19 setembro 2018

mediascape:aliança e impostos

Leio no Diário de Notícias online que Santana Lopes, hoje e no momento em que formalizava a fundação do seu novo partido, no Tribunal Constitucional, afirmou que a Aliança tem como missão a redução de impostos... se quiserem pôr um rótulo na Aliança é: menos impostos.
A sério Dr. Santana Lopes?! Então e onde irá buscar o valor correspondente a essa redução de impostos? Esta era a questão que lhe deveria ter sido, de imediato, colocada pelos jornalistas presentes, mas não, para punch-line é mais do que suficiente e servirá para as parangonas das próximas horas e dias.
Ainda assim, nós sabemos a resposta a essa hipotética pergunta. Para desobrigar aqueles que mais podem pagar impostos, o Sr. Dr. Santana Lopes irá compensar os cofres da fazenda pública, obrigando aqueles que menos têm, logo menos podem pagar - os trabalhadores, pensionistas e desempregados, assim como irá reduzir os encargos com as obrigações de um estado social, ou seja, reduzir investimentos na educação, saúde e justiça.
Se comparado com estes senhores da Aliança, Mário Centeno (e as suas cativações), é um mãos-largas.

18 setembro 2018

esplanadas

Lugar, por excelência, para eu estar. Lugar, vivido e sentido, para eu ficar. O gostar de esplanadas poderá, melhor, deverá, ser entendido como uma declaração do meu estado ideal de existência. É lá que habito considerável parte do meu tempo estival. Condição essencial: ter sombra. É que só os lugares equipados com esse equipamento, que me permite ficar, se podem designar como tal; Condição quase-essencial, mas em certas circunstâncias, prescindível: ter Wi-Fi. Maior parte das vezes até nem é necessário estar ligado na rede, mas confesso que me sinto mais confortável, sabendo que a qualquer momento poderei conectar-me.
As esplanadas são o meu lugar de Verão.

mediascape: os buracos e os ridículos

Ele há coisas que de tão estúpidas, idiotas ou parvas, não queremos acreditar que possam ser verdade. O caso em apreço aconteceu, ou pelo menos foi notícia, este Verão e constituiu-se do seguinte teor:
Uma instituição norte-americana, a Healthline, através do seu sítio na internet, publicou um guia direccionado para a comunidade LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgéneros, Queers, Intersexuais e Assexuais), onde sugere a substituição da designação médica de vagina pela designação de buraco da frente, tudo em nome de um discurso mais inclusivo e para não ferir a susceptibilidade das referidas comunidades, assim como para não discriminar as pessoas com identidade trans ou não-binária.
Buraco da frante?!?!?
Esta gente não sabe mais como chamar a atenção e, assim sendo, vão produzindo estas alarvidades linguísticas, apenas e só para serem vistos, para manterem os holofotes mediáticos na sua causa (?), nos seus discursos e nos seus comportamentos. Deixem-se de merdas, a vagina há-de ser sempre a vagina, ou melhor, a cona há-de ser sempre a cona (e façam o favor de a pronunciar, tratar e designar em maiúsculas). Obrigado.

Post-Scriptum
A estas mentes brilhantes e talentosas, sempre na vanguarda do saber, apetece-me aconselhar, tal como já fiz anteriormente e noutros contextos, a leitura de:

09 setembro 2018

LER

Cada vez mais atrasada em relação à respectiva estação do ano, aí está a revista LER do Verão de 2018. Vamos LER.

03 setembro 2018

coesão territorial

Ao ler a entrevista do Presidente da Câmara Municipal de Lisboa ao Expresso e ao perceber a sua intenção de impor ao Governo, em sede de orçamento de Estado, a redução dos preços dos passes sociais de Lisboa e dos 18 concelhos que pertencem à Grande Lisboa, lembrei-me de imediato daquele projecto "Movimento pelo Interior" que apareceu com grande protagonismo mediático algures no mês de Maio, ou seja, há cerca de quatro meses, com um programa subscrito por várias luminárias, especialistas e reconhecidos académicos, e composto por um conjunto de medidas que prometiam inverter o eterno e crónico abandono do interior do nosso país.
Pois bem, mesmo com esse relatório e essas propostas em mãos, o Governo não consegue inverter, ou pelo menos simular essa inversão do forte centralismo da capital. Não só não vamos ter qualquer medida efectiva de promoção do interior, como vamos reforçar o peso de Lisboa e suas populações na despesa no Orçamento de Estado que se avizinha.
Na altura em que foi conhecido o documento desse Movimento pelo Interior, não tendo tido tempo para o ler com atenção, imprimi-o e guardei-o para estes dias de férias. Está lido e avaliado. Em breve trarei aqui as minhas considerações. Em todo o caso, mais do mesmo!... com aparato, com pomposos signatários, com luzes e laçarotes, mas nove fora nada. Certo?!

