27 fevereiro 2020

esbulho e abuso

A propósito da oportuna e necessária iniciativa dos partidos políticos, que se preparam para votar na Assembleia da República contra as exorbitantes comissões que os bancos cobram aos seus clientes, o editorial do jornal Público de hoje, assinado por Manuel Carvalho é elucidativo sobre esta realidade:

cortar o pêlo

Aproveitando o último dia de férias escolar, ontem foi dia de ir ao barbeiro cortar o pêlo ao meu filho e, já agora, o meu também. Estávamos os dois a ser atendidos, lado a lado, quando entraram mais dois clientes que se sentaram à espera de vez. Um deles, o mais velho, quando se apercebeu que eu seria o pai daquela criança, questionou:
- É seu filho?
- Sim. Respondi.
- Já não é fácil encontrar pai e filho juntos a cortar o cabelo.
Sorri e, lembrando-me da minha infância, disse-lhe:
- Eu lembro-me de ir com o meu pai quando era miúdo. E lembro-me que o barbeiro era em Gaia, ao lado do café Angola, no início da rua João de Deus, do lado esquerdo... Era aí que o meu pai ía e levava os dois filhos.
Boa memória esta, que me levou de imediato a reflectir: Será que o meu filho, um dia, se lembrará destas vindas ao "Cristal"? Espero que sim.

(até nisto sou parecido com o meu pai: somos clientes fidelizados)

chamada de comunicações


Encontro de antropólogos galegos, portugueses e afins. Eu vou lá estar e vou levar comigo os filigraneiros de Gondomar.

26 fevereiro 2020

o virus corona

Concordo com aqueles que manifestam alguma ponderação e senso em relação a esta epidemia: nem pessimismo alarmante, nem optimismo irresponsável, mas a verdade é que o vírus está a caminho de Portugal e vai-se aproximando a grande velocidade. Não sei qual será a dimensão do problema e se seremos capazes de responder eficientemente à doença e suas manifestações. Parece-me evidente que os mais desprotegidos e susceptíveis ao vírus serão os portugueses com maiores carências (de saúde e económicas) e, por isso, considero que, para minimizar estragos e contrariar contaminações, o primeiro e grande esforço do Estado e de seus intervenientes deverá ser junto destas populações. O receio que me assalta é a habitual atitude passiva das entidades nacionais, de actuações reactivas, em vez de pró-activas, em situações de alarme e eminente perigo social. Saibamos proteger-nos.

19 fevereiro 2020

direito a poder escolher morrer

É um direito que assiste a cada um de nós. A liberdade única e intransmissível de podermos escolher não viver mais. Acredito na racionalidade do ser humano e na sua capacidade e autonomia individual. Não posso aceitar que as crenças, os dogmas ou as morais de terceiros condicionem ou impeçam essa minha autonomia e direito a poder escolher. Não sei o que me espera no processo de envelhecimento, desejo nunca ter que tomar uma decisão dessas, mas não abdico de poder ter essa opção, caso algo de extraordinário e cruel me aconteça.
É por isto que nem hesito um segundo perante a discussão que decorre na sociedade portuguesa sobre a despenalização da eutanásia. E claro que a Assembleia da República tem toda a legitimidade para legislar sobre o assunto. Curiosa é a atitude daqueles que publicamente se manifestam contra tal iniciativa e recorrem aos mais inauditos meios para atingir os seus fins. Atenção, eu aceito que a questão é complexa e respeito todos aqueles que por constrangimentos morais ou religiosos são contra a iniciativa. Aquilo que não aceito é, por exemplo, os mesmos que em 2018 votaram contra as iniciativas legislativas e venceram essa votação na Assembleia República, sem exigirem qualquer referendo, agora, aqui del rei, que é necessário um referendo popular. Conversa, hipocrisia demonstrativa de que se servirão de qualquer meio para atingir os seus fins, ou seja, impedir este processo.
Em todo o caso, tenho por certo que em Portugal a eutanásia será uma realidade, se não amanhã, de certeza, depois de amanhã. Ainda bem.

livros, os meus livros, que não lerei

Tendo a consciência que não escreveria tão bem, logo, não conseguiria comunicar ou manifestar de melhor forma, transcrevo excertos de um texto de Arturo Pérez-Reverte, que aqui encontrei e gostei.

Soy viejo cazador de libros, con modales e instintos de serlo. Así que esta tarde, como siempre, me muevo por los puestos con el ojo atento y los dedos rápidos para llenar el zurrón, tan dispuesto como cuando hace cincuenta años llegué a Madrid y empecé, libro a libro, a construir la trinchera en la que vivo y sobrevivo: la biblioteca que creció poco a poco, primero para reconstruir la de mis abuelos y mi padre, y luego haciéndola más personal y propia. La que me permitió comprender el mundo complejo y violento por el que caminé desde muy joven, y que ahora, multiplicada en centenares de estantes y miles de libros, me permite digerir cuanto viví. La que, combinada con lo que recuerdo e imagino, me ayuda a contar historias e interpretar el mundo. Incluso, a soportarlo cuando no me gusta. Esa biblioteca que es lugar de trabajo, refugio y, como dije muchas veces, analgésico; de ésos que no eliminan las causas del dolor, pero ayudan a soportarlo.

