25 junho 2012

em chaves...


A decorrer entre hoje, 25 de Junho e 27 de Junho. Veja aqui o programa do congresso e conheça em pormenor os conteúdos: o científico, o cultural e, principalmente, o gastronómico do encontro. A expectativa é grande e a minha participação acontecerá no painel 6 -Turismo em espaço rural e alimentação, no dia 27 a partir das 9 da manhã. Apareçam.

21 junho 2012

autor desconhecido e misantropo...


Já ouvira falar do seu nome aquando da atribuição do prémio Camões, mas até então nada sabia ou conhecia deste brasileiro que se esconde algures no interior brasileiro. Recentemente ofereceram-me este pequeno livro e hoje foi o dia em que, de uma só vez, o li e gostei. Gostei muito. Escreve bem este Dalton Trevisan - não sei, mas este nome soa-me a pseudónimo. Agora que o li, vou querer ler mais e procurar saber mais sobre esta personagem que, pelo pouco que agora sei, não gosta muito de aparecer, nem de se misturar em actos sociais ou recreativos. Aqui há dias foi notícia o seu agradecimento público ao governo português pela atribuição do prémio Camões, mas informou que não poderia estar presente na cerimónia. Num tempo hiper-mediatizado e onde a imagem vale tudo ou quase, saber de alguém que se refugia num anonimato quase absoluto e, ainda assim, tem sucesso e é reconhecido, é muito inspirador. Respeito. Sem dúvida, obra a descobrir.

12 junho 2012

ferido de morte

Estou habilitado para conduzir desde meados de 1992, tenho veículo próprio desde 1994 e estes dois factos foram contemporâneos da conclusão e abertura de todo o traçado do IP4. Por motivações que então a razão desconhecia, mas que exultavam o coração, passei a frequentar com muita frequência essa estrada, o que me permitiu conhecê-la e reconhecê-la em cada quilometro, em cada linha contínua e em cada curva. Conheci o IP4 na sua extensão como as palmas das minhas mãos. Agora que, por motivações que o coração desconhece, mas que exultam a razão, continuo a viajar entre as duas extremidades da sua extensão e depois de quase 20 anos de experiência, continuo a considerar que, salvaguardando um ou outro segmento, o IP4 é uma estrada com qualidade e segura. Continuo a responsabilizar os automobilistas pelas tragédias aí ocorridas. Eu, em todos estes anos e viajando em todas as horas do dia e da noite, de Verão e de Inverno, experimentei várias aventuras, vários perigos, vários sustos, mas felizmente e até hoje, não tive qualquer problema digno de registo. Conto sobreviver-lhe. Desde o momento em que iniciaram as obras da futura A4 que, infelizmente, se vai sobrepor a grande parte do antigo traçado do IP4, transitar nele tornou-se bastante mais difícil e mais perigoso. Obras intermináveis e que lentamente vai fazendo desaparecer esse IP. Aliás, quem não conheceu bem o traçado anterior, dificilmente hoje o consegue reconhecer na confusão dos separadores e desviadores. Mas eu, procurando o pormenor na paisagem, ainda o consigo vislumbrar a espaços e em muitos lugares, no mesmo instante sou invadido por um conjunto de memórias associadas a esses mesmos lugares. Voltarei em breve, espero, para então e finalmente escrever o seu epitáfio.

vem aí...

(nas bancas a partir da próxima semana)

Projeto Editorial

1
A Vírus é uma revista com edição semestral iniciada em junho de 2012. Tem tido, e continuará a ter, uma edição online consultável agora no site: www.esquerda.net/virus

2
A nova série da Vírus, agora em edição impressa, define-se como um espaço de debate de ideias e de intervenção direcionado para o entendimento crítico da realidade e para a construção de alternativas democráticas e socialistas à violência predatória do capitalismo e à deriva autoritária dos seus governos e do seu Estado.
Esse é o seu objetivo.

3
Com esse fim, a Vírus fomentará o concurso e o debate de todas as opiniões que, à esquerda, queiram contribuir para uma consistente corrente contra-hegemónica e para a superação da (des)ordem atual.
Esse é o seu campo.