mediascape:irreparável


Imagens como esta não podem deixar de nos incomodar, mas sabendo que se trata do centenário Museu Nacional do Brasil, no Rio de Janeiro, a impressão ainda é maior. Não podemos ficar indiferentes à destruição completa e definitiva do maior acervo e espólio da cultura brasileira e sul americana. Era neste bonito palácio oitocentista que se encontrava o maior acervo histórico e antropológico da cultura brasileira, logo, sul americana, logo, ameríndia, logo, portuguesa.
Lamentável é saber que esta jóia da cultura brasileira foi, nos últimos anos, esquecida e desprezada pelo poder e que já desde 2014 que a sua dotação financeira não era satisfeita totalmente. Segundo relatos que nos chegam do lado de lá do Atlântico, o seu orçamento anual era pequeno e mesmo assim prescindível para a sua tutela. Uma vergonha e uma irreparável perda.

01 setembro 2018

mediascape:inveja

Toma hoje posse como Responsável da Biblioteca apostólica e do Arquivo do Vaticano José Tolentino Mendonça. Na entrevista que dá ao Público de hoje confessa que a sua primeira preocupação é ocupar-se dos relatórios sobre o estado actual da Biblioteca e do Arquivo. Serão as suas leituras prioritárias. Mas como bibliotecário deverá enamorar-se também pela espantosa biblioteca e tem uma lista mental infindável de tesouros que gostaria de encontrar no tempo, e exemplifica:
- Codex Vaticanus, do século IV, que contém o mais antigo texto completo da Bíblia em grego;
- Os dois volumes da Bíblia de Gutenberg, que foi o primeiro livro impresso no Ocidente, segundo a técnica de impressão moderna;
- As Etymologiae, de Santo Isidoro de Sevilha, que contêm um dos primeiros tratados sobre como organizar uma biblioteca;
- A Commedia de Dante ilustrada por Sandro Botticeli;
- O Apocalipse de São João ilustrado por Albrecht Durer;
Para lá das escolhas pessoais, a verdade é que o sentimento que me assalta é muito pouco cristão, e não posso deixar de sentir considerável inveja pelo privilégio de aceder a tamanho tesouro.

mediascape:horários

Discussão do momento: deve-se ou não continuar a mudar a hora na Europa, entre os horários de Verão e de Inverno?
Sondagens a nível europeu para um lado, pareceres técnicos e de especialistas para outro lado, aquilo que vai acontecer, já percebi, é que o horário de Verão vai ser o escolhido e deixaremos de atrasar o relógio no mês de Outubro.
Para ser sincero, não quero saber se alternamos ou não entre os dois horários; não me interessa; não me preocupa; nem percebo a importância dessa discussão. É-me indiferente acordar de dia ou acordar de noite; é-me indiferente regressar a casa ainda de dia ou já de noite. Façam o que bem entenderem.
No entanto, naquilo que pude perceber das preocupações dos técnicos/especialistas, a escolha de um horário e o fim da alternância entre horários poderá trazer alguns distúrbios às crianças e jovens, naquilo que poderá ser alguma confusão em acordar e ir para a escola ainda de noite. Pois bem, na minha mais insignificante opinião, o que está errado, e não é de agora, é fazer as crianças de 4, 5, 6, 7 anos entrarem na escola entre as oito e as nove da manhã. Se querem fazer algo de benéfico, alterem os horários escolares e distribuam-nos pelo dia e não os façam madrugar para estudar. Nunca percebi esta imposição da escola começar às 8:15, ou às 8:30, ou às 9:00. Tanto dia, tantas horas, tanta tarde, tanta luz solar para aproveitar.