(...)

A veces, alguien que ve mi biblioteca pregunta si he leído todos esos libros. Y la respuesta siempre es la misma: unos sí y otros no; pero necesito que estén todos ahí. Una biblioteca es memoria, compañía y proyecto de futuro, aunque ese proyecto no llegue a completarse nunca. Una biblioteca amuebla una vida, y la define. Raro es no advertir el corazón y la cabeza de un ser humano tras un repaso minucioso a los libros que tiene en casa, o que no tiene. Por eso no me lamento por los que no llegaré a leer. Cumplen su función incluso quietos, silenciosos, alineados con sus títulos en los lomos. Puedo abrirlos, hojearlos, recorrerlos despacio, meterlos en la mochila para un viaje. Y aunque muchos no llegue a leerlos jamás, habrán cumplido su misión. Su noble cometido. Cuando comprendí que nunca leería todos los libros que ansiaba leer, y acepté esa realidad con resignada melancolía, cambió mi vida lectora. Se hizo más plena y madura, del mismo modo que, en la primera guerra que conocí, asumir que yo también podía morir cambió mi forma de mirar el mundo. Los libros que nunca leeré me definen y me enriquecen tanto como los que he leído. Están ahí, y ellos saben que lo sé. Si sobreviven al tiempo, al fuego, al agua, al desastre, a la estupidez del ser humano, un día serán de otro. Y lo serán gracias a mí, que tuve el privilegio de rescatarlos de sus miles de naufragios y unirlos a mi vida.

a quem interessar...

17 fevereiro 2020

vergonha

O futebolista Marega enxofrou-se e levou com o cartão amarelo do árbitro. Marega pediu para sair do campo. Da bancada da claque: "Macaco!" Marega continuou enxofrado e a querer sair do campo. Daquela bancada da claque: "Chimpanzé!" Volto à minha tese: depois de tanto ano com os negros a demonstrar que são tão bons, tão maus e tão assim-assim quanto os brancos, houve, no estádio de Guimarães, ontem, uns sub-humanos a serem o que são.
Quanto aos homens vi-os de dois tipos. Árbitros de cabeça perdida, dirigentes e treinadores de cabeça perdida, adeptos (dos dois clubes) de cabeça perdida, comentadores televisivos de cabeça perdida, polícias de cabeça perdida e jogadores do Vitória e do FCP de cabeça perdida, isso de um lado. Do outro, vi o Marega, outra vez enganando-nos com as aparências, gesticulando e gritando, e serenamente fazendo o que havia para fazer: assim não jogo.
Ah, se Pinto da Costa se levantasse e se fosse embora da bancada de honra! Ah se o guarda-redes do Guimarães abandonasse o campo agarrado ao companheiro adversário! Ah se o árbitro Luís Godinho rasgasse o cartão amarelo e o vermelho também, e mostrasse a Marega o cartão branco, o de fair-play, como há dias outro árbitro mostrou a um jogador infantil e nobre, que o avisou ser falso um penálti contra o adversário! Ah se a multidão saísse do estádio quando o Marega entrou no balneário! Ah se o presidente do Guimarães chorasse! Ah se um radialista relatasse: "Marega saiu e eu calo-me"! Ah se os gestos claros e límpidos de Marega causassem a vaga que mereciam...

Ferreira Fernandes, roubado daqui.

12 fevereiro 2020

sindicalizados

Encontrei no blogue Entre as brumas da memória um texto (julgo que um artigo), do economista Ricardo Paes Mamede (RPM), sobre a evolução do sindicalismo em Portugal e o seu estado actual. Ao contrário do que aconteceu nas últimas décadas em Portugal e demais países desenvolvidos, tem vindo a merecer uma crescente atenção e que merecerá toda a nossa preocupação. Escreve RPM que um relatório recente da OCDE afirma que a proporção de trabalhadores sindicalizados em Portugal caiu de 60,8% em 1978 para 15,3% em 2016, o que representará uma das maiores quedas entre os países analisados. Contudo, segundo esse mesmo relatório, a taxa de sindicalização em Portugal mantém-se próxima da média da OCDE e só passou a ser inferior a partir de 2014. É certo que o mundo, as sociedades e as relações de trabalho mudaram muito desde a década de setenta do século vinte, mas isso não justifica na totalidade as percentagens apresentadas, ainda que possamos encontrar várias causas para tal evolução, tal como descreve RPM:

Há várias tendências internacionais que ajudam a explicar a queda nas taxas de sindicalização nas economias mais avançadas: a desindustrialização, o crescimento das formas atípicas de trabalho, a desregulamentação das relações laborais, ou a pressão concorrencial de países com níveis reduzidos de salários e protecção dos trabalhadores. Todos estes e outros factores dificultam a capacidade de organização e de mobilização dos sindicatos, ao mesmo tempo que reduzem o seu poder negocial.