4
A Vírus afirma-se como espaço de reflexão, discussão, formação e divulgação de apoio às e aos ativistas nos terrenos da política, dos movimentos sociais, da intervenção cultural, científica e cívica ou de uma cidadania informada e com opinião.
Simultaneamente, recebe do seu pulsar, das práticas sociais mais diversas, o influxo inspirador para o seu trabalho.
Esse é o seu compromisso.

5
A Vírus pretende fazer eco e participar ativamente nos grandes debates do internacionalismo, dar conta dos seus passos e desafios, uma vez que não há soluções puramente nacionais ou autárquicas para a ação emancipatória.
Esse é o seu âmbito.

metalinguagem...

As longas e solitárias viagens, ao volante pelas estradas, são espaços de apurada reflexão. A reflexão desta última viagem foi acerca destas serem tempos de reflexão apurada.

11 junho 2012

"onze por todos e todos por onze"

Deixa-me com urticária ouvir repetidamente este anuncio que, por estes dias, invade as estações de rádio e os canais de televisão. Como se esses onze "eleitos" me representassem nalgum sítio ou de alguma maneira. Bem sei que é Portugal que está a jogar e a disputar um campeonato europeu, e eu gosto que Portugal vença sempre, ou quase, mas daí até ao fanatismo que se pretende instalar vai um grande espaço. Ouvir da boca de alguns jogadores frases mal lidas em que o suposto orgulho nacional é colectivo é ofensivo para aqueles que realmente trabalham diariamente e procuram honrar sempre a sua profissão, o seu serviço, a sua empresa, a sua cidade, região e país. Não suporto a declarada intenção de nos projectarem, enquanto colectivo, naquele pequeno grupo de cidadãos nacionais, como se o presente e, principalmente, o futuro dependesse daquilo que eles conseguirem ou não conseguirem. Felizmente, a estúpida manifestação proposta pelo brasileiro estúpido, que em 2004 comandou esse grupo de "eleitos", de colocação de bandeiras portuguesas em tudo que fosse autoclismo e bidé, foi esquecida e os resquícios são residuais. Esperemos que seja qual for o trajecto desta selecção consigamos fazer a coisa com brio e elevação e que a vida, a de cada um em geral e a colectiva em particular, possa recuperar deste desgaste e deste ataque civilizacional. Sei que os onze não estão por todos e desconfio que nem todos estão pelos onze. Mas isso sou cá eu, retorcido.

08 junho 2012

a LER

07 junho 2012

Isaltino Morais dixit...

"Acham que o combate à corrupção deve ser feito com manifestações em praça pública, quando a corrupção deve ser combatida com leis claras e transparentes. E quando chega a absolvição muitas vezes já é tarde porque já foi causado muito sofrimento e as famílias já foram muito afetadas e mesmo quando chega a absolvição, não se dá importância a isso".
Havemos de rir ou havemos de chorar?!

06 junho 2012

cristas de razão...

A construção da barragem na foz do rio Tua foi, desde o seu início, uma guerra entre os defensores do meio ambiente e os exploradores dos recursos naturais. Por princípio e, depois, por responsabilidade cívica, sempre estive do lado dos defensores do meio ambiente e contra a construção desta barragem. Por tudo aquilo que estava em jogo, só um lobby muito forte conseguiria ter argumentos para essa construção e a EDP e o seu CEO, António Mexia, conseguiram a proeza. Contra todas as evidências e pareceres técnicos que demonstravam que essa construção não traria qualquer mais valia energética e que com ela todo um património natural e cultural desapareceria. Confesso que sempre achei que esta era uma batalha perdida e que a força do betão seria decisiva. Pois bem, enganei-me e ainda bem, bastou a UNESCO ameaçar com a perda do estatuto de património mundial do Douro vinhateiro, para novamente esse assunto regressar à ordem do dia e aquilo que era uma certeza deixar de o ser. A notícia do dia de ontem são as tristes palavras da ministra Assunção Cristas que admite que agora o problema é o Estado não ter dinheiro para mandar parar as obras. Como é possível?! Como é possível o Estado saber que a obra não terá qualquer serventia; saber que corre o risco de desqualificar toda uma região que é património da humanidade e, afinal, não agir porque os constrangimentos financeiros não permitem pagar qualquer tipo de indemnização. Ao ter conhecimento destas notícias, desanimado, questiono porque não se responsabiliza quem criminosamente actuou em nome do Estado? Mas afinal que país somos nós?