mediascape:vale dos caídos

Vale dos Caídos, nas imediações de Madrid, é o altar da extrema-direita espanhola, onde se presta o culto a Franco e a Primo Rivera. É igualmente o símbolo máximo e paradigmático das históricas cisões na sociedade espanhola, que se traduz num contencioso permanente que chegou aos nossos dias. Acontece que o governo socialista de Pedro Sánchez, não só quer exumar os restos mortais do ditador Franco que se encontram sepultados nesse local, como pretende transformar o Vale dos Caídos num memorial às vítimas da Guerra Civil e do franquismo, assim como criar uma Comissão de Memória, com a vigência de dois anos e com a finalidade de apurar a verdade do que ocorreu, contribuir para o esclarecimento das violações de direitos humanos e das graves infracções cometidas durante a Guerra Civil e o franquismo. Tarefas, todas elas, de difícil concretização, pois as feridas abertas nesse período negro da história de Espanha ainda não estão saradas e, seja por omissão, seja por ocultação, nunca houve um verdadeiro ajuste de contas com o passado.
A este propósito, hoje no jornal Público, o seu director - Manuel Carvalho, e em editorial, escreve que "a exumação do cadáver de Franco e as melhores formas de matar a simbologia extremista do Vale dos Caídos" demonstra como "a Espanha continua a debater-se com os vírus que originaram o franquismo e que, ainda hoje, persistem em perturbar o seu metabolismo nacional", enraizados na sociedade através de um radicalismo de direita e em instituições como a Igreja.
Manuel Carvalho tem razão quando afirma que não basta apagar os lugares da memória para que esta seja erradicada do presente, mas também será verdade que sem esses lugares de memória, será bem mais difícil, geracionalmente, perpetuar essas memórias. Só podemos e devemos desejar que o PSOE seja, finalmente, bem sucedido neste seu propósito.

setembro, dia primeiro

Ainda que o regresso só esteja previsto para os próximos dias, o dia primeiro de Setembro é, para mim, dia de retomar algumas rotinas e de recuperar pensamentos, ideias e preocupações. O mês que agora inicia é sempre muito grande, pleno de tarefas e eventos aos quais não conseguimos escapar. Depois destes dias e semanas de férias em que estive ausente e me abstive de aqui vir, é tempo também de retomar o hábito de partilhar aquilo que me importa e interessa. Comecemos.

09 agosto 2018

23 julho 2018

mediascape: contramão

Aconteceu um destes dias. Vários condutores que circulavam na A12, perante o cenário de um grande incêndio próximo da auto-estrada, que provocava imenso fumo, resolveram fazer inversão de marcha e circular em contramão.
Não sei qual teria sido a minha reacção numa situação destas, mas apesar de saber que tal atitude é muito perigosa, parece-me extemporânea a reacção da Protecção Civil, ao condenar esses condutores. Para além disto, não me restam dúvidas que tal comportamento só aconteceu porque na memória de todos nós estão ainda todos aqueles que morreram nas estradas portuguesas, vítimas dos incêndios do último Verão. É muito preocupante percebermos que, apesar de todas as promessas por parte das autoridades, os cenários de pânico, de perigo eminente, de reacções extemporâneas, permanecem, estão latentes. Sorte ainda não ter vindo calor a sério.

17 julho 2018

as identidades que matam


Não recordo o dia, nem a hora, mas sei que foi numa conversa com o cantor José Mário Branco, nas últimas semanas, que ouvi da boca do cantor que um dos livros que mais o marcaram foi este "Identidades Assassinas" de Amin Maalouf. Fiquei curioso, até porque já conhecia o autor, de um outro seu trabalho magnífico em que vai em busca das suas "Origens". Procurei-o nas lojas do costume e logo me apercebi que não seria fácil encontrá-lo. Trata-se de uma edição de 1999 da extinta Difel e, por isso, só em alfarrabistas ou na internet o poderia encontrar. Numa busca na internet e contactando vários alfarrabistas, apenas consegui que dois me respondessem afirmativamente. Finalmente o livro cá me veio parar às mãos e foi com alguma expectativa que depressa o li.
Trata-se de uma reflexão do autor - franco-libanês - acerca da importância das identidades individuais, da importância dos sentimentos de pertença a um determinado grupo e da relevância dessas dimensões identitárias na evolução das sociedades, no confronto de ideologias, na sobrevivência das comunidades, nas disputas religiosas e origens dos movimentos extremistas, radicais e fundamentalistas, e no enorme hiato que existe entre as civilizações ocidental e oriental/muçulmana.
Perfeitamente datado e contextualizado - final do século XX (antes do 11 de Setembro de 2001, entre outros) - poderemos até considerá-lo ultrapassado em várias das suas afirmações, mas em todo o caso, parece-me pertinente atentar nalgumas das questões suscitadas:

Porquê estes véus, estes tchadors, estas barbas severas, estes apelos ao assassínio? Porquê tantas manifestações de arcaísmo, de violência? Será tudo isto inerente a estas sociedades, à sua cultura, à sua religião? Será o Islão incompatível com a liberdade, com a democracia, com os direitos do homem e da mulher, com a modernidade?

