Prezado Cronista,
Diz o provérbio latino: "Ridendo castigat mores." Ou por outras palavras: "Rindo se corrigem os costumes." Peço-lhe hoje uma crônica que pretenda criticar os vícios , os erros, as atitudes, os comportamentos inconvenientes, enfim, de nossa sociedade contemporânea por meio do humor. Esteja livre para criar.
Aguardo ansioso
O Editor
Aguardo ansioso
O Editor
Crónica:
O Senhor Humor
Provocar o riso sempre foi uma necessidade. Ninguém duvidará que todo o ser humano necessita, gosta, procura, ainda que ocasionalmente, a boa disposição através do humor. Para além disso, é mais ou menos consensual que o riso se apresenta como excelente meio pedagógico utilizado para reproduzir determinada visão do mundo e assim construir memória e a história dos vários tempos. Como tal, tem que ser lido, tem que ser entendido como um elemento relativo e subjectivo que permitirá, se quisermos, traduzir culturalmente as diferentes comunidades e sociedades, naquilo que se designa de identidades. A este propósito, trago-vos uma narrativa de uma memória que fala de um tempo moderno, que posso adjectivar de anacrónico ou mesmo arcaico. A personagem que aqui encontrarão não será propriamente um senhor e, também, não se tratará de alguém com particular humor, mas a recorrência humorística a episódios seus sobreviveram ao seu desaparecimento.
De estatura média e de corpo robusto, o Mâncio era um solteirão que entrara já na sexta década do seu tempo. Habitava um lar de humilde condição e parca arrumação. Tivera uma meninice difícil, sem o carinho de mãe ou o amparo de pai. Cedo veio viver para aquela aldeia transmontana, trazido por familiares preocupados com a sua triste sorte. Assim cresceu, mais ou menos abandonado, no seio de uma família alargada e com o estatuto de parente pobre. Bem reparava sua tia, a quem ele carinhosamente tratava por Mãe, que algo de estranho se passava com aquele rapaz. Mas nada que conseguisse perceber ou entender. À escola nunca ligou e ao trabalho só quando obrigado; o Mâncio gostava de vaguear pela aldeia e seu termo, andar atrás das perdizes, armar ratoeiras aos pássaros ou ir apanhar peixes, à mão, no ribeiro que por ali perto passava.
Mais tarde chegou o tempo de mancebo e do serviço militar. Partiu e afastou-se, pela primeira vez, do seu pequeno mundo. Ganhou asas, aprendeu e gostou de voar. Enquanto fazia a tropa viveu em Lisboa, de onde trouxe as histórias e as venturas da eterna mocidade. Nos tempos vazios viajou indigente pelo país e, depois de terminar a tropa, sem hesitar rumou para Paris, apenas com o contacto de um parente que o acolheu e orientou para um qualquer ofício, daqueles que os nativos se recusavam desempenhar, mas que os lusos emigrantes publicitavam serem especialistas. Por terras gaulesas viveu durante cerca de duas décadas até ao dia em que cansado e sentindo o corpo a ceder, resolve regressar à sua terra de adopção, onde já não encontra o lar de outrora, nem os bem queridos que sempre trouxera no coração. Como nunca casou ou teve mulher, enfrentava agora o desafio de viver uma velhice em solidão. Foi também depois desse seu regresso que Mâncio construiu a sua sui generis personagem e ganhou o eterno lugar na memória colectiva da comunidade.
Apesar de uma certa rudeza de aspecto e de uma certa esquizofrenia nos modos, era um indivíduo bem educado que usava uma linguagem fina, principalmente quando na presença do sexo feminino, a quem, com parcimónia, cumprimentava com um retirar da boina. Mâncio era aquilo que poderemos designar de mulherengo e fazia questão de se gabar do seu bom aspecto: - Se todos tibessem a minha finura!, e de todas as suas conquistas, de todos os seus romances, de todas as suas aventuras, afirmando: - Essa!?... Essa aí, foi porque eu não a quis!.. Episódios de um passado mais ou menos recente, que nunca ninguém conseguiu testemunhar ou verificar, deixando assim perceber que todos esses momentos não povoavam mais do que a sua mente. Mas a firmeza e o vigor com que manifestava a sua virilidade eram tais que, quando em ambientes embriagados pelo vinho ou aguardente que a taberna servia aos homens da terra, chegava mesmo a fazer apostas com os demais de como o seu equipamento sexual era o maior de todos.