05 junho 2012

livros e livros

Em actualização da base de dados, aproveito para aqui registar os últimos livros a chegarem à colecção. 
De antes da feira do livro:
- Vaz das Neves, Dom Abílio (1946), Constituições do Bispado de Bragança e Miranda, Bragança, Diocese Bragança e Miranda;
- Comissão Executiva das Comemorações (1997), Páginas da História da Diocese Bragança-Miranda - actas de congresso, Bragança;
- Fernandes, Maria da Conceição Correia (2001), Uma História da Diocese de Bragança-Miranda, Lisboa, Diocese Bragança-Miranda;
- Pires, Padre Baltazar e Pires, Padre Francisco Videira (1950), A Virgem Peregrina na Diocese de Bragança,  Coimbra;
- Sousa, Fernando de (coord.) (2012), Memórias de Bragança, Bragança, Câmara Municipal de Bragança;
- Martins, Miguel Ferreira (2012), Direito e Interioridade - actas dos I, II e III Cursos de 2008, 2009 e 2010, Coimbra, Coimbra Editora;
- Teixeira, Padre Alfredo Augusto (org.) (2004), Servas Franciscanas Reparadoras de Jesus Sacramentado - cinquenta anos de vida, Bragança;
Da feira do livro:
- Lopes Filho, João (2004), Agrupamentos de Folclore - ontem e hoje, Lisboa, Inatel;
- Ramos, Francisco Martins (2006), Breviário Alentejano, Vale de Cambra, Caleidoscópio;
- Valente, José Carlos (1999), Estado Novo e alegria no trabalho - uma história política da FNAT (1935-1958), Lisboa, Edições Colibri e Inatel;
- Cabral, António (1999), Tradições Populares I, Lisboa, Inatel;
- Cabral, António (1999), Tradições Populares II, Lisboa, Inatel;

31 maio 2012

começa hoje...


abertura...

Não sei em que Natal ou aniversário o tio mais novo da minha filha lhe ofereceu o jogo "The Beatles rockband" para a playstation 3. Sei que cada vez que ela joga e eu estou por perto, fico fascinado com o genérico inicial, que funciona como que uma abertura para o espectáculo que a seguir cada jogador poderá experimentar e ser o artista principal. Cada vez que ela joga, eu para além de aumentar estupidamente o som da televisão, repito uma ou mais vezes... Experimentem.

26 maio 2012

"...entas"

Entrei hoje, oficialmente, no última ano dos trintas. Esse facto foi assinalado por aqueles que me rodeiam e que, de uma forma ou de outra, de mim gostam; fui agraciado e presenteado; estive com o pequeno núcleo familiar que, diga-se a propósito e como podem constatar na fotografia, está a crescer e de pequeno tem cada vez menos... Passei assim um bom dia, tranquilo e farto de coisas boas. Muito obrigado a todos e a todas que hoje estiveram comigo. Apesar de considerar que, tecnicamente, experimento já o quadragésimo ano da minha ontologia, houve hoje uma recorrente e transversal afirmação que guardei com especial cuidado: - Estás quase a entrar nos "entas"... E de lá não sais mais... Pois é verdade e tenho perfeita consciência desse facto. Consigo encará-lo com tranquilidade, apesar de sentir todos dias o peso do tempo que passa e com ele a minha vida. Venham então esses próximos 365 dias que serão, concerteza, um instante desse tempo maior que é a vida. O resto não sei, nem vivo muito preocupado com o que poderá vir a ser. Agora, venham esses "entas" com força e, já agora, que sejam pelo menos alguns e bons. Tenho dito.

22 maio 2012

sem pré-aviso...

A notícia chega sempre num sobressalto e apanha-nos sempre e irremediavelmente impreparados e surpresos. Tudo começa por ser não mais do que um boato, sujeito a novas e outras informações e confirmações, mas desde logo anunciam uma tragédia. Principalmente quando se sabe que a vida ainda poderia ser vida e, por mote próprio, se antecipa esse fim. É triste, sempre e muito triste, mas compreensível quando essa vida degenera e se torna insuportável e inviável. Aceito esse livre-arbítrio.

