Na ressaca das eleições legislativas de ontem, nas quais o PS conseguiu uma clara e inequívoca maioria absoluta, importa-me reflectir sobre o resultado da minha família partidária. Apesar desta maioria do PS ter provocado uma tempestade de maus resultados em todo o espectro partidário, o maior derrotado foi, não tenho dúvidas, o Bloco de Esquerda.
E aquilo que mais me incomoda a amígdala é a sensação de que os seus dirigentes estão em negação e não percebem aquilo que, por culpa própria, lhes aconteceu. Na minha modesta e humilde opinião, o resultado desastroso de ontem, em que passámos de um grupo parlamentar de 19 para um grupo parlamentar de 5 deputados; mais, em que só elegemos em Lisboa (2), no Porto (2) e em Setúbal (1), teve origem na péssima decisão de terem votado contra o Orçamento de Estado e, em consequência, provocado estas eleições. Ainda hoje não consigo entender o leitmotiv dessa decisão... é que:
a) O Bloco tinha um grupo parlamentar de 19 deputados;
b) Na Assembleia da República existia uma confortável maioria de esquerda;
c) O PS, sem maioria, estava obrigado a negociar com os demais partidos, ou seja, o Bloco de Esquerda podia influenciar a governação do país;
Pelos vistos, para os dirigentes e inteligências do Bloco essa realidade não satisfazia, não era suficiente, e servindo-se de um argumento contra-producente - que o PS não estava interessado em negociar e queria ir para eleições - chumbou o orçamento, comportando-se precisamente como o PS e António Costa pretendiam. Se sabiam que essa era a vontade de António Costa, o BE só podia ter contrariado, abstendo-se na votação do orçamento, obrigando o PS a governar e a continuar a negociar cada política, cada lei, cada medida ou acção e, assim, o ónus da crise política não caía em cima do Bloco.
Só que não, convencidos não sei do quê, completos idiotas úteis, fizemos o trabalho sujo ao PS e arcámos com a responsabilidade da crise política (em parceria com o Partido Comunista), para então António Costa, com mestria, construir a narrativa que mais lhe interessava - a da vitimização às mãos dos partidos à sua esquerda. Parabéns, pois conseguiu todos os seus objectivos: derrotar o PSD, ter uma maioria absoluta e, sem dó e piedade, humilhar o Bloco e a CDU.
Aquilo que hoje gostaria de perguntar aos dirigentes do Bloco - cuja existência reside algures no etéreo universo do parlamento e desligado das suas estruturas e bases, assim como alheada cada vez mais da realidade da vida de rua, dos trabalhadores e dos portugueses - era: Se o anterior orçamento não servia aos portugueses e por isso foi chumbado, o próximo, construído e suportado por uma maioria parlamentar do PS, é que merecerá o apoio do Bloco? Brincaram com o fogo, queimaram-se e as cicatrizes demorarão pelo menos 4 anos a sarar.
Mais, o grupo parlamentar do BE precisa ser renovado, pois independentemente da qualidade daqueles que lá estiveram e dos poucos que se mantêm, já lá estão à tempo a mais. Quantas legislaturas já fez cada um dos eleitos pelo BE? José Soeiro, Catarina Martins, Pedro Filipe Soares, Mariana e Joana Mortágua? Não será já o tempo de termos caras novas, com ideias novas e que tragam um rejuvenescimento ao grupo parlamentar? Por último, a coordenação do Bloco também precisa de um rosto novo. A Catarina Martins, que tanto fez pelo partido, pela democracia e pelo país, também está na coordenação há muito tempo. O seu discurso já não entusiasma, não é capaz de seduzir gente de fora do movimento, o que se tem traduzido em sucessivas derrotas eleitorais.
Idiotas úteis e ainda por cima esquizofrénicos e em negação. Mau demais.
* Esta expressão ouvia ontem, no decorrer da noite eleitoral, da boca de um dos comentadores que assim adjectivou os partidos à esquerda do PS (Bloco e PC).
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