anos sente-se discriminado pela idade que tem, vai daí inicia batalha jurídica para que o tribunal, logo o Estado, lhe retire vinte anos à sua idade. Diz ele que se podemos mudar de nome e até de género, porque não mudar a idade. Aqui está mais um exemplo da estupidez humana, ou então, aqui está um exemplo de como um indivíduo ridiculariza a sociedade, brincando com as suas instituições. Confesso que, tendo que escolher, preferiria a segunda opção e que isto não fosse mais do que o reflexo do tédio acumulado deste, pelos vistos, ilustre cidadão holandês.
Vivemos, de facto, tempos magníficos que, com toda a minha certeza, irão um dia ser estudados e, depois, ajuizados como tempos de completa alienação social, de estupidificação crónica e sistémica.
Este caso relembra-me aqueles, normalmente figuras publicadas, que, tendo chegado já a uma determinada idade, teimam em afirmar-se eternamente jovens, ("de espírito" ou "de mentalidade" dizem eles), apesar da carcaça já meia apodrecida. Está bem, está. Não entendo a resistência ao envelhecimento. Percebo que custe ter consciência de que o fim se aproxima e de que a imagem devolvida pelo espelho não reflicta a ideia que temos de nós mesmos, mas é assim para todos e de nada serve a negação, a não ser para diferentes e variados graus de ridicularização.

09 novembro 2018

concordo, mas...


Eu também considero que os maus tratos a animais não é uma questão de gosto, mas sim um indicador civilizacional que nos localiza enquanto sociedade. Como tal, também me custa saber que há em Portugal uma "tradição" tauromática que ainda congrega muitos(as) portugueses(as), que consideram aceitável - para alguns, defensável até - o ritual de morte lenta dos toiros em arenas para gáudio das "multidões".
Percebo também as reacções, mais ou menos, efusivas e espalhafatosas do lobby pró-toiradas, que conscientes do seu extermínio, vão vociferando contra tudo e contra todos, não se apercebendo que são uma espécie em vias de extinção e que o tempo não lhes é favorável. Veja-se o triste papel a que Manuel Alegre se sujeitou ao escrever aquela carta aberta a António Costa, implorando ao primeiro-ministro que não se deixe influenciar por minorias da sociedade que são contra a caça e as touradas. Mais triste ainda é ele, tão formado e informado, não se aperceber que "minoria" é já quem "caça" e quem "toureia".
Com isto também quero dizer que, apesar da opinião contrária que tenho sobre as duas matérias (caça e tourada), não me parece producente extinguir por decreto tais actividades. Legislar, educar novas gerações para a sua restrição, parece-me muito mais aconselhável e, tal como já está dito, o tempo encarregar-se-á de extinguir tais práticas, pelo menos, nos formatos e espaços em que ainda hoje acontecem.
Mas sim, concordo com a Ministra da Cultura.

01 novembro 2018

a decadência

A História também tem qualquer coisa de imponderável. As grandes civilizações perfeitas caíram sozinhas. O Ocidente, provavelmente, também cairá. Até pelo excesso. Comparo muito o nosso tempo a um momento de decadência. Atingimos o cume do que era possível atingir, do bem-estar social, das liberdades, dos direitos, da defesa da saúde. Chegámos provavelmente o mais perto da perfeição que era possível. Mas tornámo-nos numa sociedade de abundância, do desperdício, da falta de cuidado. A partir daí, só se pode descer.
(...)
Estamos a descer, como os romanos desceram. A vomitar para comer mais. As pessoas comem, comem e depois vão para os ginásios correr em máquinas, quando podiam andar no chão. Falta capacidade de inovação, o que é visível até nas pulsões retro da moda, em coisas que me parecem obscenas, como vestir calças esfarrapadas. A abundância estraga o indivíduo, hipervaloriza-o e desequilibra-o. É um desarranjo da forma de viver, o que é muito perigoso. Vivemos num tempo de muitos perigos e ameaças.
(Hélia Correia, in Jornal de Letras)

25 outubro 2018

mediascape:assumpção

"Nestas eleições, eu não votaria no Brasil."
Assunção Cristas, líder do CDS-PP, na Rádio Renascença.

Para memória futura. E, acima de tudo, como testemunho de como se assumem posições políticas claras e inequívocas no que diz respeito ao que se deseja para a sociedade...

19 outubro 2018

granta

Chegou ontem, na volta do carteiro, o número dois da Granta em língua portuguesa, a última edição coordenada por Carlos Vaz Marques e cujo tema é: Deus/es. Vamos ler.

mediascape:aberração

É preciso falar de educação de forma concreta. A educação é quando a avozinha ou o avozinho vai lá a casa e a criança é obrigada a dar o beijinho à avozinha ou ao avozinho. Isto é educação, estamos a educar para a violência sobre o corpo do outro e da outra desde crianças. Obrigar alguém a ter um gesto físico de intimidade com outra pessoa como obrigação coerciva é uma pequena pedagogia que depois cresce.