Revista Brigantia

(capa revista nº 0 de 1981)

Não percebo porque é que deixaram de publicar a Revista Brigantia. É que já desde 2008-2009 não sai nenhum número e, por mais que questione e procure respostas, ninguém me dá qualquer justificação minimamente razoável para este longo interregno. Desapareceu, extinguiu-se, ou melhor, extinguiram-na, desistiram dela?!...
Nos últimos meses tenho conversado e questionado alguns dos intervenientes que julgo terem alguma responsabilidade pela sua existência e publicação e aquilo que tenho conseguido são não-respostas, ou seja, a negação da sua extinção, por um lado, e a desresponsabilização, por outro lado. Inaceitável e a dúvida persiste: Porquê?
Numa destas últimas semanas, o Jornal Nordeste trazia-nos uma pequena notícia, assinada por Marisa Santos, acerca de uma reunião da Assembleia Distrital de Bragança (ADB), proprietária da revista, e da vontade desta em manter a Brigantia. Muito bem, terão pensado muitos dos leitores e diria eu, se me limitasse às letras gordas, mas a verdade é que a actual ADB parece não compreender a importância e o valor de uma publicação como a Brigantia e, ao contrário do que afirma o presidente da ADB, não “é preciso prestigiar a Brigantia”, pois ela sempre foi uma revista com prestígio e reconhecida, não só pelas comunidades da região, como por inúmeros investigadores, estudantes e estudiosos, em Portugal e no estrangeiro, que a ela recorriam não só como fonte de informação e conhecimento, como também enquanto acervo de um saber multidisciplinar acerca da região, e também como espaço para publicação da produção académica ou outra. Mesmo em tempos mais recentes, com uma edição muito intermitente e sem qualquer regularidade, a revista mereceu a referência em inúmeros estudos, investigações e publicações. Não saber ou não ter consciência disto é não merecer o legado recebido daqueles que, concerteza, com maior dificuldade conseguiram construir este projecto. Relembro as palavras iniciais, escritas pelo seu mentor e dinamizador, o Dr. Belarmino Afonso, no volume I - No 0 de 1981: "Brigantia é uma revista nova. (...) Tentará veicular tudo o que é reflexo do trabalho criador do homem das terras nordestinas. O social ou o económico, o religioso e o artístico, o arqueológico e o etnográfico, bem como outros campos da cultura regional, são aspectos complementares da realidade cultural humana que é necessário analisar. (...) Mais do que um simples registo documental, pretende criar um espaço de vida e reflexão." A triste realidade da revista, nos seus últimos anos de publicação e por responsabilidade desta ADB, é que perdeu essa vivacidade - veja-se a diminuição de números de revistas publicadas por ano - e adquiriu um carácter eminentemente monográfico e dedicado à efeméride.
É por ter consciência dessa sua condição precária e considerar que, apesar de tudo, não só há espaço editorial, como haverá sempre conteúdos e receptividade por parte de diferentes "públicos" e "autores", que considero inaceitável que se deixe desaparecer a única publicação cultural, digna desse nome e com cerca de trinta anos de existência. Importa aqui uma referência aos vários projectos editoriais que foram surgindo na região e que, numa outra dimensão e num outro universo, foram, são e serão sempre mais-valias para o reconhecimento da região transmontana.
É lamentável e triste que a ADB, enquanto sua proprietária, constituída pelos autarcas eleitos na região e que tanto investem anualmente em iniciativas de caracter etnográfico, recreativo e cultural, muitas vezes iniciativas de valor duvidoso, não consiga dispender a verba relativamente pequena necessária para a regularidade editorial da Brigantia.
Olhando para a história desta revista podemos verificar como durante muito tempo foram editados entre dois a quatro números por ano e que, à medida que nos aproximamos do presente, esse número passou a um único anual. O último volume correspondeu a dois anos (2008 e 2009). Mas a questão central, quanto a mim, não é o número de revistas publicadas, mas sim o formato e o modelo de gestão, ou se preferirem, de propriedade da mesma. Concerteza, na época em que foi lançada a revista - 1981, faria todo o sentido a proprietária da mesma ser a ADB, mas actualmente não me parece que esse seja o melhor modelo de gestão, pois, parafraseando o actual presidente da ADB, não será a revista, mas sim a própria ADB quem precisa de credibilidade; não será a revista Brigantia mas sim a ADB quem sofre de anacronismos...
Não se percebe o desinteresse dos ilustres membros da ADB pela revista. Não se percebe porque deixaram de contribuir com a sua parte para a sua edição. Assim como não se percebe que, tendo havido financiamento para a publicação, ela não se concretizasse.
Mais do que ficar calado ou proferir gratuitas criticas, importa-me alertar as consciências e contribuir positivamente para que a revista ressurja. Assim sendo e tal como já sugeri anteriormente, há que procurar novas formas de financiamento, novas parcerias, novas colaborações, novos formatos de edição. Uma segunda vida para a Brigantia precisa-se para que possa "ser um encontro de pessoas com perspectivas diferentes, mas enriquecedoras de uma única realidade cultural de que somos portadores conscientes." (Belarmino Afonso em 1981).
(texto enviado para o Jornal Nordeste)

