Eu sou do Porto (FCP) desde pequenino. Sim, com propriedade, posso afirmar que desde que tenho consciência de mim (I, Me and Myself) sempre me identifiquei como portista. O primeiro grande momento que recordo é a final da Taça das Taças que o FCP perdeu para a Juventus em 1984. Ainda me lembro de, no início da década de oitenta, ver na TV e ouvir no Rádio nomes de jogadores como: Romeu, Oliveira, Vieirinha, Fonseca, Rodolfo, Gabriel, Simões, Freitas, Murça e o, para mim grande, Costa.
As primeiras vezes que fui ao estádio das Antas ainda era miúdo e ele ainda não tinha sofrido o rebaixamento das bancadas (1986) e – não tenho a certeza, mas penso que ainda tinha a pista de ciclismo - lembro-me bem de, por ser criança, poder circular por todas as bancadas: dos peões nas superiores, ao relvado em frente à bancada central, onde a criançada jogava à bola, sonhando um dia poder ser um craque do Porto, até aos cativos, onde entrávamos à socapa, entre as pernas dos adultos.
Esta liberdade, estranha para quem conhece os meus pais, decorreu do facto de um vizinho à época, o Sr. Pereira, ser um fervoroso adepto e a determinada altura, percebendo o meu entusiasmo pelo Porto, pediu autorização ao meu pai para me levar com ele e com o filho dele, o Paulo, que tinha a minha idade. A partir daí passei a ir quase sempre com eles. Foi assim que me associei. Eles já eram sócios e como a quota para as crianças era barata, o meu pai lá acedeu. Tornei-me sócio de bancada pela primeira vez, se não estou em erro, em 1985. Nessa altura ia ao estádio sempre que havia bola, ainda que fosse de andebol, de basquetebol, ou mesmo de hóquei em patins.
No ano de 1987 em que o FCP conquistou a Taça dos Campeões Europeus, fui ao estádio assistir a todos os jogos desse magnífico trajecto que terminou em Viena. Recordo como se hoje, o brilho das camisolas dos jogadores do Dínamo de Kiev, à época um clube muito respeitado na Europa do futebol. No final dessa época e perante tamanho incremento desportivo e consequente euforia, eu e o Paulo, por iniciativa dele – aliás, era tudo e sempre iniciativa do Paulo… - inscrevemo-nos como Super Dragões, para assim podermos entrar de graça no estádio das Antas, por uma “porta exclusiva” aos associados dessa claque e para podermos viajar com a equipa a preços reduzidos, eu diria mesmo, insignificantes – a esta parte os meus pais nunca acharam grande piada. Assim embarquei eu em autênticas cruzadas à conquista dos territórios inimigos. E que cruzadas! Estive lá, participei ou testemunhei (n)aquilo que jamais imaginara ser real ou existir. Regressei sempre.
Com o passar dos anos e à medida que outros interesses e distracções foram surgindo, o meu clubismo funcional perdeu vigor e entusiasmo. Deixei de ir assiduamente ao estádio e deixei de pagar as quotas, se não estou confundido, algures em 1992 – que pena não ter a vinheta no cartão de sócio… Esse afastamento físico não significou o esquecimento ou abandono da “tribo”, mas transformou-se num sentimento de pertença mais adulto, mais racional a um clube e a uma narrativa que se afirmava como bairrista e regionalista, que muitos entendiam como negativa e socialmente perigosa, mas que para mim e para os adeptos e simpatizantes do clube e da própria região era límpido e, qual contra-cultura, combatia a hegemonia e centralismo do Benfica e da própria capital.
Assim permaneci até 2003, altura em que voltei a inscrever-me como associado. Uma vez mais numa altura em que se avizinhavam grandes feitos e grandes alegrias. A final da Taça UEFA foi em Sevilha e eu na altura estava em Vinhais a dar aulas. O núcleo portista reuniu-se num restaurante para assistir ao jogo e depois de intensa ansiedade e sofrimento, que alegria… Em 2004 foi a vez de conquistar a Liga dos Campeões Europeus, a 26 de Maio festejei como nunca o meu aniversário, no café Penedo em Valadares. Entretanto, em Julho de 2005 deixei novamente de pagar as quotas, e desta vez foram razões meramente económicas a exigir a renúncia ao prazer de estar e sentir as vibrações in loco. Paciência.