É minha opinião que a percepção generalizada que os portugueses, trabalhadores ou não, têm dos sindicatos nacionais é negativa, corporativista e anacrónica. Sem querer ser simplista ou minimalista na análise, tendo a concordar com esta percepção, pois é aquilo que, muitas vezes, nos chega desse universo: dirigentes envelhecidos que se perpetuam nos cargos, com discursos repetidos e gastos, sem aparente ou perceptível ligação com a realidade dos cidadãos e dos trabalhadores.
As sociedades, em geral e as relações laborais, em particular, precisam da existência dos sindicatos, enquanto representantes com voz activa e poder negocial naquilo que são a contratação colectiva e a concertação social. Ao contrário do que muitos pretendem, eu quero a sua presença nos centros de negociação e decisão, mas sindicatos com rostos e discursos novos, actualizados e que adequem a sua intervenção e sua comunicação ao presente e ao futuro das novas gerações de trabalhadores.

07 fevereiro 2020

tormenta

Dias difíceis estes. Acabo de sair do campo de batalha derrotado, física e psicologicamente, sem ânimo ou vontade de seguir caminho. Desistir seria sempre mais fácil e cómodo. Desta vez o tombo foi grande e doeu (está a doer). Gostava que estes dias passassem céleres, pois sei que serão bons conselheiros e que me irão fazer arrebitar. Esfarrapado, mantenho que o meu caminho é escrever. Continuar a escrever será o porto de abrigo para a tormenta que atravesso.

aprovado

Está aprovado o Orçamento de Estado, o primeiro deste governo minoritário do PS de António Costa e companhia ilimitada. Pela atitude arrogante, sobranceira e chantagista do Primeiro Ministro e demais Ministros nas negociações, debates e até ao momento da votação final, este orçamento nunca deveria ter sido aprovado. Principais culpados, toda a esquerda que se acobardou e teve medo de provocar a queda do governo. Bastaria a questão do IVA na electricidade para não o aprovar. O PS esticou a corda e venceu, derrotou todas as oposições. Ficamos todos a perder.

apaguem a luz

Corrijam-me se eu escrever asneira ou mentira: então o sr. Primeiro Ministro afirmou que a melhor forma de conter a factura da electricidade era não ligar tanto a luz, não aquecer tanto as casas e não baixar o IVA da electricidade de 23% para 6%. Foi mais ou menos isto, certo?
Muito bem, concordo. Acho até que a grande maioria dos portugueses nem deveria ter acesso a esse bem, luxuoso e supérfluo, que é a electricidade. Essa coisa deveria estar disponível apenas para alguns, aqueles poucos, os mesmos de sempre, que dão provas de poderem pagar o que for por esse luxo.
Hipócritas! Como é que aceitamos que a electricidade não seja considerada um bem essencial? Poder acender luzes, poder aquecer casas não é um luxo, é uma necessidade e deveria ser acessível para todos nós.
Sim, o IVA da electricidade deveria ser 6% e não 23%, independentemente, do prejuízo em sede de orçamento de Estado.
Não, o IVA da electricidade não vai descer. Houve uma maioria de deputados que consideram que está bem assim e que quem não pode pagar deve manter-se no escuro e com frio. Bem hajam.

Galiza, a cervejaria


Pela primeira vez na vida fui comer ao Galiza, no Porto. Aproveitando um jantar-reunião, foi sugerido lá irmos em solidariedade com os seus funcionários que, como é sabido, estão numa situação complicada e assumiram a gestão da empresa, substituindo os donos que pretendiam encerrar a casa. Muito bem, gostei da iniciativa e senti-me confortável com a atitude solidária. O jantar correu bem, trabalhámos e confraternizámos. Todos pediram francesinha com cerveja. Esta era muito boa (de Leça), mas a dita francesinha não era especial, não me convenceu. Lamento, mas não volto a repetir. Gostei do atendimento simpático e prestável e a sala, apesar da decoração antiga, é aprazível.

mediascape: desinformação

Então a ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social) aceitou e registou como "informativo" um site de propaganda e fake-news?!... Pelos vistos! Assim se promove a desinformação generalizada do país e seus cidadãos. Muito bem feito, sim senhores!

05 fevereiro 2020

aproximações e afinidades

A correspondência é um monólogo a dois; o diário uma correspondência a várias vozes. Ambos apresentam, contudo, um traço comum: são formas diferenciadas de autobiografia, porquanto a procura que lhes subjaz obedece a uma autêntica demanda de identidade.
(Marcello Duarte Mathias, in Colóquio Letras nº 202 - Setembro/Dezembro 2019)

04 fevereiro 2020

"we have no more beginnings"


Morreu ontem com 90 anos George Steiner. Pensador, filósofo e crítico literário, foi e é um dos maiores sábios da contemporaneidade. Conheço parte considerável da sua obra - ensaios, reflexões e literatura, e tenho a maior admiração pelo seu conhecimento e pelo seu percurso académico. Com o seu desaparecimento, desaparece também uma geração de pensadores que percorreram todo o século XX e as duas primeiras décadas do XXI.
Eu sei em que contexto ele um dia escreveu: we have no more beginnings, mas prefiro continuar a acreditar que nós (cada um de nós e nós enquanto comunidade ou espécie) teremos sempre a possibilidade de novos começos. Assim possa ser.