Numa época engraçou-se por uma moça, de nome Maria. Então sismou que iria conquistá-la e sabendo que ela costumava ir com as vacas para os lameiros, resolveu impressioná-la com os seus dotes de caçador. Preparou a espingarda, foi buscar um coelho de criação e arranjou um baraço. Lá foi o Mâncio ao encontro da Maria, só que antes de se mostrar, prendeu o coelho que trazia dentro da jaqueta com o baraço a uma Carvalheira. Assim o coelho poderia movimentar-se e o Mâncio não o perderia de vista. Com o seu peculiar ar lá foi então o caçador em direcção à moça, que guardava as vacas. Quando chegou perto, a moça cumprimenta-o e pergunta-lhe:
– Então Mâncio, à caça?..
– Sim, vou ver se apanho alguma coisa…
– Não trazes nada?..
– Não. Ainda venho agora do povo…
E, de repente, olha para o sítio onde sabia estar o coelho preso, aponta a arma e dispara dois tiros. Assustada pelo forte ruído e intrigada, a moça pergunta:
– O que viste?
– Era um coelho… eu já venho… acho que o apanhei…
Apressado vai à procura da peça de caça, só que quando lá chega não viu nenhum coelho. A sua pontaria foi tal, que em vez de acertar no coelho, acertou no baraço que o prendia, podendo assim o assustado coelho fugir pelo monte. Desiludido, o Mâncio regressa para junto da moça, a quem pretendia impressionar, de mãos vazias.
– Então e o coelho? – Pergunta a moça ao Mâncio.
– Não sei! Mas que estava lá, estava!..
De regresso à aldeia lá contou a sua aventura na taberna e no dia seguinte, um vizinho lá foi saber do coelho, que acabou por ser apanhado.
Como homem solitário que era, gostava de conviver com os amigos e vizinhos. Assim e principalmente nas noites de Inverno, Mâncio ia para casa do tio Xenxo, taberneiro e seu vizinho, que o recebia junto dos tições que ardiam ao lume. Assim se aquecia e conversava com os demais, que ali se juntavam. Normalmente era um dos primeiros a chegar e, por isso, tinha sempre lugar garantido em frente ao lume. À medida que outros iam chegando, pediam-lhe: – Chega-te um pouco para lá Mâncio!.. Depois chegava outro e repetia: – Chega-te um pouco para lá Mâncio!.. Depois de uns tantos terem entrado, diz o Mâncio, já aborrecido: – Ora! Ando eu a aquecer o cu para todos!?...
Assim viveu Mâncio na sua anónima e simples condição até ao dia em que foi encontrado morto de vários dias e debaixo de sua cama. Por engano ou não antecipou-se à morte e as circunstâncias dessa tragédia permanecem envoltas em mistério, num nevoeiro de rumores incriminatórios sem culpa formalizada.
De estatura média e de corpo robusto, o Mâncio era um solteirão que entrara já na sexta década do seu tempo. Habitava um lar de humilde condição e parca arrumação. Tivera uma meninice difícil, sem o carinho de mãe ou o amparo de pai. Cedo veio viver para aquela aldeia transmontana, trazido por familiares preocupados com a sua triste sorte. Assim cresceu, mais ou menos abandonado, no seio de uma família alargada e com o estatuto de parente pobre. Bem reparava sua tia, a quem ele carinhosamente tratava por Mãe, que algo de estranho se passava com aquele rapaz. Mas nada que conseguisse perceber ou entender. À escola nunca ligou e ao trabalho só quando obrigado; o Mâncio gostava de vaguear pela aldeia e seu termo, andar atrás das perdizes, armar ratoeiras aos pássaros ou ir apanhar peixes, à mão, no ribeiro que por ali perto passava.
Mais tarde chegou o tempo de mancebo e do serviço militar. Partiu e afastou-se, pela primeira vez, do seu pequeno mundo. Ganhou asas, aprendeu e gostou de voar. Enquanto fazia a tropa viveu em Lisboa, de onde trouxe as histórias e as venturas da eterna mocidade. Nos tempos vazios viajou indigente pelo país e, depois de terminar a tropa, sem hesitar rumou para Paris, apenas com o contacto de um parente que o acolheu e orientou para um qualquer ofício, daqueles que os nativos se recusavam desempenhar, mas que os lusos emigrantes publicitavam serem especialistas. Por terras gaulesas viveu durante cerca de duas décadas até ao dia em que cansado e sentindo o corpo a ceder, resolve regressar à sua terra de adopção, onde já não encontra o lar de outrora, nem os bem queridos que sempre trouxera no coração. Como nunca casou ou teve mulher, enfrentava agora o desafio de viver uma velhice em solidão. Foi também depois desse seu regresso que Mâncio construiu a sua sui generis personagem e ganhou o eterno lugar na memória colectiva da comunidade.