As respostas não são simples e o autor afirma que não acredita no exagero da influência das religiões sobre os povos, enquanto se negligencia a influência dos povos sobre as religiões, exemplificando, com o caso europeu. Se o cristianismo modelou a Europa, a Europa também modelou o cristianismo. Este é hoje o que as sociedades fizeram dele. Elas transformaram-se, material e intelectualmente, e transformaram consigo o seu cristianismo (p.74). Reforça esta ideia, escrevendo que a sociedade ocidental inventou a Igreja e a religião que tinha necessidade, tal como no mundo muçulmano, a sociedade produziu constantemente uma religião à sua imagem e que quando os muçulmanos atacam violentamente o Ocidente, não é só por serem muçulmanos e por o Ocidente ser Cristão, é também por serem pobres, dominados, ridicularizados e por o Ocidente ser rico e poderoso.
Um pouco mais à frente, o autor dedica-se à explicação/justificação da tal enorme diferença que podemos verificar entre o mundo ocidental e o resto do mundo, afirmando:

Esta primavera formidável da humanidade criadora, esta revolução total, científica, tecnológica, industrial, intelectual e moral, este longo trabalho “de buril” efectuado por povos em plena mutação, que todos os dias inventavam e inovavam, que sem cessar faziam tremer as certezas e sacudiam as mentalidades, não foi um acontecimento entre outros, foi único na História, foi o acontecimento fundador do mundo tal como o conhecemos hoje, e produziu-se no Ocidente - no Ocidente e em nenhum outro lugar. (...) Será que esta mutação se produziu graças ao cristianismo, ou apesar do cristianismo? (...) A emergência, no Ocidente, durante os últimos séculos, de uma civilização que iria tornar-se, para o mundo inteiro, a civilização de referência, tanto no plano material como no plano intelectual, de tal modo que todas as outras se encontraram marginalizadas, reduzidas a um estado de culturas periféricas, ameaçadas de extinção. (...) A partir de que momento se tornou esta predominância da civilização ocidental virtualmente irreversível? A partir do século XV? Nunca antes do século XVIII. Do ponto de vista que hoje é o meu, pouco importa. O que é certo, e fundamental, é que um dia uma civilização resoluta tomou as rédeas da carruagem planetária nas suas mãos. A sua ciência tornou-se a ciência, a sua filosofia tornou-se a filosofia, e este movimento de concentração e de “estandardização” nunca mais parou, pelo contrário, não deixa de acelerar, alargando-se ao mesmo tempo a todos os domínios e a todos os continentes. (p.81 e 82)

Uma crise de identidade é associada à causalidade de vários sentimentos de repulsa, aversão e repúdio face ao mundo ocidental...

A felicidade do mundo e a sua infelicidade, tudo isto veio do Ocidente.
Onde quer que se viva neste planeta, toda a modernização é, daqui em diante, ocidentalização. Uma tendência que os progressos técnicos não fazem senão acentuar e acelerar. Um pouco por todo o lado encontramos, evidentemente, monumentos e obras que trazem consigo a marca de civilizações específicas. Mas tudo o que se criou de novo - quer se trate de construções, instituições, instrumentos de conhecimento, ou modos de vida - foi criado à imagem do Ocidente. (...) Esta realidade não é vivida da mesma maneira pelos que nasceram no seio da civilização dominante e por aqueles que nasceram fora dela. Os primeiros puderam transformar-se, avançar na vida, adaptar-se, sem deixar de serem eles mesmos; poderíamos mesmo dizer que, para os ocidentais, quanto mais se modernizam, mais se sentem em harmonia com a sua cultura, somente os que recusam a modernidade se encontram desfasados. Para o resto do mundo, para todos aqueles que nasceram no seio de culturas desfeitas, a receptividade à mudança e à modernidade coloca-se em termos muito diferentes. Para os chineses, para os africanos, os japoneses, os indianos ou os ameríndios, assim como para os gregos e os russos, para os iranianos, os árabes, os judeus ou os turcos, a modernização implicou constantemente o abandono de uma parte de si mesmos. Mesmo quando ela suscitava por vezes o entusiasmo, nunca se desenrolava sem uma certa amargura, sem um sentimento de humilhação e de renúncia. Sem uma interrogação dolorosa sobre os perigos da assimilação. Sem uma profunda crise de identidade. (p.83 e 84)