Até hoje, nunca mais voltei a associar-me, pois entendi que o esforço financeiro seria enorme e não se justificaria pagar os valores exigidos pela actual indústria do futebol. Esta consciência de que houve uma evolução impressionante no mundo do futebol e que de actividade desportiva e clubística se transformou numa actividade eminentemente financeira, difusa, de activos e passivos, de cotações e de sociedades anónimas, de saldos e exercícios, permitiram-me adaptar à nova realidade do futebol e, em particular do meu clube. Sem perder o Norte, ou seja, querer sempre a vitória, sempre, importa entender que mais importante do que qualquer actor ou interveniente, importa o clube, importará vencer, sempre vencer, ganhar, sempre ganhar. Foi à luz desta candeia que percebi, aceitei e apoiei a saída de Mourinho em 2004; foi à luz dessa mesma candeia que, apesar de não ter gostado, percebi a necessidade de Villas-Boas sair. Afinal que mais poderiam estes dois ganhadores acrescentar ao FCP!? Nada ou quase. Sempre gostei da ideia ou do estereótipo de “jogador à Porto”, ambicioso, lutador, fiel e conquistador. Mourinho e Villas-Boas encarnaram e representaram excelentemente essa personagem. Ganharam para o Porto o que havia a ganhar e como nunca havia sido ganho. Sem grandes mesuras, reconhecido estou a ambos. Foram embora, boa viagem e boa sorte. O Porto, o meu Porto continua o mesmo e continua a querer ganhar. É o importante para mim. Sinto-me confortável com essa circunstância e ao sentir que assim é.
A mesma candeia que me tem iluminado, não me permite alcançar o sentimento de alguns, se calhar muitos, adeptos e simpatizantes do Porto em relação a esses dois treinadores. Que ilusões poderiam ter em relação a eles. Que iriam ficar no clube ad eternum(!?) Sendo ou não adeptos do FCP, acima de tudo são profissionais e precisam de ambição de ganhar e de conquistar para terem sucesso desportivo e, principalmente, reconhecimento, fama e dinheiro. Lembrem-se da tal indústria, pois é ela a ditar as suas leis. Juras de eterno amor e fidelidade, isso é para nós, para os crentes e para os adeptos. Confesso que me custa a perceber como é que em pleno século XXI havia, há(?), encantamentos ou dogmas clubísticos. Reacções, discursos ou palavras que não revelam mais do que um desencantamento virginal e ofendido. Enfim.
Tenho ido ao Dragão regularmente, por convite ou por iniciativa própria e nada, absolutamente nada, no meu fervor clubista se alterou. Este sentimento, mais próximo ou mais longínquo, mais ou menos alegre, mais ou menos satisfeito, está cá e, sei, por aqui permanecerá sempre. Ninguém o reclamará. Estando consciente das perigosas significâncias latentes de todos os “ismos”, por oposição eterna ao Benfica – e não ao Sul, outrora terras de Belzebus e de Infiéis – mantenho o meu propósito de vida: ver sempre o Benfica a perder e, se possível, a ser humilhado, seja com quem for e onde for e, depois, espero viver e poder celebrar o meu Porto como a equipa com mais campeonatos nacionais conquistados. Já faltou muito mais tempo e eu estava lá, estava aqui. Assim.
1 comentário:
Os Mouros (muçulmanos e árabes.
Embora muito mais evoluídos do ponto de vista científico, jurídico, administrativo e etc, tinham o mesmo problema dos cristãos: combatiam em nome de algo que nunca viram: o seu "Deus".
Ainda hoje há quem alimente guerras por motivações religiosas. Totalmente incompreensível. "As concepções religiosas tendem a desresponsabilizar os homens pelas consequências dos seus actos".
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