Apesar de uma certa rudeza de aspecto e de uma certa esquizofrenia nos modos, era um indivíduo bem educado que usava uma linguagem fina, principalmente quando na presença do sexo feminino, a quem, com parcimónia, cumprimentava com um retirar da boina. Mâncio era aquilo que poderemos designar de mulherengo e fazia questão de se gabar do seu bom aspecto: - Se todos tibessem a minha finura!, e de todas as suas conquistas, de todos os seus romances, de todas as suas aventuras, afirmando: - Essa!?... Essa aí, foi porque eu não a quis!.. Episódios de um passado mais ou menos recente, que nunca ninguém conseguiu testemunhar ou verificar, deixando assim perceber que todos esses momentos não povoavam mais do que a sua mente. Mas a firmeza e o vigor com que manifestava a sua virilidade eram tais que, quando em ambientes embriagados pelo vinho ou aguardente que a taberna servia aos homens da terra, chegava mesmo a fazer apostas com os demais de como o seu equipamento sexual era o maior de todos.
Numa época engraçou-se por uma moça, de nome Maria. Então sismou que iria conquistá-la e sabendo que ela costumava ir com as vacas para os lameiros, resolveu impressioná-la com os seus dotes de caçador. Preparou a espingarda, foi buscar um coelho de criação e arranjou um baraço. Lá foi o Mâncio ao encontro da Maria, só que antes de se mostrar, prendeu o coelho que trazia dentro da jaqueta com o baraço a uma Carvalheira. Assim o coelho poderia movimentar-se e o Mâncio não o perderia de vista. Com o seu peculiar ar lá foi então o caçador em direcção à moça, que guardava as vacas. Quando chegou perto, a moça cumprimenta-o e pergunta-lhe:
– Então Mâncio, à caça?..
– Sim, vou ver se apanho alguma coisa…
– Não trazes nada?..
– Não. Ainda venho agora do povo…
E, de repente, olha para o sítio onde sabia estar o coelho preso, aponta a arma e dispara dois tiros. Assustada pelo forte ruído e intrigada, a moça pergunta:
– O que viste?
– Era um coelho… eu já venho… acho que o apanhei…
Apressado vai à procura da peça de caça, só que quando lá chega não viu nenhum coelho. A sua pontaria foi tal, que em vez de acertar no coelho, acertou no baraço que o prendia, podendo assim o assustado coelho fugir pelo monte. Desiludido, o Mâncio regressa para junto da moça, a quem pretendia impressionar, de mãos vazias.
– Então e o coelho? – Pergunta a moça ao Mâncio.
– Não sei! Mas que estava lá, estava!..
De regresso à aldeia lá contou a sua aventura na taberna e no dia seguinte, um vizinho lá foi saber do coelho, que acabou por ser apanhado.
Como homem solitário que era, gostava de conviver com os amigos e vizinhos. Assim e principalmente nas noites de Inverno, Mâncio ia para casa do tio Xenxo, taberneiro e seu vizinho, que o recebia junto dos tições que ardiam ao lume. Assim se aquecia e conversava com os demais, que ali se juntavam. Normalmente era um dos primeiros a chegar e, por isso, tinha sempre lugar garantido em frente ao lume. À medida que outros iam chegando, pediam-lhe: – Chega-te um pouco para lá Mâncio!.. Depois chegava outro e repetia: – Chega-te um pouco para lá Mâncio!.. Depois de uns tantos terem entrado, diz o Mâncio, já aborrecido: – Ora! Ando eu a aquecer o cu para todos!?...
Assim viveu Mâncio na sua anónima e simples condição até ao dia em que foi encontrado morto de vários dias e debaixo de sua cama. Por engano ou não antecipou-se à morte e as circunstâncias dessa tragédia permanecem envoltas em mistério, num nevoeiro de rumores incriminatórios sem culpa formalizada.
Avaliação e comentários: (até 10 valores por júri)
Lorenza Costa - Esperava que o cronista encerrasse o texto com um comentário seu. A narrativa ficou voando entre o primeiro parágrafo e uma conclusão inexistente. Nota: 8,0
Luci Afonso - Estória muito bem contada, mais para triste que para engraçada. Nota: 8,0
Marco Antunes - O autor (ou autora?) escreve muito bem, é muito saborosa a expressão, mas definitivamente também não conhece o segredos dessa alquimia de fazer humor, nem aquele mais ostensivo e franco, nem o que esperei encontrar aqui à moda machadiana, fino e demolidor! Ficou mesmo um quase conto de remoto teor humorístico. Nota: 8,0
Oswaldo P.Parente - Não é uma crônica. Nota: 6,5
total - 30,5
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