03 março 2011

salas de espera

Serão sempre lugares interessantes para algum trabalho de campo, mais ou menos discreto, mais ou menos participante, que permitem exercitar as capacidades de observação e de registo. Numa madrugada destas noites frias, na sala de espera de acompanhantes do serviço de urgência do Hospital Santos Silva, em Vila Nova de Gaia:
A sala, tipo aquário, é uma transparência, sem privacidade e com excelente iluminação, por contraste com toda a envolvência exterior. Três filas de cadeiras disponíveis em cada lado da sala, viradas para o seu centro, obrigam os presentes a um permanente contacto visual, duas máquinas de vending vão servindo bebidas e comidas, e roubando nos trocos aqueles que não lhe dão a quantia certa. É a murros e alguns pontapés que os lesados compensam a sua perda. Por cima de todo o burburinho permanente de vozes, o som estridente de uma TV que, pendurada numa parede, transmite (presumo uma gravação) uma telenovela da TVI. Enquanto aguardo pela minha criança e sentado numa extremidade da sala, entretenho-me observando os deliciosos pormenores destes estranhos que me envolvem. Neste corrupio de gente que entra e sai e sai e entra, por enquanto, ainda ninguém se chegou sequer perto de mim. Estranharão o meu aspecto? Desconfiarão da minha aparente alienação? Ou não querem saber e apenas assim calhou? Não me interessa. Importa-me ver como, enquanto alguns dormitam e depois são abruptamente despertos pelo som ranhoso do altifalante que lhes pedem a presença na porta da urgência, e outros aproveitam a espera para fazerem a higiene pessoal, como um indivíduo ali no canto que descontraído vai limpando o nariz aos dedos, a generalidade destes estranhos - também entre si - muito facilmente se dão ao conhecimento, parecendo-me que passados alguns instantes estão já a trocar contactos e confidências. Há aqueles(as), mais impacientes, que mal se sentam logo se levantam, numa impaciência aflitiva que quero atribuir à preocupação para com os seus doentes. Depois há ainda aqueles que como eu gostam de observar, mas indiscretos e incisivos, violentam-nos as mais recônditas entranhas com os seus (feios) olhares. O que pensará toda esta gente? O que irá na alma de cada um deles? Que dores sentirão?.. E é no meio destas divagações que ouço, num som estranho, o meu nome. É a minha vez de sair.

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