Esta foi a frase proferida por Daniel Cardoso no programa Prós e Contras, do passado dia 15 de Outubro e que veio incendiar os media e, principalmente, as redes sociais. Não vi em directo esse programa que se dedicava, em especial, ao movimento me too, e só muito depois me apercebi do que acontecera e, em particular a esta peculiar afirmação.
Eu aceito todas as teorias científicas, toda a evolução do discurso científico e a possibilidade da diversidade exploratória e/ou hipotética das noções, dos constructos e dos conceitos que almejam a teoria, o princípio ou regra geral em ciência, ainda que possa não concordar com ela. Para além disso, o que mais existe no edifício da ciência são ideias, princípios, conceitos e teorias, proscritas, assim como idiotas desacreditados.
Sobre esta afirmação apenas quero dizer o seguinte: não quero saber se existe ou não conhecimento científico(?) construído sobre o assunto, importa-me manifestar o meu completo desprezo por este tipo de discurso, proveniente por uma minoria que, sob todas as formas e através de todos os meios à sua disposição, procuram fazer vingar a sua agenda, ou seja, normalizar aquilo que é uma anormalidade e, acima de tudo, ostracizar o comportamento afectivo dos indivíduos, sejam eles adultos ou crianças, naquilo que é a relação afectuosa/amorosa familiar e entre gerações, numa missão evangelizadora daquilo que consideram ser o ideal de comportamento entre as pessoas. Numa palavra: aberração.

post-scriptum - ao escrever estas linhas lembrei-me da agenda do tão famoso "politicamente correcto" e de que no seu fundamentalismo/radicalismo/univocidade, é bem capaz de tolerar, ou mesmo defender, este tipo de afirmações. Que estupidez! Uma vez mais, reafirmo: aberração.

novo projecto


Estou desde hoje, oficialmente, envolvido no projecto SHARE - Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe, naquilo que é a sétima "vaga" realizada em Portugal. Este é um projeto multidisciplinar e multi-nacional que disponibiliza dados sobre a saúde, o estatuto sócio-económico e as redes sociais e familiares de mais de 120.000 indivíduos, com 50 anos ou mais (cerca de 297 mil entrevistas) de 27 países europeus (+ Israel).
Para além do interesse profissional que me motiva à participação, há também o interesse académico e a possibilidade de aceder, gratuitamente, a esta gigantesca base de dados relativa às gerações mais velhas da população de muitos dos países europeus (+ Israel).
Para conhecerem o projecto e/ou para se inscreverem e terem acesso a este acervo, consultar aqui.

08 outubro 2018

sim

Sou também louco pela montanha. (...) Caminhar por entre as colinas, simplesmente caminhar e olhar. (...) Não sou uma criatura do mar, um amante da democracia das praias. A montanha opera uma selecção rude. Quanto mais se sobe, menos gente se encontra. A solidão é, sem dúvida, a grande prova. Valerá a pena viver-se, viver consigo próprio?
(George Steiner, 2006:143)
Viver de ti. Só.

decência

Uma boa, ou melhor, uma alegre notícia a atribuição do prémio Nobel da Paz a Denis Mukwege, médico ginecologista congolês, e a Nadia Murad, activista e ex-escrava sexual dos extremistas do Estado Islâmico. Duas personalidades discretas e sem direito aos grandes palcos mediáticos, que na sua vida quotidiana contribuíram, e contribuem, efectivamente para denunciar os crimes de violência sexual que vitimam milhares de mulheres em todo o mundo. Esta notícia é tanto mais importante e relevante, quando nos media e durante os últimos meses, se especulou sobre a possibilidade de este prémio ser entregue a Donald Trump e a Kim Jong-un, o que seria não só uma estupidez, como uma autêntica palhaçada.
Afinal ainda há esperança.

04 outubro 2018

subscrevo

Tudo o que importa agora é política e não cultura. Não aceito isso. Acho que a cultura é superior à política. A política é interessante e importante e vital, e sou uma analista política, mas ponho a cultura num plano mais elevado. 
Camille Paglia, in revista Ler nº 149, página 78.

instantes

Perceber que teremos alguns minutos de paz e sossego para a leitura, mesmo que apenas pequenos instantes, é sempre uma alegria. Depois, depois é só reunir esses recantos do nosso tempo e verificar aquilo, o tanto, que conseguimos.

02 outubro 2018

desalento

Conheci Robert Mapplethorpe através do livro "Just Kids" (2010) de Patti Smith, no qual a autora lhe dedica a narrativa dos seus anos de juventude, do seu relacionamento e da sua separação. A descoberta dessa personagem trouxe a normal curiosidade sobre ela e bastou uma pesquisa no Google para satisfazer esse interesse. Agora que uma exposição de obras suas está patente em Portugal e, ainda por cima, no Porto, preparava-me para a ir visitar, mas com toda a polémica que se instalou à sua volta, com o completo esvaziamento de qualquer putativo interesse estético ou artístico dessa colecção e a sua transformação num conjunto de imagens pudicamente ofensivas à moral e aos bons costumes da nossa parvónia, perdi a vontade. Já não vou. Lamento perder esta oportunidade próxima, mas desconfio que aquilo que está agora a acontecer em Serralves é apenas um exercício voyeurista.

(na imagem, roubada do google, Patti Smith e Robert Mapplethorpe)

01 outubro 2018

esquecimento

Foi no momento em que arquivava a revista LER de Verão (nº 150) que verifiquei, com espanto e incrédulo, que não tinha adquirido o número anterior (nº 149), relativo à Primavera deste ano. Como foi possível tal esquecimento, foi o pensamento que me acompanhou durante os dias seguintes. Depois desse sobressalto inicial, logo tratei de a adquirir. Agora, que já cá está, retroactivamente, vou LER.