" Vale a pena ler este trecho de Umberto Eco, do livro A Memória Vegetal:
Mas o bibliófilo também sabe que o livro terá longa vida, e percebe isso justamente ao examinar com olhos amorosos as próprias estantes. Se toda aquela informação que acumulou tivesse sido gravada, desde os tempos de Guttenberg, em suporte magnético, teria conseguido sobreviver por duzentos, trezentos, quatrocentos, quinhentos, quinhentos e cinquenta anos? E teriam sido transmitidas, com os conteúdos das obras, as marcas de quem as tocou, consultou, anotou, maltratou e repetidas vezes sujou com impressões digitais? E poderia alguém apaixonar-se por uma disquete como se apaixona por uma página branca e dura que faz craque-craque sob os seus dedos como se acabasse de sair da prensa?
Como é belo um livro, que foi pensado para ser tomado nas mãos, na cama, num barco, onde não existem tomadas eléctricas, onde e quando qualquer bateria descarregou, e suporta sublinhados e cantos dobrados, e pode ser deixado cair no chão ou abandonado aberto no peito ou sobre os joelhos quando se adormece, cabe no bolso, estraga-se, registando assim a intensidade, a assiduidade ou a regularidade das nossas leituras, e nos recorda (se parecer intocado ou estiver intonso) que ainda não o lemos... "
(Afonso Cruz, in Jornal de Letras nº 1352, Julho e Agosto de 2022)
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