Pode-se bem imaginar o sentimento que poderão experimentar os diferentes povos não ocidentais, para quem, desde há numerosas gerações, cada passo na sua existência se acompanha de um sentimento de capitulação e de negação de si próprios. Foi-lhes necessário reconhecer que o seu saber estava ultrapassado, que tudo o que produziam nada valia comparado com o que se produzia no Ocidente, que a sua manutenção da medicina tradicional resultava da superstição, que o seu valor militar não passava de uma reminiscência, que os seus grandes homens que tinham aprendido a venerar, os grandes poetas, os sábios, os militares, os santos, os viajantes, não contavam para nada aos olhos do resto do mundo, que a sua religião era suspeita de barbárie, que a sua língua era estudada apenas por meia-dúzia de especialistas… (…) Sim, a cada passo da sua vida, encontram uma decepção, uma desilusão, uma humilhação. Como não ter uma personalidade mortífera? Como não sentir a sua identidade ameaçada? Como não ter o sentimento de viver num mundo que pertence aos outros, que obedece a regras ditadas pelos outros, um mundo onde se sentem órfãos, estrangeiros, intrusos ou párias? (p.86 e 87)

O autor termina a sua reflexão partilhando aquilo que considera serem as inquietações da mundialização actual:

a) uniformização pela mediocridade - a ideia segundo a qual a efervescência actual, mais do que conduzir a um enriquecimento extraordinário, à multiplicação dos meios de expressão, à diversificação de opiniões, conduz paradoxalmente ao inverso, ao empobrecimento: assim, esta multiplicidade desenfreada de expressões musicais apenas desembocará, no final de contas, numa espécie de música de ambiente, afectada e adocicada. Assim, o formidável cadinho de ideias terá como resultado uma opinião unanimista, simplista, um menor-denominador-comum intelectual, a tal ponto que toda a gente, à excepção de um punhado de excêntricos, acabará por (…) engolir o mesmo caldo informe de sons, de imagens e de crenças;
b) uniformização pela hegemonia - Será a mundialização algo mais do que uma americanização? Não terá ela como consequência principal o impor ao mundo inteiro uma mesma língua, um mesmo sistema económico, político e social, um mesmo modo de vida, uma mesma escala de valores, os dos Estados Unidos da América? A acreditar em algumas pessoas, o conjunto do fenómeno da mundialização não passaria de um disfarce, de uma camuflagem, de um cavalo de Tróia, sob o qual se dissimularia uma empresa de dominação. É legitimo interrogarmo-nos se a mundialização não irá reforçar a predominância de uma civilização ou a hegemonia de uma potência. Isto apresentaria dois perigos graves: o primeiro, o de vermos, pouco a pouco, desaparecer línguas, tradições, culturas; o segundo, o de vermos os membros dessas culturas ameaçadas adoptarem atitudes cada vez mais radicais, cada vez mais suicidas.
Os riscos de hegemonia são reais. (p.126 a 129)

um homem bom


A notícia chegou madrugadora. Morreu João Semedo, dirigente e ex-coordenador do BE. Notícia esperada, mas sempre triste. Foi uma enorme honra ter conhecido e ter privado com o João.





Alguns dos momentos em que o acompanhei por terras de Trás-os-Montes.

30 junho 2018

organizar o silêncio

No passado dia 22 de Maio, quando da sua morte, a minha reacção perante aquilo que foi dito e escrito sobre ele, foi resgatar das prateleiras do armário, onde vou amontoando livros, os dois que sabia ter, para os colocar mais perto de mim e, assim que possível, os ler. Sabia da sua qualidade, sabia da sua importância para o consciente e para o inconsciente americano, sabia da sua importância para o retrato de uma determinada América - a da luta entre os géneros, entre as raças, entre as classes sociais, entre as confissões religiosas - sabia da sua importância para o (re)conhecimento de um ethos social e cultural nem sempre perceptível ou identificável. Por tudo isto e mais, sabia que teria que ler Philip Roth. Foi por isso que, um dia, comprei esses dois livros.
Agora, terminei a leitura de um deles, A Mancha Humana, onde o autor faz um retrato de vidas americanas do pós-guerra (2ª guerra mundial e Vietname), com todas as suas convulsões políticas e sociais, as suas manias e convenções, os seus tiques e hipocrisias. Segundo Roth, a mancha humana (americana) contamina e destrói tudo à sua volta, destrói a natureza e contamina os animais.
O narrador desta história, Nathan Zuckerman, que a determinada altura da sua vida desistiu da vida social e foi viver na solidão da montanha, a esse propósito, afirma:

O segredo de viver com um mínimo de sofrimento na voragem do mundo reside em atrair o maior número de pessoas para as nossas ilusões; o truque para viver sozinho aqui em cima, longe de todas as perturbadoras confusões, seduções e expectativas, afastado, sobretudo, da própria intensidade, consiste em organizar o silêncio, em pensar na sua plenitude de cume de montanha como capital, no silêncio como riqueza crescendo exponencialmente. No silêncio circundante como a fonte de proveito que escolhemos e a nossa única coisa íntima.

De facto, reflectindo sobre esta citação que tanto me diz, organizar o silêncio não é tarefa fácil ou simples. Não é, acima de tudo, acessível a qualquer um. Desconfio até que para a maioria dos indivíduos o silêncio é dispensável e dele fogem permanentemente, preferindo as referidas voragem, intensidade e confusão. No que a mim diz respeito, revejo-me integralmente nesta frase do narrador [ e por isso a trago aqui]; projecto-me para essa solidão, para esse isolamento, idealizo-me nessa necessidade, nessa ânsia pelo silêncio. Não sei, talvez um dia o alcance e, depois, o consiga organizar.

16 junho 2018

reset to USA democracy


Depois de ter visualizado, no youtube, o lançamento/debate deste livro, na feira do livro de Lisboa, em que participaram Daniel Oliveira e Pacheco Pereira, foi com bastante curiosidade que li, nas últimas horas, este pequeno livro, editado em Portugal pela Tinta da China.
Trata-se de um ensaio de um pensador político de esquerda, assumidamente de esquerda, que, através de uma escrita acessível ao comum dos leitores, faz uma crítica acérrima e assertiva (ainda que num ou noutro ponto discutível) à esquerda americana, ou seja, aos liberais e aos democratas. Segundo este autor, a esquerda americana, ao longo das últimas décadas, desde a presidência de Ronald Reagan, concentrou todas as suas energias na adesão ao liberalismo identitário e na defesa de políticas identitárias, entregando-se sem resistência à política dos movimentos sociais assentes na identidade, perdendo qualquer noção daquilo que os cidadãos partilham e daquilo que une a nação. Consequência disto, não são capazes de reflectir sobre o bem comum, não conseguem perspectivar uma ideia de futuro partilhado e, acima de tudo, promovem um narcisismo económico, uma guetização, ou um sectarismo, ou ainda, uma balcanização das minorias entre si, levando ao alheamento e indiferença do seu eleitorado habitual(?).
Ao mesmo tempo, Mark Lilla, entende que a eleição de Donald Trump e a sua presidência propiciaram o momento ideal para a esquerda começar de novo ("reset"): reconstruir a identidade em torno do que une o povo, encorajando o sentido de dever mútuo e inspirando todos na nação e no resto do mundo.

Os movimentos que remodelaram o nosso país ao longo dos últimos 50 anos tiveram um impacto muito positivo, especialmente na forma como mudaram, como se costuma dizer, corações e mentes. O que talvez seja a coisa mais importante que qualquer movimento concretiza, (...) mas durante um período de tempo considerável os movimentos não são capazes só por si de atingir fins políticos concretos. Precisam de políticos e funcionários públicos integrados no sistema, solidários com as metas do movimento, mas dispostos a empenhar-se no trabalho lento e paciente de fazer campanha eleitoral, conceber e negociar a aprovação de legislação, e controlar a burocracia que assegura a sua aplicação. (página 88)

08 junho 2018

mediascape:desintoxicação

“Ninguém poderá encontrar o seu caminho num mundo tecnológico se não souber ler, escrever, contar, respeitar os outros e trabalhar em equipa. Os telemóveis são um avanço tecnológico, mas não podem monopolizar as nossas vidas”.
Jean-Michel Blanquer, ministro da educação.

