Não sei quais foram as reais razões ou necessidades que trouxeram para a actualidade do debate político a questão da reforma administrativa portuguesa, mas a verdade é que este debate é necessário e viverá sempre sob o espectro de tardio e de urgente. Como podemos, em pleno Século XXI, viver ainda num esquema pensado e aplicado em meados do século XIX!? Mais, porque se demorou tanto tempo para apenas se pensar no assunto!? Já em meados do século XX, principalmente na sua segunda metade, a realidade do território e da população portuguesa deveriam ter motivado tal reflexão.
A dimensão das autarquias locais é fundamental na perspectiva da sua autonomia. Sem uma dimensão crítica da autarquia local não se pode verdadeiramente falar em autonomia do poder local, na medida em que as autarquias locais ficam desprovidas de meios suficientes para assegurarem a prossecução das suas atribuições e o exercício das suas competências.
Actualmente existem em Portugal 39 municípios com menos de 5000 eleitores, o que corresponde a 12,66 % do número total de municípios. Quando se fala em freguesias, a realidade é ainda mais avassaladora, tendo a esmagadora maioria das mais de 4000 freguesias, um número de eleitores inferior a 1000.
Este argumento serviu de base ao veto do Presidente Jorge Sampaio ao Decreto da Assembleia da República n.º 76/IX, que visava alterar a Lei Quadro de Criação de Municípios, aprovada pela Lei n.º 142/85, de 19 de Novembro, permitindo a criação de novos municípios, mesmo que não se verificassem os requisitos previstos na lei, caso existissem reconhecidas razões de interesse nacional, fundamentadas numa particular relevância de ordem histórico-cultural, ou desde que fosse recolhido o parecer favorável de todos os órgãos autárquicos envolvidos.
Conforme então afirmava o Presidente Jorge Sampaio, “Neste âmbito assumem especial relevância as questões relacionadas com a fixação ou alteração dos limites da circunscrição territorial dos municípios, não apenas porque dela depende, em larga medida, a adequação e eficiência da administração autárquica na prestação de serviços às populações,...”.
A Câmara Municipal de Lisboa tem em curso uma discussão pública sobre a reorganização do mapa administrativo da cidade, visando a redução de 54 para 24 freguesias, homogeneizando a sua dimensão territorial e demográfica, em nome de uma maior eficiência da acção das autarquias locais. Este facto e a actual crise financeira tem inspirado várias vozes, designadamente a do Secretário de Estado da Administração Local para a realização de uma Reforma Administrativa assente na redução do número de municípios e freguesias.
Aproveitando o facto de este ser o ano de novo Recenseamento Geral da População (Census 2011), poderemos aproveitar esse novo retrato da distribuição da população portuguesa para elaborar um novo esquema administrativo. O que não devemos é a) aceitar que sejam critérios meramente contabilísticos e financeiros a motivar e nortear esta nova “vontade” de mudar, e b) que esta súbita e drástica vontade de reduzir seja o caminho para um efectivo reforço da centralização do poder em Portugal.
Não sei se devemos ou não reduzir o número de freguesias. Contudo, parece-me que não se devem extinguir freguesias com relativa dimensão (3.000 ou mais eleitores), nem fazer fusões das grandes freguesias (mais de 40.000 eleitores). Se é verdade que não devemos aceitar a imposição da concentração de poderes em meia-dúzia de autarcas, também me parece que não devemos aceitar que existam em Portugal tantas freguesias que, tendo em conta o reduzido número de eleitores, são administradas por plenários. Não deveremos, por princípio, ter reservas e deveremos aceitar que se reduza ou aumente o número de freguesias e de concelhos, no sentido de alcançar o desejado equilíbrio entre a população e seu território.
Bem sei, sabemos, que o politicamente correcto é afirmar que as Juntas de Freguesia e, em concreto, os seus presidentes, são os pilares fundamentais da democracia portuguesa. Mas será verdade!? Será mesmo assim!?... Aceitar, concordar e defender esses pilares não é manter a actual situação, pois todos bem conhecemos a realidade de muitas autarquias e o desempenho de muitos presidentes de Junta de Freguesia: por um lado, estão presos pelo cimento e pelo tijolo ao respectivo presidente da Câmara Municipal, por outro lado, entendem o seu território como um feudo, onde gostam de se considerar donos e senhores. Temos que acabar com estas lógicas, com estes laivos medievais…
Não deveremos, sob o pretexto de defesa da democratização do poder local, defender o atavismo das lógicas enraizadas no poder local em Portugal, que aliás já existiam antes do 25 de Abril. Não será por acaso que, embora todos admitam a necessidade de reformar administrativamente o país, todos os discursos são extremamente cautelosos. É que uma coisa é teorizar e debater, outra coisa é implementar e explicar. Não tenho dúvidas que aí as resistências serão enormes. Não deveremos pois, também, menosprezar as questões imateriais: de identidades difusas e de sentimentos de pertença heterogéneos, que nalgumas localidades e regiões adquirem dimensões consideráveis e bem perceptíveis.
Um novo modelo administrativo, bem pensado, bem estruturado e bem reflectido poderá, para além do mais, acabar com os monopólios e os senhorios, e permitir novos espaços de influência e de novas e boas práticas de gestão autárquica.
(artigo enviado para o Jornal Nordeste)
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