15 maio 2012

"ocupar o comum"


Na edição do mês de Maio do Le Monde Diplomatique - Edição Portuguesa, Sandra Monteiro escreve um excelente artigo que entendo como explicação para tudo aquilo que tem sido o discurso da "crise" enquanto agenda de uma lógica neoliberal e de perseguição à dimensão pública dos estados e das sociedades ocidentais. Já o li no início do mês, mas para o referir precisava de escrever algumas citações e por isso aguardei até estar disponível na sua integridade. Aqui fica, ou então na sua versão original:

Para os defensores do neoliberalismo, não faz mal acabar com serviços e actividades reconhecidamente eficientes, de qualidade e utilidade social, desde que estejam reunidas pelo menos uma destas condições: que seja um modo de transferir para a esfera do privado recursos que antes pertenciam ao público, promovendo oportunidades de negócio; que seja um modo de eliminar do campo das experiências dos cidadãos formas de fazer em comum que possam favorecer o seu apego a instituições públicas, a finalidades não-lucrativas, a lógicas cooperativas e participativas.
É nesta engenharia de reconfiguração da sociedade que se enquadram o anunciado encerramento da Maternidade Alfredo da Costa, em Lisboa, ou o despejo da Es.Col.A. da Fontinha, no Porto. Por muito que a violência demolidora da vida em sociedade a que estamos a assistir o possa sugerir, o que está em causa não é, para o projecto neoliberal, acabar com o Estado, mas antes desviá-lo das suas funções sociais e redimensioná-lo à medida da avidez de mercados instáveis e de interesses privados. Não está também em causa acabar com toda e qualquer iniciativa de cidadãos que se mobilizem autonomamente para intervir na sociedade, mas tão-somente a daqueles que o fazem, até em regime de voluntariado, associando a supressão das falhas dos poderes públicos a propostas transformadoras das comunidades que não sejam redutíveis aos valores do pensamento único, à forma económica da troca mercantil e do lucro, ao formato de gestão do «empreendedorismo social».
O neoliberalismo nada tem contra haver Estado suficiente para parcerias público-privadas desastrosas para o erário público; para tráficos de influências e garantias de proveitosas carreiras; para salvamentos de bancos nacionais impostos por um sistema financeiro internacional que confisca a democracia; para sistemas educativos que formem elites ou para sistemas de saúde que se ocupem dos doentes que não são rentáveis para a medicina privada. O neoliberalismo nada tem contra haver na sociedade autonomia suficiente canalizada para o assistencialismo ou a caridade, desde que essa acção não questione intelectualmente, nem abale através de práticas, o imobilismo trágico das desigualdades socioeconómicas e a irracionalidade de um modelo económico iníquo.
Valores, práticas e finalidades são o que distingue os projectos em confronto nas sociedades. São eles que separam, por um lado, os que concebem uma comunidade como organização em que se afere, de acordo com modalidades democráticas e participadas, quais os bens comuns a prosseguir; e, por outro, os que nela vêem um somatório de interesses individuais e privados em que os mecanismos da competição farão emergir os mais fortes e, supletivamente, obrigarão a encontrar as formas de assistência aos mais fracos que eternizarão a rigidez dos lugares sociais. É neste antagonismo quanto a valores, práticas e finalidades que reside o essencial das escolhas de sociedade. Tudo o mais diz respeito aos actores que dão corpo a essas escolhas e às alianças e contágios entre as diferentes esferas em que os actores se movem; no quadro das relações de força em cada momento existentes, essas alianças e contágios podem ser potenciados ou impedidos.
Se os efeitos que se quer alcançar forem a densificação da democracia, a restauração dos serviços públicos e do Estado social e a reconstrução de comunidades de bem-estar, será que mantém utilidade e capacidade explicativa uma grelha de análise que encerre nos vértices de um triângulo três pólos que não se sobrepõem nem têm afinidades a aproximá-los ou separá-los? Com efeito, a imagem que nos habita tende a ser a de um triângulo − mesmo que o possamos ver equilátero, isósceles ou escaleno. Ele representa três sectores da sociedade separados e estanques: o público, o privado e o terceiro sector (ou economia social). A mesma figura geométrica ressurge se pensarmos em termos de três esferas de actividade traduzidas no Estado, no mercado e na actividade cooperativa ou solidária. Dada a correlação de forças, esta imagem tem estado revestida por uma capa de naturalidade e fixidez, quando ela traduz uma visão que não é neutral, mas política. E tem servido, sobretudo, para permitir que ocorram longe da visibilidade do debate público todas as formas de disputa e de captura que o poder, cada vez mais forte, dos mercados (isto é, dos interesses privados que estes representam) tem vindo a operar em relação aos sectores público e cooperativo.
Há por isso vantagem em encontrar arranjos e parcerias alternativas que estilhacem estas lógicas que se encontram em acção e que, mantendo a noção de que todos estes três pólos são construções em aberto, desloque a aliança estratégica para o lado do público e do cooperativo. As modalidades dessa redefinição de alianças podem ir da simples cedência de espaços públicos até outras mais entrosadas, como por exemplo a extensão dos âmbitos de actividade em que se ensaiam formas económicas não-mercantis e em que se beneficia mutuamente de economias de escala.
A constituição desta aliança, mais ou menos formal, fará com que o campo do público e da cidadania tenha mais condições para disputar ao privado o conjunto de valores, práticas e finalidades que projecta para a sociedade. Talvez seja dos contágios entre racionalidades de serviço público, participação democrática, organização cooperativa, não desbaratamento de recursos com a exploração e o lucro, e prossecução de objectivos de sustentabilidade ecológica e de bem-estar social que possam vir a surgir alianças duradouras entre o Estado e as organizações de cidadãos − movimentos, associativismo, economia social − que fortaleçam ambos em detrimento dos interesses privados. Ocupar este espaço do comum é uma forma de romper com o consenso neoliberal assente no pensamento único, na prática única. É, certamente, uma forma de reapropriação do futuro.

