Valter Hugo Mãe escreve no actual número do Jornal de Letras e na sua coluna habitual de última página, sobre um pequeno episódio que lhe aconteceu há cerca de 14 ou 15 anos, aquando uma visita a uma escola e o seu encontro com um aluno que, tímido e solitário, quis falar a sós com ele...
- querias falar comigo?
- vou matar-me porque o meu pai diz que sou maricas e bate-me muito.
Era um mocinho de 12 ou 13 anos, sem sobressalto, apenas entregando a declaração sincera. Uma notícia de dor insuportável.
(...)
Abracei o menino e disse-lhe: - não vais nada. Vais ser meu amigo e vais falar sempre comigo e, se for preciso, sais da tua casa para um lugar seguro.
Fiquei imediatamente comovido. O menino, habituado à ideia de morrer, estava como sem sentir. E disse-me: - Eu acho que não sou. Detesto os rapazes, mas também não gosto das raparigas. Não tenho ninguém de quem gostar.
(...)
Expliquei à professora que aquele aluno era meu amigo. Ia ser meu amigo. Estávamos a contar segredos. (...) Naquela noite, diante do pai e da mãe, aquele menino explicou que ser sozinho não era gostar de outros meninos. Era sozinho. Não tinha amigos. A solidão não é um género e não é um modo de amar. Muito ao contrário. É o contrário do amor.
Um dia muito mais tarde, mandou mensagem a dizer:
- Valter, agora acho que gosto de raparigas. Já conheço uma que é minha amiga.
Houve um tempo em que falámos mais. (...) Vi-o com a companheira, sei que têm, hoje, dois filhos. Se que o menino, agora um adulto ainda jovem, se afastou do próprio pai, porque alguns pais preferem o ódio.
Vejo, com horror, a eleição de políticos eufóricos contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo. O que fazem é do foro do homicídio. Machões convictos, querem saber nada sobre crianças que crescem em pânico mesmo antes de saberem o que são. Tolerar não é tolerar ideias assassinas. Não tolero ofensas a direitos fundamentais. Não tolero agressões à liberdade de amar. Políticos com opções pelo ódio que se fodam. Vão-se foder. Não poderei estar no abraço a todas as crianças desesperadas em todas as escolas do país ou do mundo, mas vou sempre expressar o nojo por quem destrói a liberdade dos outros, o direito que os outros têm a serem felizes em algo tão sagrado quanto é o amor.
(Valter Hugo Mãe, in Jornal de Letras nº 1287, Janeiro 2020)