Soube-se hoje que a Assembleia Nacional francesa aprovou a proibição do uso de telemóveis nas escolas da República Francesa. Medida que entrará em vigor a partir do próximo ano lectivo.
Muito bem. Não poderia estar mais de acordo, pois tal como é dito pelos promotores deste projecto-lei, agora aprovado, esta é uma medida de desintoxicação, que tem por objectivo contribuir para a redução das distracções em sala de aulas e combater casos de bullying.
Bem podia a República Portuguesa imitar a Francesa e decretar também a proibição dos telemóveis em espaços escolares. Eu subscreveria tal medida.

o experimentalista


A notícia chegou-me à hora de almoço. Anthony Bourdain morreu; ter-se-á suicidado.
A sério?
O espanto perante a notícia do seu suicídio acontece naquilo que era, ainda é, a convicção de que alguém que é pago para viajar pelo mundo e suas cidades, a conhecer culturas e gastronomias tão diversificadas, é reconhecido, é apreciado e é famoso, não poderia ter razões para acabar com a sua vida. Quem não gostaria de poder ter uma vida semelhante?!...
Enfim, aquilo que me atraiu em Bourdain e que fazia com que o tolerasse - sim, não há pachorra para tanto especialista, tanto chef, tanto programa/concurso sobre cozinha e sobre empratamentos, já para não falar da inenarrável e moderníssima experiência em que se transformou o verbo comer - era o seu aparente (isto porque em televisão não vemos tudo) desalinhamento em relação ou status quo gastronómico vigente nos últimos anos. A sua capacidade de adaptação às diversas experiências gustativas, a sua vontade de experimentar, a sua tolerância para tudo quanto, nos dizem que, faz mal à saúde, a promoção que fazia a ingredientes, pratos e especialidades marginais, ausentes das grandes cozinhas e dos menus dos "grandes" chef's e especialistas. Acima de tudo, nos seus programas de televisão, agradava-me o seu apetite por todo o tipo de comida, a sua vontade de experimentar, a sua vontade de comer.

antologia autores transmontanos

O convite surgiu nos primeiros meses de 2017. A Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro de Lisboa organizou esta antologia de autores transmontanos e solicitou a sua organização/coordenação ao seu sócio e membro Dr. Armando Palavras.
Eu respondi ao desafio com um texto sobre as Nomeadas em Trás-os-Montes. O livro foi lançado no passado dia 26 de Maio, em Lisboa, no IV Congresso de Trás-os-Montes e Alto Douro, organizado pela mesma Casa de Trás-os-Montes e Alto Douro.
Ainda não tive a oportunidade de olhar para o resultado final, pois não tendo ido ao referido congresso, ainda não me enviaram o exemplar a que tenho direito enquanto autor. Aguardo com expectativa a sua chegada. Por enquanto, apenas conheço a capa do mesmo...

04 junho 2018

"O vinho é o novo alvo dos proto-higienistas"

Transcrevo todo o texto, porque a mensagem deve passar na íntegra e não fora do seu contexto. Cambada de palermas.

Não é fácil explicar a um europeu que viva a norte dos 45º de latitude, que nós (no Sul) bebemos vinho às refeições, que temos o costume de não beber vinho como os finlandeses bebem vodka, que raramente bebemos sem comer, que dois copos de vinho por dia não são uma ameaça à paz mundial (como determinou o SNS britânico) – e que desprezamos o seu hábito de beber forte durante dois ou três dias (até cairem) e de aparecerem, depois, como puritanos, em culottes, com mau hálito e a implicar com tudo. Parece que há na UE uma “corrente de pensamento” proto-higienista, fomentada por burocratas que usam todos a mesma gravata, as mesmas cuecas e o mesmo tom de pele, que quer equiparar as garrafas de vinho a cargas de álcool eslavo, inutilizando os nossos rótulos com avisos mortais e ameaças de morte (à semelhança dos maços de tabaco). Se isso acontecer, Portugal e outros países civilizados do Sul da Europa devem pedir a rápida desanexação da UE. Esta é, por isso, uma crónica racista: contra a raça dos palermas e dos rostos pálidos que não sabem distinguir um vinho (com a sua carga de cultura, tradição, brilho, humanidade) de uma ampola de vodca bebida no aeroporto. Ninguém me convence de que isto não é uma conspiração de fascistas tolos, ainda por cima – lamento dizê-lo, ó pátria de grandes bebedores – irlandeses, o que é uma pena.

(Francisco José Viegas, no seu blogue - A Origem das Espécies. Aqui)