b de bom e de bonito...

processo civilizacional

Quando apareci em casa com o Ipad, deu-me a sensação que nem tive tempo de por os dois pés dentro de casa e já estava a ser interrogado: - Mas para que precisas tu disso?!... De facto, na altura a utilização do verbo "precisar", desarmou-me e deixou-me sem capacidade de resposta. Mas também não foi preciso passarem muitos dias até alguém, que não eu, ter descoberto uma função bastante útil para o meu desnecessário gadget. Pois claro, nada melhor do que um Ipad para colocar em frente à criança para a distrair enquanto come a sopa e o demais... Muito bem. Assim tem sido e, de facto, a sua utilidade deixou de ser questionada. Essa rotina de visitar o "Tubo" à procura de temas apropriados para uma criança de um ano, levou-me a (re)descobrir esta música do Sebastião.


A letra desta curta versão da música diz o seguinte:

“Sebastião come tudo, tudo, tudo
Sebastião come tudo sem colher,
Sebastião fica todo barrigudo,
Chega a casa e dá beijinhos na mulher”

Mas algo me soava mal, pois aquilo que recordo do meu tempo - sim, quando eu era criança já cantávamos isto - era uma letra ligeiramente diferente e dizia assim:

“Sebastião come tudo, tudo, tudo 
Sebastião come tudo sem colher, 
Sebastião fica todo barrigudo, 
Chega a casa e dá porrada na mulher”

Pois muito bem, a conclusão a que se chega é que no espaço de cerca de 30 anos, o processo civilizacional pôs o Sebastião a dar beijinhos à mulher em vez de porrada, apesar de continuar a comer sem colher, ou seja, com as mãos. Quantos mais anos serão precisos para esse processo obrigar o Sebastião a comer com talheres?!...

13 maio 2012

instante urbano xx

Para ser justo, este instante não deveria ser urbano, mas tentemos encaixá-lo numa certa e determinada urbanidade...
Em noite de festa e num café de nome desconhecido, mas com publicidade da marca Delta, encosto-me ao balcão para tomar café. Do lado de dentro do balcão quatro moças que com destreza e sincronia vão dando resposta às inúmeras solicitações a ao aparente caos instalado. Enquanto observo os seus modos e os seus desempenhos, um outro freguês, mesmo ao meu lado, encosta-se ao balcão e chama uma das moças pelo nome e pede-lhe dois gigantes. Ela, enquanto avia outro pedido, olha de relance para ele. Eu não percebi aquele pedido e fiquei curioso para ver o que lhe iria servir. Logo a seguir, ela abre uma gaveta e saca de lá um maço de cigarros, retira dois e estende-lhos para a mão, recebendo em troca um valor em moedas que, infelizmente, não pude quantificar e que não teve troco. Quando se virou para mim, simpática, tive mesmo vontade de lhe pedir um café e um gigante, pois não tinha presente que, ainda hoje, era possível comprar tabaco assim.

um arraial minhoto



Num ambiente que quando muito poderia considerar-se rurbano, que é como quem diz, um ambiente rural de aproximação a um espaço urbano, pude experimentar uma noite de sexta-feira diferente...
Largo da Igreja e centro cívico da localidade apinhado de gente vinda de todas as redondezas, coreto e torre sineira devidamente iluminados e decorados, por todo lado barracas de farturas, pipocas e outras doçarias, ao longe e num campo que se estende em frente à igreja, a luz e o som dos carrinhos de choque, carrocéis e afins. À medida que a noite cai, este espaço vai ganhando cada vez mais vida e a concentração da gente em frente a um enorme palco, indica que o momento grande do arraial ainda está por vir. A curiosidade e a ansiedade, e para alguns a impaciência, vão crescendo. É perceptível. Os mais velhos, que chegaram primeiro vão-se encostando onde podem ou escolhendo os lugares estratégicos para uma observação não-participante. Os mais novos, aos pares ou em grupos maiores, também se vão aproximando, constituindo uma massa crescente de festeiros. Ao olhar com mais atenção também posso perceber o cuidado e o preparo para vir à festa. A sua festa.
A noite promete. Do lugar onde me encontro a observar, sinto-me igualmente observado e um corpo estranho a todo o ambiente. O cheirinho a farturas que permanentemente o vento me traz ao nariz, associado ao desconforto do estômago, leva-me a querer ir lá busca uma. Não posso, ainda.
Finalmente, os artistas chegam e num aparato, algures entre o pimba e o xunga, sentados num carocha descapotável que rasga pelo meio da "multidão" e acenando ao público, que não retribui os cumprimentos... A apresentadora não cala uma elegia ao grande sucesso da dupla -Marcelo e Alex - e tudo é feito com grande sonoridade, mas sem grande entusiasmo ou adesão do público que permanece estranho ao que assiste. Pelo meio de uma enorme neblina colorida e com um estridente som exótico, a dupla certaneja entra em palco, precedida por um potente trio de bailarinas brasileiras que de imediato se desnudam e, assim, chamam a atenção ao que se passa no palco. O que se passou a seguir foi mau demais para aqui ser relatado e recordado. Um espectáculo muito mau, sem qualidade e acima de tudo desonesto, pois tudo era playback e aquela gente pagou um valor, independentemente de elevado ou não, por uma farsa e, ainda por cima, sem qualquer qualidade. Por exemplo, a determinado momento, perto do fim da actuação, quiseram apresentar os membros da banda. Ao nome de cada um, respondiam com um pequeno solo. Que desastre... Instrumentos desligados, outros desafinados, outros não sabiam tocar e, para cúmulo, o líder da banda nem o nome de alguns dos seus músicos sabia... Ficou tudo registado e eu incomodado por saber esta gente aldrabada.
Estamos no mês de Maio, mas aquilo que presenciei remeteu-me de imediato para os meus ambientes rurais do mês de Agosto, mês, por excelência, de todas as festas e arraias. É verdade, não cheguei a comer nenhuma fartura.